Londres era uma das cidades mais famosas de todo o mundo, o ponto principal de todo o Reino Unido e, por consequência disto, o covil da aristocracia britânica. Durante a alta temporada a cidade fervilhava de pessoas da nobreza. Eram ofertados centenas de bailes, jantares e saraus a fim de reunir a famosa nata da sociedade para conversar sobre o clima e assuntos dentro das regras de etiqueta — pelo menos era isso que gostariam que acreditassem. Na realidade, tais eventos eram uma excelente oportunidade para saber grandes fofocas, pequenos boatos e mexericos simples que circulavam por entre a nobreza. Era assim que descobriam e decidiam suas vítimas, quais damas e cavalheiros deveriam ser evitados e até mesmo desprezados e relegados ao ostracismo. As damas desfilavam as obras da última moda de boutiques renomadas, enquanto os cavalheiros gastavam milhares de libras apostando em corrida de cavalos, clubes de jogatina e bordéis. Oh sim, havia mais bordéis por toda Londres do que igrejas. Para uma nação tão devota como proclamavam pelo mundo, sua devoção estava em falta em seu próprio país.
Aos dezenove anos Ravenna aprendera a se portar diante da sociedade com a mesma imponência e discrição de seu pai — mesmo obtendo um resultado menos ameaçador que o duque pelo fato de se tratar de uma dama. Conseguia calar muitas opiniões vindas de outras damas, que torciam o nariz para ela pelas costas durante o dia, e a noite antes de dormir, faziam preces para ter sua popularidade. Deixara de lado seus trejeitos italianos e passou a usá-los muito raramente em conversas com a família. Convencera a si mesma que precisava ser discreta para que pudesse aproveitar de sua liberdade longe dos olhares curiosos, e misturar dois idiomas enquanto falava chamava mais atenção do que gostaria, já que sua aparência atraia atenção suficiente, não precisava de outros incentivos.
Ravenna adorava fazer com que lordes respeitáveis rastejassem aos seus pés atrás de um compromisso, “um de seus hobbies favoritos” seu irmão diria. Debutara no ano anterior e fechara a temporada com o total de vinte e uma propostas de casamento de cavalheiros elegíveis — e alguns nem tão elegíveis assim — que se diziam completamente apaixonados pela dama, capazes de mover o Tâmisa para o deleite de sua musa. Alguns possuíam idade para ser bisavôs de Ravenna, esses ela declinava do cortejo com a desculpa de que os tinha como inspiração paterna, utilizando de seus charmes os convencia de que deveriam olhá-la como uma neta a quem precisavam proteger e aconselhar, e lhes mostrava como isso os faria ganhar muitos pontos com seu pai. Mencionar o pai era sempre um incentivo e tanto ao declínio das propostas. Fazia com que os lordes lembrassem de quem ela era filha e o que seu pai era capaz de fazer.
Alguns de seus outros pretendentes mal sabiam escrever os próprios nomes, esses ela conseguia convencer a retirar as ofertas através da boa e velha persuasão disfarçada de conselhos casamenteiros. Em algumas situações se dispunha até mesmo a ajudá-los a encontrar damas que melhor atenderiam aos propósitos dos cavalheiros. Nos dias que não dispunha de grande paciência, ela os atormentava e os jogava uns contra os outros. Divertia-se em fazer com os homens o que eles constantemente faziam com as mulheres.
Suas vítimas favoritas eram lordes afundados em dívidas que tentavam desposá-la a todo custo, usando até mesmo de certos ardis para comprometer a jovem e forçá-la ao matrimônio. Ravenna dava a eles a sensação de estar no controle e se passava por uma dama inocente, até que os cafajestes sentissem que a tinham em suas mãos. Após os homens moverem as peças do jogo a favor de si próprios, os entregava de bandeja a seu pai. Nesses casos em particular, James cuidava para que tais cavalheiros — que desconsideravam a fama dele por estupidez ou ignorância, deixando de lado a prudência e o amor à própria vida— adquirissem certo nível de juízo afastando-os de vez de sua filha da maneira mais discreta e incisiva possível.
Alguns cavalheiros dentre o pelotão de admiradores da Lady Osborne eram, de fato, homens interessantes e dispostos a cortejá-la por mais do que sua beleza e seu enorme dote que, segundo lorde Cleaven, serviria muito bem para comprar um pequeno país se o futuro marido da dama assim o desejasse. Porém, Ravenna estava longe de sequer pensar na possibilidade de casar, então os dispensava rapidamente para que pudessem encontrar a felicidade em um matrimônio por amor. Gostava de sua liberdade e jamais abriria mão de si mesma para tornar-se um adorno para um lorde qualquer. Participar das temporadas era nada mais do que um bom divertimento para sua alma maquiavélica, como Eva costumava dizer.
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Fazia apenas alguns minutos que Ravenna e sua família haviam chegado ao baile anual da marquesa de Riverdale e, enquanto ela observava o esplendor com o qual a marquesa decorara o lugar, Sir Lastings, herdeiro dos anfitriões, pediu a Ravenna que lhe concedesse a honra de dançar a segunda valsa. Ravenna olhou para seu pai fingindo pedir sua permissão, o duque balançou a cabeça suavemente em sinal de aprovação. Sabia que seu pai não se importava com aquilo, mas fazia para mostrar aos outros o respeito que tinha pela autoridade dele. Ela mesma não conseguia dizer exatamente o motivo para todos terem James em tão alta estima, no entanto, agradecia por seu pai exercer tamanha influência e autoridade entre os de sua classe.
Diferente de seu irmão, que não era dado a festas e bailes, Ravenna adorava comparecer aos eventos que a família confirmava presença. Os Osborne eram disputados em todos os bailes e eventos importantes da aristocracia. Todo ano marcavam presença nos eventos dos Lastings, que eram amigos íntimos dos Osborne há décadas. Marissa costumava dizer que as damas decidiam os eventos da temporada de acordo com a agenda de sua família. Ravenna achava aquilo hilário até perceber que sua mãe não estava de todo errada.
Christopher a conduziu até o meio do enorme salão principal, onde outros casais se preparavam para começar a valsar. Ravenna conseguiu observar de soslaio alguns dos lordes que dispensara na tarde anterior, os homens a olhavam como se tivessem perdido a galinha dos ovos de ouro. Ela bufou em desdém e lançou aos dois mais próximos um olhar sedutor, levantando uma das sobrancelhas em sinal de superioridade. Os cavalheiros mudaram de postura no mesmo instante hipnotizados pelo flerte. Limpando a garganta, James parou próximo aos jovens — que ao notarem a presença de Lorde Osborne ficaram pálidos como papel — e tomou um gole da taça de champanhe que trazia em uma das mãos. Sem dizer nada, os cavalheiros se afastaram da pista de dança e andaram apressadamente para o lado oposto do salão.
A decoração do lugar estava impecável, Ravenna observou enquanto era guiada. Como sempre, Samantha Lastings possuía um gosto refinado e elegante; todo evento organizado pela Senhora de River House deixava seus convidados boquiabertos pelo luxo que a família exibia.
Ravenna conhecia o jovem Lastings desde muito pequena, já que seu irmão e ele eram grandes amigos. O rapaz era um homem de certa beleza, não o descreveria como um homem de tirar o fôlego, possuía uma beleza simples e gentil. Cabelo e olhos castanhos, um perfil magro e altura mediana, porém, seu bom coração e sua alma gentil — além de um modesto marquesado, é claro — o tornavam um homem honrado e muito disputado pelas jovens casadouras.
Jamais pensara em Christopher Lastings como algo mais do que um amigo, mesmo quando o rapaz confessou nutrir sentimentos por ela. Logo fez questão de mostrar a ele o quão desastroso seria um enlace entre ambos, e o convenceu que aquela inclinação era apenas passageira. Suas palavras surtiram o efeito desejado e agora, meses depois, o jovem a consultava em busca de conselhos para cortejar a dama que pretendia pedir em casamento. Enquanto os convidados ao redor imaginavam que o cavalheiro a cortejava, os dois amigos debatiam, entre rodopios e passos combinados, quais seriam as abordagens usadas por ele para cortejar lady Caroline Bromwell.
— Milorde, deveria ouvir meus conselhos. Alguma vez o decepcionei neste quesito? — Ela o olhava com determinação. — Se obteve êxito em conseguir a permissão do Marquês de Stein para levar a filha dele para um passeio de cabriolé, foi graças aos meus conhecimentos.
— Nunca me decepcionou, milady. Mas precisa entender que Lady Bromwell não é uma dama como as outras. Ela é doce e inocente de verdade, não posso levá-la para um passeio duvidoso e esperar que assim ela entenda como estou perdidamente apaixonado. Caroline pensará que sou um libertino.
— Ora, milorde... tenha dó. É mais fácil eu me tornar freira do que você ser um libertino. O senhor é mais sentimental e romântico do que metade das damas que conheço.
— Lady Ravenna, não posso arriscar a reputação de minha dama. Não há outra forma de fazê-la entender o quanto a amo?
Bufando em sinal de impaciência, Ravenna aproximou seu corpo ao de Christopher e, notando o olhar surpreso de seu parceiro, ela falou:
— Olhe bem para Caroline neste instante — Olhando para a jovem dama loira e delicada como uma frágil porcelana, ele nota o olhar irritado de Caroline e a forma como seu rosto assumia um tom mais rosado e impaciente.
— Então? O que me diz? Sua dama não parece tão calma e inocente vendo você ser seduzido por mim — Ela debochou, sorrindo com o canto dos lábios — Caroline espera que milorde tome a iniciativa e demonstre seus sentimentos, para que assim, ela possa demonstrar os dela.
Surpreso por Ravenna notar tantos detalhes escondidos, Christopher a questionou sobre como percebeu tantas coisas em poucos minutos.
— Precisa se atentar aos detalhes. Nós, mulheres, não temos liberdade para expressar nossas opiniões e sentimentos, precisamos sempre fazer uso de subterfúgios para sermos compreendidas. Olhe como ela balança o leque e toca a luva, está irritada e questionando-o sobre suas intenções comigo.
— Ainda não consigo compreender totalmente essa linguagem, mas agora eu entendo o porquê me disse para levá-la ao jardim. Ela se sentirá livre para falar sem que outros nos escutem, certo?
Ravenna acenou a cabeça em concordância. Assim que a valsa terminou, o jovem cumprimentou sua parceira de dança e despedindo-se partiu em direção à Lady Bromwell.
Ravenna observava da janela a vista para os jardins enquanto tomava uma taça de champanhe, quando foi surpreendida por sua mãe, que parou ao seu lado para conversar.
— Sente-se solitária, minha filha? Pensei que as coisas estivessem avançando entre você e o jovem Lastings. — Ela disse também observando o jardim.
— Ah não mamma, por favor não me venha com suas técnicas casamenteiras obscuras. Lastings e eu não passamos de bons amigos. Não sei o que a senhora pensou ter visto, mas está errada. Ele me pedia conselhos sobre como cortejar Caroline e eu, como a boa samaritana que sou, prontamente o ajudei.
Rindo, Marissa passou os dedos enluvados pela bochecha da filha e lhe deu um leve beliscão no queixo.
— Você é igualzinha a seu pai — Ela sorriu, satisfeita por Ravenna se orgulhar disso. — Teimosa e obstinada feito uma mula. Quando desistirá dessa tolice de nunca se casar? Precisa encontrar um marido, minha filha. A vida será mais interessante se puder compartilhá-la com alguém que você ame.
— Já compartilho demais com a senhora e papà, até Berlin faz parte da festa. Isso sem contar Eva e tio Dom, tem também Jaden e Mery. São muitas pessoas que amo e compartilho minha vida, não preciso de outra.
Revirando os olhos a duquesa pegou a taça da mão da filha e tomou um gole da bebida.
— Sabe que não estou falando disso. Um dia entenderá que o amor entre um homem e uma mulher é diferente e importante.
— Mamma, homens são descartáveis. É muito raro encontrar um que valha a pena gastar meu tempo. A senhora foi sortuda e encontrou meu pai, mas noventa e nove por cento do sexo masculino é tão dispensável quanto tinta barata. Só servem para estragar obras de arte e causar bolor nas telas.
— Cuidado, minha filha. Isso soa como palavras amarguradas.
— Não se preocupe comigo, sou feliz da forma que estou e pretendo continuar sendo feliz e solteira.
— Seja como quiser, minha querida. — Marissa depositou um leve beijo na bochecha da filha e se afastou indo em direção à algumas matronas conhecidas que avistara próximas à mesa de doces.
Ravenna entendia o que sua mãe queria dizer. Sabia que a solidão bateria em sua porta em algum momento. Depois de anos remoendo seu erro, ela aprendera a desconfiar de qualquer homem que não fosse de seu círculo pessoal. Por um segundo até pensou em aceitar a proposta de Christopher, mas por compaixão pelo pobre rapaz, preferiu recusar. Ela sabia que jamais o faria feliz, pelo contrário, o transformaria em uma pessoa infeliz e desiludida. Ele merecia um casamento por amor, e Ravenna não tinha nenhum para ofertar.
Olhando os casais valsarem sob um enorme lustre de cristais no meio do salão, Ravenna percebeu um olhar em sua direção não muito longe de onde estava. Ao focar no homem que a observava se depara com um cavalheiro loiro, não poderia afirmar se estava com dificuldade para enxergar ou se o homem realmente possuía um nariz tão avantajado como parecia, trajando preto, exceto pela camisa branca, ele mais parecia um pinguim. Era uma visão um tanto estranha, pensou. Ravenna não costumava deixar-se abalar pela aparência física de qualquer pessoa, mas precisava admitir que aquele rosto era uma visão bastante intrigante. O homem possuía lindos olhos verde oliva, e sua beleza terminava aí. Como era alto feito um poste, e com cabelos curtos e ralos dando ainda mais destaque a seu nariz protuberante e sua boca reta e taciturna, Ravenna o imaginou como algum personagem de contos de terror. Um verdadeiro exemplo de como algumas pessoas eram excessivamente abençoadas com beleza, enquanto outras não possuíam uma gota sequer.
Ao notar que Ravenna retribuía o olhar inspecionando-o, o cavalheiro inclinou ligeiramente os lábios em um meio sorriso lateral e levantou uma das sobrancelhas, demostrando estar ciente de sua observadora. Ravenna, ao notar os sinais que o homem lhe enviava, desviou o olhar e andou em direção a Berlin, que se encontrava entediado no canto do salão tentando fugir das damas casadouras e suas mães obstinadas, inclusive Marissa.
Ravenna não estava para flertes naquela noite e não gostaria de aventurar-se sem saber onde pisava.
— Gostaria de poder ir para casa sem que mamãe nos perseguisse durante a semana, para nos lembrar o quanto fomos mal-educados em sair antes da hora — Ele disse suspirando.
— Geralmente discordo de você sobre bailes, mas desta vez preciso admitir que preferia estar em casa tomando um copo do conhaque e ouvindo mamma cantar. — Suspirando em sinal de descontentamento, ela prosseguiu — Não há nada de errado com o baile, acredito que o problema seja comigo.
— Sim, seria mais prazeroso estar em casa. Comecei a escrever um novo romance e precisar abandonar meu momento criativo para estar aqui, é uma tortura. E eu trocaria o conhaque por vinho.
Ravenna riu e ao passar o olhar pelo salão, percebeu o cavalheiro loiro mais uma vez a admirando de longe.
—Sabe quem é aquele cavalheiro loiro e alto? — Ela questionou o irmão.
— Anthony Manner? Ele é o Conde de Rutland. Um homem dado aos prazeres da carne e aos vícios de estimação de todo bom nobre — intrigado com a pergunta da irmã, Berlin a interrogou — Por que deseja saber sobre ele? Possui algum interesse em cortejá-lo, minha querida irmã? Posso fazer a apresentação de vocês se assim desejar. Gostaria de vê-la confrontá-lo em uma batalha de egos. Apostaria vinte libras em você.
—Não seja tolo. O homem tem me observado durante o baile inteiro. Apenas quis saber quem será o próximo coitado que precisarei dispensar.
—Não seja tão cruel. Talvez sua feiura seja chamativa demais e, por pena, ele não consiga deixar de olhá-la. Se bem que... bem, ele não é exatamente um exemplo de beleza — Ele disse, o ar zombeteiro iluminando sua face.
— Ora... que fantástico Berlin. Conseguiu usar o único pedaço do seu cérebro que funciona para formar uma chacota completa. Meus parabéns! — Ela retrucou em tom jocoso. — Informarei a papà seu progresso, ele ficará feliz em saber que agora você é um pouco mais racional do que um macaco.
— Touché! — Ele riu. — Dessa vez você ganhou.
— E quando é que não ganho?
Ravenna olhou de soslaio novamente para ter a certeza de que ainda estava sendo observada. E lá estava ele, a admirando de maneira sutil. “O que será que aquele homem queria? Pelos céus... não tinha um dia sequer de paz com esses urubus pairando sobre sua cabeça”.
Na semana seguinte ao baile, Ravenna caminhava pelo Hyde Park na companhia de Meredith e as duas conversavam sobre a saudade que sentiam de Eva e tio Dom. A amiga não costumava ir a Londres com frequência assim como o pai, e Ravenna lamentava os meses que passava longe da companhia deles. Por algum motivo anormal, este ano sentia-se ainda mais solitária. Parecia até que sua mãe havia jogado uma praga sobre ela.—Esta temporada está tão tediosa que eu preferia ouvir Berlin recitar poesia do que comparecer aos eventos — Ela disse frustrada. — Era para ser uma temporada mais animada agora que Georgie juntou-se a mim, mas ao contrário disso, não a vejo há semanas.— O Lorde misterioso não apareceu outra vez? — Meredith perguntou.— Não. Não sei o que ele pretendia, mas não per
Na Temporada SeguinteDepois de muitos meses pensando e elaborando uma proposta decente de compromisso, Ravenna estava pronta para debater com Anthony sobre um possível noivado. Decidira mudar as regras do jogo a seu favor, para que pudesse garantir a si mesma caso seu futuro marido não fosse quem dizia. Esquematizando os tópicos do novo acordo, ela esperava tirar Anthony do eixo e assim fazê-lo desistir do enlace, mostrando que o homem era como todos os outros. Caso ele ainda a quisesse, saberia que falava sério sobre suas preferências.Optara por montar um contrato a parte do comum, feito pelo pai da noiva e o noivo, e especificar todas as suas vontades. Como por exemplo, Anthony não poderia dormir com mulheres fora da nobreza, não se incomodaria que ele tivesse amantes dentro da nobreza, contanto que fosse seguro e discreto. Seu
Era uma linda manhã de primavera quando Beline entrou no quarto de Ravenna gritando animada para que a jovem acordasse. Jogando-se na cama e puxando as cobertas de Ravenna, ela chamou insistentemente por seu nome, a mulher acordou de mau humor prometendo esganá-la caso não saísse de cima de suas pernas.Agora desperta, Ravenna perguntou a Beline o que dera na cabeça dela para entrar no quarto como se fosse um furacão acordando até mesmo os espíritos de seus antepassados. A jovem ruiva riu por debaixo da confusão encaracolada de seus cabelos, e em um entusiasmo contagiante lhe contou sobre o canal que vira da janela do quarto escolhido para ela.— Oh, sim. Sabia que apreciaria a vista. Aquele é meu quarto, deixei para você já que possui uma das melhores vistas em todo o castelo. Meu bisavô mandou fazer o canal dentro dos limites da propriedade
A noite era fria, a mais fria desde que o outono começara a colorir as folhas das árvores em tons de vermelho. A chuva caía com a força de um dilúvio e os trovões lançavam clarões capazes de anunciar o próprio fim dos tempos. Não havia estrelas ou lua para iluminar a escuridão que pairava em Alnwick, se não fosse pelas poucas velas espalhadas pelo quarto e os raios cortando o céu, seria impossível enxergar qualquer objeto que fosse. As duas mulheres dormiam juntas na mesma cama quando tudo começou. Beline acordara sentindo dores e percebeu que sua camisola estava molhada, no entanto, não conseguiu identificar de onde vinha o líquido. As dores pareciam aumentar de tempo em tempo, a cada minuto de dor a sensação de que estava prestes a ter seu corpo rasgado de dentro para fora a fazia querer urrar. Tentando respirar fundo e acalmar-se para não ass
A manhã seguinte ao nascimento da menina começava a clarear o quarto de James e Marissa, onde Ravenna tentava dormir, mas sem sucesso pois acordara inúmeras vezes durante a noite suada e ofegante, relembrando as horas de terror passadas ao lado de Beline. Ela decidiu, então, levantar da cama e lavar o rosto para checar a bebê que dormia com a criada no andar de baixo. A criada insistira para ficar com a menina mesmo Ravenna determinando que ela precisava descansar. Andando em direção ao lavatório, ela parou sentindo as pernas fraquejarem e repousou a testa na grande porta de madeira escura do quarto de banho. “Era difícil”, pensou, “continuar sem Beline era uma tarefa muito difícil”. A dor não parava de queimar em seu peito, seu coração sempre em constante agonia. O único motivo de segurar as lágri
No primeiro lar para crianças que encontraram, as funcionárias não tinham a menor ideia de quem era Anthony ou a criança. Não recebiam um bebê recém-nascido há meses. Ravenna inspecionou todos os bebês do orfanato e não achou a filha entre eles. Já estavam na estrada há 3 dias, paravam em estalagens para dormir, alimentar-se e trocar os cavalos, e no dia seguinte seguiam viagem até o próximo lugar da lista.Passaram sete dias viajando atrás de todos os orfanatos próximos até chegarem ao orfanato St. Joseph. Ravenna estava exausta e malnutrida, não comia uma refeição decente há mais de duas semanas, não conseguia pregar os olhos a noite e chorava sempre que estava sozinha. Jaden e Meredith eram seu braço direito e esquerdo, e a esperança de encontrar a filha era o que a mantinha de pé ali.
A cidade continuava a mesma de sempre, cinza e suja, cavalos e carruagens empesteando as ruas que, mesmo na baixa temporada, já possuíam um odor característico de Londres. Algumas pessoas andavam pelas calçadas como se não houvesse amanhã enquanto outras sorriam e pensavam estar em algum tipo de passeio pitoresco. Em todos os casos, todas aquelas pessoas eram insignificantes, poderiam cair ao chão sem vida naquele instante e Ravenna acharia algo natural e talvez, até agradável. Ansiava apenas por chegar em casa o mais depressa que pudesse para ver a mãe, a carta não explicava que doença ela havia contraído, apenas dizia que não havia muito tempo, o que deixara Ravenna com o coração apertado de preocupação. A viagem de volta transcorrera sem qualquer agitação, Meredith dormia durante a maior parte da viagem, enquanto Ravenna observava a pai
A aristocracia inglesa não passava de uma grande hipocrisia disfarçada de bons costumes. Os nobres expunham uma vida de moral imaculada, de acordo com a visão da atual soberana, quase passíveis de canonização. Mas por trás das cortinas escondiam toda a sua depravação, imundice e pecados. Governados por alguém que considerava as mulheres inferiores aos homens, a nobreza era um verdadeiro show de horrores para Ravenna. Enquanto divagava perdida em seus pensamentos, ouviu alguém bater à porta e Darcy logo se agitou em seu colo.— Entre — ela ordenou, imaginava que Meredith viria trazer seu chá e checar o novo residente antes de ir dormir.— Milady... — Meredith lhe chamou, a hesitação aparente em sua voz — Nós temos algo importante para lhe falar.Ravenna girou o corpo no