Meu coração salta ao ver Charles entrar no quarto. Eu quero gritar, empurrá-lo para fora e implorar para meus pais não o deixarem voltar, mas os dois estão com ele agora, encarando-me com um sorriso complacente. Nunca me visitam juntos, pelo menos não tenho lembrança de que o façam.Por mil demônios, há algo acontecendo, e estou com medo.Olho por cima do ombro do meu pai apenas para ver meu reflexo no espelho, tão parecido com minha mãe.A cada dia que passa a semelhança aumenta, e a cada dia que passa o modo como sou tratada também piora, mas a culpa é minha.Falho demais mesmo tendo tudo.Minha caligrafia é mediana, minha habilidade com números é mediana, e minha memória é terrível. Talvez se eu fosse mais esperta eles me amassem mais, como fazem com Charles, pois o deixam sair, diferente de mim. Sou uma vergonha em muitos aspectos, então não é estranho que mantenham a mancha escondida. “Trouxe um presente. Cheguei de viagem hoje, preciso de um banho mas não pude esperar para v
POV: CARINA {aniversário de dezesseis anos}“Achou mesmo que a caixa de música seria o único presente? Venha comigo.” Charles sussurra ao voltar para meu quarto.Já estou na cama, é tarde, e ele engancha o braço em minha cintura para me ajudar a ficar de pé. Quero voltar para a cama sem parecer uma ingrata, depois de hoje me sinto culpada por ter confundindo um pesadelo com a realidade.Pensei mal de alguém que sempre foi bom para mim.Charles venda meus olhos e entramos no que parece ser uma atalho. O cheiro de umidade é forte, e a quantidade de degraus interminável.Tenho que correr para acompanhá-lo, pois não diminui o ritmo nem me solta.O cheiro de terra molhada me atinge e quase consigo sorrir.Assim que chegamos no local certo, Charles tira a venda dos meus olhos e eu vejo algo que só fizemos na torre.A toalha de mesa cheia de doces e a caixa de música no centro.“Você se lembra.”Apanho a torta de morango e enfio na boca, é pequena, então uma mordida é suficiente para fazê-la
POV: NathanielVendei os olhos de Carina para evitar encarar seus olhos, embora não tenha durado muito. A medida se tornou desnecessária, já que ela passa a maior parte do tempo dormindo. Também ordenei que ninguém poderia se aproximar ou lhe dirigir a palavra para evitar que se aproximassem dizendo insultos, mas a pior parte foi a decisão de mantê-la sedada durante o resto do percurso. Não quero que seu corpo lide com o desconforto da viagem. Algumas horas observando-a enfiar as unhas no próprio pescoço, ferindo a área coberta pela corrente, bastou para me obrigar a fazer essa escolha. O transporte das proximidades da aldeia onde a encontrei até o acampamento foi feito assim. Está imunda, cada vez que seus olhos se abrem, me encaram com um aspecto aterrorizado que vai me assombrar para sempre. As súplicas por um banho pararam depois de um tempo, que coincidiu com sua decisão de parar de comer. Não aceita nada além do chá calmante, as outras refeições são ministradas com Carina qu
POV: Carina Minha cabeça dói muito.A pressão começa na parte de trás da nuca e se espalha para os olhos, dói tanto que preciso lutar contra a vontade de bater a cabeça nas grades.Estou exausta, meu sono tinha sido tranquilo até pouco tempo atrás, mas acho que Embry diminuiu a concentração do chá de ervas, ou isso não estaria acontecendo comigo.Sei porque era isso que minha mãe fazia na torre quando se cansava de me colocar para dormir. Os pesadelos me deixam de péssimo humor, odeio tê-los. O sedativo impede que eu acorde nas piores partes, e eles parecem tão reais. Levará pelo menos duas semanas para desintoxicar meu organismo, isso sendo otimista. Compreendo o motivo assim que o ritmo da carruagem acelera.A capital é ainda mais gloriosa do que as ilustrações do livro.Sempre sonhei em conhecê-la, mas agora, diante dos portões gigantescos e edificações com torres enormes, com mansões que lembram pequenos castelos, só consigo pensar que acabou para mim.A fantasia é melhor do q
POV: NathanielSigo a contragosto, observando algumas criadas se levantarem para levar Carina. Ela mal consegue ficar de pé, mas ao menos estão guiando em direção aos meus aposentos. Será mais fácil mantê-la segura num ambiente que posso controlar, embora duvide que ela compreenda. Eu não compreenderia se estivesse em seu lugar.Sigo para os aposentos privados do meu pai após instruir outra criada do palácio sobre o jantar a ser enviado. Ele já estava me esperando quando cheguei.O lugar está coberto de uma fina camada de poeira, como se ninguém tivesse entrado aqui há dias. As estantes de livros, antes organizadas, agora têm volumes fora de lugar, e as cortinas estão pesadas com a sujeira acumulada.Não tem ninguém dormindo aqui.“Quando pretendia me contar sobre a garota?”A voz dele está calma, mal ergue os olhos dos documentos que assina de modo mecânico.“Lucian ou Embry?”Lucian, com certeza foi Lucian.“Isso importa?”Um sorriso.Ele sempre o usa quando quer deixar claro com
POV: CarinaAs garras dele traçam meu queixo sem rasgar a pele, Charles repete o movimento e para na parte do meio da garganta, então a ponta do dedo sobe, forçando meu queixo para cima. Encontro seus olhos no mesmo tom violeta que os meus, o que é estranho, me lembro deles vermelhos. Todos os alfas tem olhos vermelhos. “Lembra da última lição?” Nego, e ele sorri, posso ver as presas brancas brilhando, e então a mão se fecha em minha garganta antes de me puxar para sentar em seu colo.Minhas costas estão pressionadas em seu peito, e ele aperta meu pescoço até interromper o fluxo de ar. Só para quando abro os olhos, encarando nossa imagem refletida no espelho. “Nunca desvie o olhar, nós gostamos que mantenham os olhos fixos em nós quando transformamos coisinhas lindas como você numa bagunça.” Obedeço assim que vejo para onde ele está olhando, o chicote com nós posicionado em cima da mesa. A mão dele desce pelo meu ventre ainda coberto pela chemise e um bolo se forma em meu estômag
POV: CarinaO pânico toma conta de mim, esmaga qualquer resquício de racionalidade.Não confio nos meus pais, não tenho uma única lembrança de confiar neles desde que os sussurros começaram a invadir meus sonhos, dizendo para fugir. A única coisa boa é que Charles não está aqui, ele gosta de me ver assustada, e faz de tudo para que eu tenha mais medo ainda.O Rito do Despertar Prateado é algo que conhecemos das canções, escutava da torre as cantigas entoadas nos dias de festivais, mas hoje não é uma cantiga para assustar filhotes. É real, e vai me destruir.Eles planejam forçar minha primeira mudança com um ritual bárbaro que nem deve ser verdade.É ultrapassado, cruel, mas os dois discordam, veem a prática como uma forma de separar os fortes e os fracos da matilha. Sei que o Alfa supremo de Lycanthara, o Rei Lycander Fenris, baniu muito dos rituais antigos durante a unificação. O Despertar Prateado foi um deles.Alterar nossa litania não deixou os lycanos felizes, e isso incluí
POV: CarinaA sensação de derrota ainda queima em meu peito enquanto meus pais me conduzem para uma passagem secreta da torre de olhos vendados.Isso já aconteceu antes algumas vezes, mas só quando meu irmão me levava para sair escondido dos dois.O terror que sinto parece se intensificar a cada segundo. A escuridão é sufocante, e não deve ser nem metade do tormento que o rei deve estar passando agora. Se formos pegos a morte será um presente adorável. Não passo de uma marionete arrastada para um destino que não escolhi."Vamos, Carina," ela sussurra, como se suas palavras pudessem acalmar meu terror, apagar toda a desonra dos seus feitos. "É para o seu bem, quando tudo der certo as aulas ficarão mais fáceis, seu corpo ficará mais forte, e então não precisará reprimir nada."Odeio os livros, sempre odiei, pelo menos os que ela me forçava decorar e repetir em voz alta, mas quando ela usa a palavra aulas com aquela nota de aborrecimento na voz todo meu corpo treme. Ouvi essa mentira