Acordo no acampamento com a boca seca e sinto cada parte do meu corpo doer terrivelmente.Estou fedendo, muito, mas as cordas sumiram. Minha cabeça está zonza e o peso do metal segue no meu pescoço, a coleira não sumiu. Reconheço a sensação provocada pelos restos da erva que usei contra os homens do rei em meu organismo. Deve ter me transportado todo o percurso desacordada. —A garota… É a voz de Embry que escuto, não está irritado, mas deveria. —Já estou cuidando disso, Embry. Prepare a carroça dos prisioneiros. O som dos passos se afastam, mudam de rumo e voltam. Não consigo ignorar o quão tola fui na floresta.Ele me quer, mas não me ama, claro que não me deixaria ir. É exatamente como meus pais, os dois me queriam, mas não me amavam, por isso fiquei tanto tempo na torre. O tecido se abre, a luz do sol entra e eu viro o rosto, pois fere meus olhos. Vejo primeiro as botas, então a calça preta e o casaco de peles grosso. Ele para por alguns segundos antes de se inclinar para
POV: Carina {15 anos de idade}Estou sozinha na torre, de novo, mamãe me deixou ali depois de horas treinando caligrafia. Um desastre completo, ela disse. O silêncio o só é quebrado pelo som dos meus próprios soluços, abafados pelo travesseiro. Faltam poucos dias para o meu aniversário de dezesseis anos, mas não há alegria em mim. Detesto o papel de parede, os ladrilhos esculpidos à mão, o dossel, e os lençóis de seda manchados de sangue. Cada movimento faz a dor nas minhas pernas latejar, ela nunca tinha ido tão longe antes. Minha caligrafia é ruim. Tenho uma vida confortável, cheia de mimos e luxo, e todo tempo disponível para me dedicar, ainda assim minha califrafia não melhora.Minhas mãos tremem sempre que seguro a caneta tinteiro, e minha mãe não tolera imperfeições. Regular, ela disse, e regular não basta, precisa ser perfeito. O chicote nas mãos dela foi implacável, ela só parou quando minhas panturrilhas começaram a sangrar. Saiu resmungando sobre buscar o remédio para
Meu coração salta ao ver Charles entrar no quarto. Eu quero gritar, empurrá-lo para fora e implorar para meus pais não o deixarem voltar, mas os dois estão com ele agora, encarando-me com um sorriso complacente. Nunca me visitam juntos, pelo menos não tenho lembrança de que o façam.Por mil demônios, há algo acontecendo, e estou com medo.Olho por cima do ombro do meu pai apenas para ver meu reflexo no espelho, tão parecido com minha mãe.A cada dia que passa a semelhança aumenta, e a cada dia que passa o modo como sou tratada também piora, mas a culpa é minha.Falho demais mesmo tendo tudo.Minha caligrafia é mediana, minha habilidade com números é mediana, e minha memória é terrível. Talvez se eu fosse mais esperta eles me amassem mais, como fazem com Charles, pois o deixam sair, diferente de mim. Sou uma vergonha em muitos aspectos, então não é estranho que mantenham a mancha escondida. —Trouxe um presente. Cheguei de viagem hoje, preciso de um banho mas não pude esperar para ve
POV: CARINA {aniversário de dezesseis anos}— Achou mesmo que a caixa de música seria o único presente? Venha comigo. Charles sussurra ao voltar para meu quarto.Já estou na cama, é tarde, e ele engancha o braço em minha cintura para me ajudar a ficar de pé. Quero voltar para a cama sem parecer uma ingrata, depois de hoje me sinto culpada por ter confundindo um pesadelo com a realidade.Pensei mal de alguém que sempre foi bom para mim.Charles venda meus olhos e entramos no que parece ser uma atalho. O cheiro de umidade é forte, e a quantidade de degraus interminável.Tenho que correr para acompanhá-lo, pois não diminui o ritmo nem me solta.O cheiro de terra molhada me atinge e quase consigo sorrir.Assim que chegamos no local certo, Charles tira a venda dos meus olhos e eu vejo algo que só fizemos na torre.A toalha de mesa cheia de doces e a caixa de música no centro.—Você se lembra. Apanho a torta de morango e enfio na boca, é pequena, então uma mordida é suficiente para fazê-l
POV: NathanielVendei os olhos de Carina para evitar encarar seus olhos, embora não tenha durado muito. A medida se tornou desnecessária, já que ela passa a maior parte do tempo dormindo. Também ordenei que ninguém poderia se aproximar ou lhe dirigir a palavra para evitar que se aproximassem dizendo insultos, mas a pior parte foi a decisão de mantê-la sedada durante o resto do percurso. Não quero que seu corpo lide com o desconforto da viagem. Algumas horas observando-a enfiar as unhas no próprio pescoço, ferindo a área coberta pela corrente, bastou para me obrigar a fazer essa escolha. O transporte das proximidades da aldeia onde a encontrei até o acampamento foi feito assim. Está imunda, cada vez que seus olhos se abrem, me encaram com um aspecto aterrorizado que vai me assombrar para sempre. As súplicas por um banho pararam depois de um tempo, que coincidiu com sua decisão de parar de comer. Não aceita nada além do chá calmante, as outras refeições são ministradas com Carina qu
POV: Carina Minha cabeça dói muito.A pressão começa na parte de trás da nuca e se espalha para os olhos, dói tanto que preciso lutar contra a vontade de bater a cabeça nas grades.Estou exausta, meu sono tinha sido tranquilo até pouco tempo atrás, mas acho que Embry diminuiu a concentração do chá de ervas, ou isso não estaria acontecendo comigo.Sei porque era isso que minha mãe fazia na torre quando se cansava de me colocar para dormir. Os pesadelos me deixam de péssimo humor, odeio tê-los. O sedativo impede que eu acorde nas piores partes, e eles parecem tão reais. Levará pelo menos duas semanas para desintoxicar meu organismo, isso sendo otimista. Compreendo o motivo assim que o ritmo da carruagem acelera.A capital é ainda mais gloriosa do que as ilustrações do livro.Sempre sonhei em conhecê-la, mas agora, diante dos portões gigantescos e edificações com torres enormes, com mansões que lembram pequenos castelos, só consigo pensar que acabou para mim.A fantasia é melhor do q
POV: NathanielSigo a contragosto, observando algumas criadas se levantarem para levar Carina. Ela mal consegue ficar de pé, mas ao menos estão guiando em direção aos meus aposentos. Será mais fácil mantê-la segura num ambiente que posso controlar, embora duvide que ela compreenda. Eu não compreenderia se estivesse em seu lugar.Sigo para os aposentos privados do meu pai após instruir outra criada do palácio sobre o jantar a ser enviado. Ele já estava me esperando quando cheguei.O lugar está coberto de uma fina camada de poeira, como se ninguém tivesse entrado aqui há dias. As estantes de livros, antes organizadas, agora têm volumes fora de lugar, e as cortinas estão pesadas com a sujeira acumulada.Não tem ninguém dormindo aqui.—Quando pretendia me contar sobre a garota? A voz dele está calma, mal ergue os olhos dos documentos que assina de modo mecânico.—Lucian ou Embry? Lucian, com certeza foi Lucian.Ele tinha um caso com a sacerdotiza morta, tem todos os motivos para odiar
POV: CARINASalto ao receber o primeiro balde de água fria, ainda no pátio.Há gente assistindo, e devo ser mais orgulhosa do que pensei, pois quero morrer.Não sei ao certo quantas vezes quis morrer hoje, as ideias vai e vem numa frequência difícil de controlar.Saltar do parapeito.Quebrar um vaso e usar os estilhaços.Desejar que Embry erre a dose do sedativo, assim a natureza fará o trabalho.A sujeira se acumula aos meus pés, e elas só param de atirar mais baldes de água quando a poça se torna limpa.Sou guiada para um cômodo grande, ignorando os sussurros atrás de mim sobre “como esse saco imundo de ossos conseguiu a atenção do príncipe.”Meu estômago ronca, talvez por isso me sinto tão fraca e a luta se foi.Só Nathaniel tem a chave da corrente, e deve ter entregado para elas, pois antes de ser empurrada para uma banheira enorme, mas rasa, ouço o clique do metal sendo aberto e o peso é retirado. Suspiro de alívio, tocando a camada grossa de emplastro de ervas que cobria os feri