POV: Carina
As garras dele traçam meu queixo sem rasgar a pele, Charles repete o movimento e para na parte do meio da garganta, então a ponta do dedo sobe, forçando meu queixo para cima.
Encontro seus olhos no mesmo tom violeta que os meus, o que é estranho, me lembro deles vermelhos.
Todos os alfas tem olhos vermelhos.
—Lembra da última lição?—
Nego, e ele sorri, posso ver as presas brancas brilhando, e então a mão se fecha em minha garganta antes de me puxar para sentar em seu colo.
Minhas costas estão pressionadas em seu peito, e ele aperta meu pescoço até interromper o fluxo de ar. Só para quando abro os olhos, encarando nossa imagem refletida no espelho.
—Nunca desvie o olhar, nós gostamos que mantenham os olhos fixos em nós quando transformamos coisinhas lindas como você numa bagunça.—
Obedeço assim que vejo para onde ele está olhando, o chicote com nós posicionado em cima da mesa. A mão dele desce pelo meu ventre ainda coberto pela chemise e um bolo se forma em meu estômago, quero vomitar.
—Abra as pernas. Você não vai ser lembrar, nunca se lembra, mas seu corpo sim. Não vai doer tanto se você parar de resistir, Carina. Por que torna as coisas mais difíceis?—
Eu não obedeço, por mais que algo em minha memória diga para não piorar as coisas e ser boa. Se eu for boa vai acabar depressa, acho. Ele afasta uma mecha do meu cabelo que cobre a lateral do meu pescoço, o polegar faz pequenos círculos ali, numa pequena veia onde ele consegue sentir minha pulsação.
—Linda.—
Sinto a língua rastejar naquele ponto, e a mão dele desce até o meio das minhas pernas e se fecha ali.
O enjoo vence e eu me curvo para frente, vomitando nos lençóis.
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A torre está mais silenciosa do que o normal.
Encaro minha cama e tenho a impressão de que algo está errado. Não me recordo de ter mudado as cobertas.
Minhas costas e garganta doem um pouco, também há um desconforto esquisito entre minhas pernas que Mira falou para ignorar.
Nunca toco harpa quando meus pais ou irmão vem visitar, os primeiros estão aqui desde a aurora.
Mesmo sem visitas seria difícil fazer isso agora, meus pulsos doem onde as marcas de restrições estão por sumir, embora eu não me lembre de ter sido castigada recentemente.
Com o passar dos anos minha memória tem se tornado tão ruim.
O corvo só chega ao entardecer, e com ele meu último fio de esperança de que tudo desse errado.
Há um breve momento caloroso quando mamãe vem até mim e me dá um doce, um pote de violetas cristalizadas, ela sempre trás na noite do meu nascimento, são meus favoritos.
Observo da janela o corvo pousar no parapeito.
Meu coração acelera.
Há duas possibilidades.
A primeira: O plano dos meus pais deu certo e a rainha está morta.
A segunda: O plano dos meus pais falhou, e foi tudo um engano.
Minha mãe, Mira, ainda está ao meu lado com uma expressão ansiosa gravada no rosto. Ela segura meu braço com uma força que não condiz com sua aparência delicada, que constantemente usa em combate para enganar seus opositores pelo que observo da janela.
Nós nos parecemos tanto, talvez por isso eu deteste encarar o espelho. Os mesmos olhos violeta, os mesmos cabelos escuros.
Crator, meu pai, caminha depressa em direção ao corvo, arrancando a carta enrolada na pata da ave.
Para nosso desespero ele lê em silêncio.
Os segundos se arrastam enquanto nós duas esperamos a resposta, embora estivéssemos torcendo por resultados diferentes.
Ele termina a leitura, ergue os olhos e um sorriso se espalha pelo seu rosto. O brilho rubro nos seus olhos confirma o que tanto esperávamos.
Minhas pernas tremem, quero chorar, mas impeço as lágrimas queimando de cairem.
—O rei está devastado,— diz ele, sua voz grave ecoa pelo quarto.—A rainha está morta. Nosso plano funcionou.—
Odeio quando ele fala ‘nosso’, como se alguma vez tivesse escolha.
Sinto uma onda de emoções me invadir: pavor, asco, vergonha.
Este é apenas o começo
Papai nunca esteve satisfeito em ser o alfa da Cidade-Estado Celestial Spire, ele queria o trono da capital do reino e ter as outras dez famílias se ajoelhando diante de nós.
O nosso alfa supremo depois da unificação dividiu o território entre as dez matilhas, com a sua, onze. Cedeu o título de governador para o alfa de cada uma das cidades-estado com a condição de que todos se submeteriam a ele.
Papai permitiu ser ferido em combate para evitar refazer o juramento anual no último solstício.
Agora, eles querem acabar com os cinquenta anos de paz porque não estão satisfeitos.
Minha mãe solta meu braço e se aproxima de papai Crator, seus olhos brilham com uma determinação feroz.
—E agora?— pergunto, minha voz soa mais firme do que eu esperava.
"Agora, enviamos você para a capital, não imediatamente, ou ficaria óbvio, o que é bom, pois precisamos de tempo para prepará-la, teremos mais aulas para que aprenda a manter a atenção do alfa em você. De preferência depois que outras famílias também tiverem enviado suas filhas." Ela tem tanta certeza de que meu rosto bonito e educação regrada são suficientes para encantar qualquer um, o que é engraçado, pois não recebo visitas, nem socializo com outras pessoas. Como eles esperam que eu seduza um homem experiente assim?
Minha cabeça doi quando ela fala em aulas, e uma sensação de enjoo embrulha meu estômago.
—O rei estará vulnerável. Este é o momento perfeito, faça como ensinei.—
Uma estação atrás minha prima sonhou com uma serpente picando a nossa rainha durante o festival anual para a pacificação, uma serpente com a cor roxa e prata, as mesmas cores do brasão da matilha Raven's Nest.
Até onde todos sabiam, a melhor amiga e dama de companhia da rainha era Ellara Ravenwood.
—A profecia que Luna nos enviou... nunca chegará aos ouvidos do rei.— Crator adiciona, sua expressão se torna sombria ao relembrar o dia do assassinato da minha prima.
Mamãe não tem mais visões, ela dizia que desde o meu nascimento elas pararam, e por vezes me perguntava se era a razão de me manter presa durante todo esse tempo.
Agora, tenho quase certeza de que Luna não fala através dela por ser má.
Os dois viram minha prima crescer, comiam na mesma mesa que os pais dela, mas mamãe não hesitou em arrancar o coração da garota com as garras.
—Foi um sacrifício necessário para nosso sucesso.—
Eu dou um passo para trás, como se o ato fosse suficiente para me fazer fugir das responsabilidades. Minha vida inteira me preparou para este momento, eu deveria estar pronta, mas a única coisa que sinto agora é vontade de correr.
—Não quero fazer parte disso.— afirmo, olhando diretamente para meu pai. A semelhança dele conosco é assustadora, a razão não é nenhum mistério, papai e mamãe são primos, embora distantes.
Crator coloca a mão pesada no meu ombro e por um segundo tenho esperança de que ele irá me consolar, mas um tapa seco atinge meu rosto e parte meu lábio.
O gosto de sangue invade minha boca e a dor suprime o enjoo, o que em si é bom.
—Levar o nome dos Starbane ao coração do poder é sua única missão. Engravide e a capital será sua, e com isso, o reino será nosso. Ou prefere apodrecer atrás das paredes dessa muralha ouvindo sussurros do céu?—
Cerro os punhos com tanta força que minhas unhas ferem a palma da minha mão.
O corvo que trouxe a mensagem salta do parapeito e desaparece pela janela aberta. Sinto inveja da ave, e de um jeito estranho me vejo nela, como se estivesse voando rumo ao meu abatedouro.
Talvez seja um sinal.
A rainha era boa.
O rei era bom, acho.
Não mereciam nada disso, então qual a razão?
Luna não deveria iluminar os justos e usar seus servos para dilacerar os de coração podre?
—Prefiro apodrecer atrás desses muros. Gosto daqui.—
Minto.
Odeio os vestidos bonitos, a cama com dossel, os lençóis de seda, as joias desenhadas só para mim, e que ninguém vê.
Nunca saí do palacete.
Eles riam contando como os moradores de Celestial Spire sussurram que meus pais me amam demais, então querem me manter protegida.
Também nunca tive uma dama de companhia sequer, e isso também foi atribuído ao zelo dos dois.
Como ômega, me sentia inclinada a obedecê-los, mas conforme crescia, foi difícil lutar contra a voz dizendo que eles estavam errados, e tudo o que faziam era ruim.
Se eu morrer aqui dentro não haverá uma única alma para chorar minha morte, em contrapartida, hoje o reino inteiro chora a perda da rainha.
O festival foi quinze dias atrás, então a notícia demorou para chegar.
Lutou pela vida? Sofreu?
—Ela tem dezoito anos e ainda não mudou. Como vamos enviá-la para o palácio sem ter certeza?—
Mamãe me ignora e papai a segue.
Os dois não conseguem aceitar que talvez Luna nunca me conceda a sua dádiva e eu acabe me tornando o que os dois consideram insignificante, sangue fraco.
Se eu realmente fosse uma ômega e sangue fraco seria um golpe no orgulho dos dois.
Pensar na possibilidade me assusta e diverte.
Os dois têm certeza que vou obedecer, eu sempre obedeço.
Ela caminha até o armário e apanha uma corda grossa, há pequenos ganchos de prata em toda a sua extensão.
A realização me atinge com a força de um soco.
Até uma idiota reclusa como eu conhece os rumores, há muitos livros sobre, e minha torre está cheia deles.
—O Rito do Despertar Prateado é uma lenda, não funciona. Não serei útil morta.—
Eles querem forçar minha primeira mudança usando um ritual bárbaro de histórias para assustar crianças.
Meu coração afunda e recuo até minhas costas baterem na parede, mais especificamente na janela aberta da torre, a mesma por onde o corvo entrou e foi embora.
—Você já não é útil para nós assim, e é sua escolha, filhinha. Acabou de dizer que prefere morrer atrás dessas paredes em vez de colaborar. Sorria, as suas preces foram atendidas. —
POV: CarinaO pânico toma conta de mim, esmaga qualquer resquício de racionalidade.Não confio nos meus pais, não tenho uma única lembrança de confiar neles desde que os sussurros começaram a invadir meus sonhos, dizendo para fugir.A única coisa boa é que Charles não está aqui, ele gosta de me ver assustada, e faz de tudo para que eu tenha mais medo ainda.O Rito do Despertar Prateado é algo que conhecemos das canções, escutava da torre as cantigas entoadas nos dias de festivais, mas hoje não é uma cantiga para assustar filhotes.É real, e vai me destruir.Eles planejam forçar minha primeira mudança com um ritual bárbaro que nem deve ser verdade.É ultrapassado, cruel, mas os dois discordam, veem a prática como uma forma de separar os fortes e os fracos da matilha.Sem a voz dizendo o quanto tudo é errado, eu teria continuado feito o bichinho dócil de sempre, mas ela começou, primeiro sozinha, depois todas ao mesmo tempo.Sei que o Alfa supremo de Lycanthara, o Rei Lycander Fenris, b
POV: CarinaA sensação de derrota ainda queima em meu peito enquanto meus pais me conduzem para uma passagem secreta da torre de olhos vendados.Isso já aconteceu antes algumas vezes, mas só quando meu irmão me levava para sair escondido dos dois.O terror que sinto parece se intensificar a cada segundo. A escuridão é sufocante, e não deve ser nem metade do tormento que o rei deve estar passando agora. Se formos pegos a morte será um presente adorável. Não passo de uma marionete arrastada para um destino que não escolhi.—Vamos, Carina,— ela sussurra, como se suas palavras pudessem acalmar meu terror, apagar toda a desonra dos seus feitos. —É para o seu bem, quando tudo der certo as aulas ficarão mais fáceis, seu corpo ficará mais forte, e então não precisará reprimir nada.—Odeio os livros, sempre odiei, pelo menos os que ela me forçava decorar e repetir em voz alta, mas quando ela usa a palavra aulas com aquela nota de aborrecimento na voz todo meu corpo treme. Ouvi essa mentira
POV: Nathaniel, o príncipe herdeiroO festival de comemoração pelos cinquenta anos de paz estava em seu auge quando aconteceu a tragédia.Toda Silver Harbor estava reunida na praça principal, as ruas lotadas de carruagens decoradas com fitas.Papai, o alfa supremo, achou prudente suspender a queima de fogos e garantir que boa parte dos nossos guardas vigiassem o rio.Talvez por isso tenha demorado para ouvir o grito, da minha mãe e pai, e então da dama de companhia. Quem diria que a poderosa Alethea, a Lua do reino, acabasse ferida por uma cobra dentro de um cesta de pães doces. Após uma minuciosa investigação ninguém foi culpado pelo incidente. Silver Harbor é nossa maior cidade portuária fluvial, e cresceu para além dos muros de forma desordenada, invadindo extensas áreas antes ocupadas pelas florestas. Havia toda sorte de áspides e animais invadindo a área agora. A matilha responsável pela administração já estava lidando com isso, o governador, Alfa Raymond Silverbrook já tinha
POV: NathanielMinha ansiedade aumenta a cada minuto que passo esperando notícias sobre Carina. A mulher está aqui, tão perto, mas ainda inatingível. Sentir o cheiro de baunilha misturado ao sangue quase me fez enlouquecer, e ainda agora, quando penso nele, sinto meu pau endurecer de imediato. Designei um dos meus homens para tratá-la, pois não havia a menor possibilidade de um ritual como aquele ao qual ela foi submetida ser feito sem a autorização do alfa da cidade. Papai teve dificuldade com vários governadores ao longo dos anos, mas se for o que estou pensando é a primeira vez em décadas que um deles fere a nova litania e ousa reviver hábitos do velho mundo. Finalmente, meu curandeiro pessoal me chama, e eu me apresso para seguir até a direção indicada. Chego à sala onde Carina está sendo tratada, meu olhar se prende imediatamente em seu rosto abatido. Ela está pálida, há mais pele do que eu gostaria sendo exposta aos olhos dos outros.O curandeiro, Embry, e eu trocamos ol
POV: NathanielTrês meses.A anotação mais preocupante do diário a respeito do histórico de saúde de Carina tem uma observação sobre seu maior período de inconsciência ser de três meses.Os Starbane são orgulhosos, não é estranho manterem uma filha enfermiça e sangue-fraco em segredo, mas isso rivaliza com todas as informações que tenho coletado. Por que pais que odeiam um filho investiram tantos recursos nele? Há volumes de livros raros na torre, e tesouros de valor inestimável. A harpa, que a julgar pelos calos nas pontas dos dedos, Carina toca com frequência, é um deles. O instrumento musical tem a assinatura de Galileu, o melhor luthier¹ de Glacial Watch, arriscaria dizer o melhor de todo o reino. O valor de um instrumento fabricado na fronteira com as terras geladas do norte custa mais moedas de ouro do que uma boa casa.Salvo os mapas e alguns livros de história, um pouco desatualizados, o ambiente está cheio de itens da melhor qualidade. A educação e conforto dentro dos mur
POV: CarinaUma mão gentil acaricia meus cabelos. Despertar dói. Sinto tudo ao mesmo tempo e numa intensidade anormal.O gosto amargo na boca, a sensação de vazio no estômago, a dor nas articulações mas não o repuxar da pele característico da cicatrização. Devo ter dormido muito tempo. O mundo ao meu redor ainda é uma névoa, dedos gentis acariciam meus cabelos e me relaxam. Meu coração se aquece ao pensar que é ele, o homem bonito dos meus sonhos, aquele que se parece com os príncipes dos livros que leio.Ainda devo estar sonhando.Abro os olhos com esforço, esperando um vislumbre daquele rosto encantador. Mas o que vejo me faz recuar imediatamente. Não é ele e estou desperta. É minha mãe, Mira, acompanhada de uma garota estranha de expressão apática. O medo aperta meu peito, e meu corpo, ainda fraco pela doença, reage por instinto.—Ah, você finalmente acordou, Carina,— diz minha mãe, seu tom doce e falso, como sempre. —Estávamos preocupadas.—Sei que é mentira. Seu olhar nunca
POV: NathanielA água fria atinge minha pele assim que afundo na banheira localizada no centro do quarto.É menor do que a casa privada de banho que possuo no palácio, além de não ser naturalmente aquecida, mas é perfeita agora.Meu corpo se acalma aos poucos, e a tensão que nublava meu juízo se transforma num incômodo suportável.Preciso me acalmar, focar em outra coisa que não seja Carina.—Senhor, devo buscar água quente para seu banho?— A voz da criada interrompe meus pensamentos. Sem olhar para ela, respondo depressa, na esperança que saia logo.—Não, vá embora e feche a porta.—Ela hesita, e então ouço passos se aproximando. Rosno de frustração, antecipando o que acontecerá a seguir. A hospitalidade das cidades frias tem certa fama na capital, só não esperava experimentar isso hoje. Sinto suas mãos deslizando pelo meu ombro, o toque da ponta dos dedos é suave, mas a esponja que segura é áspera. Sua pele é morna, mas seu toque não funciona para mim.Ótimo.Toda a excitação se dis
POV: CarinaO quarto está um desastre, e ao virar o rosto para contemplar meu reflexo no espelho percebo que eu também. Devo ter passado a mão com a atadura, pois há resquícios de sangue na minha bochecha e queixo. Meu cabelo está desgrenhado, a camisola branca imunda. No entanto, o aperto firme em minha cintura me deixa mais calma. Não, é o cheiro, ele tem cheiro de terra molhada e menta. Ergo a face para encará-lo, feliz por não ser um delírio, mas o que vejo em sua írises rubras é um misto de pena, dúvida e medo. Ele acredita que estou louca?Afasto-me dele a contragosto,e cada fibra do meu corpo sente a perda do calor e segurança que tive em seus braços. A possibilidade dele achar que sou maluca só me deixa mais irritada. Minha mente luta para processar tudo, mas o pânico que senti quando as duas chegaram com a comida distorceu meus pensamentos e agi por instinto. Não, a frustração acumulada de anos explodiu. Até um rato acuado é capaz de morder, e tenho sido um rato acu