A Filha do Traidor Foi Escolhida Pelo Príncipe Lycan
A Filha do Traidor Foi Escolhida Pelo Príncipe Lycan
Por: Amara Lemos
1. Celestial Spire, a cidade dos profetas

POV: Carina

As garras dele traçam meu queixo sem rasgar a pele, Charles repete o movimento e para na parte do meio da garganta, então a ponta do dedo sobe, forçando meu queixo para cima.

Encontro seus olhos no mesmo tom violeta que os meus, o que é estranho, me lembro deles vermelhos.

Todos os alfas tem olhos vermelhos.

—Lembra da última lição?—

Nego, e ele sorri, posso ver as presas brancas brilhando, e então a mão se fecha em minha garganta antes de me puxar para sentar em seu colo.

Minhas costas estão pressionadas em seu peito, e ele aperta meu pescoço até interromper o fluxo de ar. Só para quando abro os olhos, encarando nossa imagem refletida no espelho.

—Nunca desvie o olhar, nós gostamos que mantenham os olhos fixos em nós quando transformamos coisinhas lindas como você numa bagunça.—

Obedeço assim que vejo para onde ele está olhando, o chicote com nós posicionado em cima da mesa. A mão dele desce pelo meu ventre ainda coberto pela chemise e um bolo se forma em meu estômago, quero vomitar.

—Abra as pernas. Você não vai ser lembrar, nunca se lembra, mas seu corpo sim. Não vai doer tanto se você parar de resistir, Carina. Por que torna as coisas mais difíceis?—

Eu não obedeço, por mais que algo em minha memória diga para não piorar as coisas e ser boa. Se eu for boa vai acabar depressa, acho. Ele afasta uma mecha do meu cabelo que cobre a lateral do meu pescoço, o polegar faz pequenos círculos ali, numa pequena veia onde ele consegue sentir minha pulsação.

—Linda.—

Sinto a língua rastejar naquele ponto, e a mão dele desce até o meio das minhas pernas e se fecha ali.

O enjoo vence e eu me curvo para frente, vomitando nos lençóis.

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A torre está mais silenciosa do que o normal.

Encaro minha cama e tenho a impressão de que algo está errado. Não me recordo de ter mudado as cobertas. 

Minhas costas  e garganta doem um pouco, também há um desconforto esquisito entre minhas pernas que Mira falou para ignorar. 

Nunca toco harpa quando meus pais ou irmão vem visitar, os primeiros estão aqui desde a aurora.

Mesmo sem visitas seria difícil fazer isso agora, meus pulsos doem onde as marcas de restrições estão por sumir, embora eu não me lembre de ter sido castigada recentemente.

Com o passar dos anos minha memória tem se tornado tão ruim.

O corvo só chega ao entardecer, e com ele meu último fio de esperança de que tudo desse errado. 

Há um breve momento caloroso quando mamãe vem até mim e me dá um doce, um pote de violetas cristalizadas, ela sempre trás na noite do meu nascimento, são meus favoritos.

Observo da janela o corvo pousar no parapeito.

Meu coração acelera. 

Há duas possibilidades.

A primeira: O plano dos meus pais deu certo e a rainha está morta.

A segunda: O plano dos meus pais falhou, e foi tudo um engano. 

Minha mãe, Mira, ainda está ao meu lado com uma expressão ansiosa gravada no rosto. Ela segura meu braço com uma força que não condiz com sua aparência delicada, que constantemente usa em combate para enganar seus opositores pelo que observo da janela.

Nós nos parecemos tanto, talvez por isso eu deteste encarar o espelho. Os mesmos olhos violeta, os mesmos cabelos escuros. 

Crator, meu pai, caminha depressa em direção ao corvo,  arrancando a carta enrolada na pata da ave.

Para nosso desespero ele lê em silêncio.

Os segundos se arrastam enquanto nós duas esperamos a resposta, embora estivéssemos torcendo por resultados diferentes.

Ele termina a leitura, ergue os olhos e um sorriso se espalha pelo seu rosto. O brilho rubro nos seus olhos confirma o que tanto esperávamos. 

Minhas pernas tremem, quero chorar, mas impeço as lágrimas queimando de cairem.

—O rei está devastado,— diz ele, sua voz grave ecoa pelo quarto.—A rainha está morta. Nosso plano funcionou.—

Odeio quando ele fala ‘nosso’, como se alguma vez tivesse escolha.

Sinto uma onda de emoções me invadir: pavor, asco, vergonha. 

Este é apenas o começo

Papai nunca esteve satisfeito em ser o alfa da Cidade-Estado Celestial Spire, ele queria o trono da capital do reino e ter as outras dez famílias se ajoelhando diante de nós. 

O nosso alfa supremo depois da unificação dividiu o território entre as dez matilhas, com a sua, onze. Cedeu o título de governador para o alfa de cada uma das cidades-estado com a condição de que todos se submeteriam a ele.

Papai permitiu ser ferido em combate para evitar refazer o juramento anual no último solstício. 

Agora, eles querem acabar com os cinquenta anos de paz porque não estão satisfeitos. 

Minha mãe solta meu braço e se aproxima de papai Crator, seus olhos brilham com uma determinação feroz. 

—E agora?— pergunto, minha voz soa mais firme do que eu esperava.

"Agora, enviamos você para a capital, não imediatamente, ou ficaria óbvio, o que é bom, pois precisamos de tempo para prepará-la, teremos mais aulas para que aprenda a manter a atenção do alfa em você. De preferência depois que outras famílias também tiverem enviado suas filhas." Ela tem tanta certeza de que meu rosto bonito e educação regrada são suficientes para encantar qualquer um, o que é engraçado, pois não recebo visitas, nem socializo com outras pessoas. Como eles esperam que eu seduza um homem experiente assim?

Minha cabeça doi quando ela fala em aulas, e uma sensação de enjoo embrulha meu estômago.

—O rei estará vulnerável. Este é o momento perfeito, faça como ensinei.—

Uma estação atrás minha prima sonhou com uma serpente picando a nossa rainha durante o festival anual para a pacificação, uma serpente com a cor roxa e prata, as mesmas cores do brasão da matilha Raven's Nest. 

Até onde todos sabiam, a melhor amiga  e dama de companhia da rainha era Ellara Ravenwood.

—A profecia que Luna nos enviou... nunca chegará aos ouvidos do rei.— Crator adiciona, sua expressão se torna  sombria ao relembrar o dia do assassinato da minha prima.

Mamãe não tem mais visões, ela dizia que desde o meu nascimento elas pararam, e por vezes me perguntava se era a razão de me manter presa durante todo esse tempo. 

Agora, tenho quase certeza de que Luna não fala através dela por ser má. 

Os dois viram minha prima crescer, comiam na mesma mesa que os pais dela, mas mamãe não hesitou em arrancar o coração da garota com as garras.  

—Foi um sacrifício necessário para nosso sucesso.—

Eu dou um passo para trás, como se o ato fosse suficiente para me fazer fugir das responsabilidades. Minha vida inteira me preparou para este momento, eu deveria estar pronta, mas a única coisa que sinto agora é vontade de correr. 

—Não quero fazer parte disso.— afirmo, olhando diretamente para meu pai. A semelhança dele conosco é assustadora,  a razão não é nenhum mistério, papai e mamãe são primos, embora distantes.

Crator coloca a mão pesada no meu ombro e por um segundo tenho esperança de que ele irá me consolar, mas um tapa seco atinge meu rosto e parte meu lábio.

O gosto de sangue invade minha boca e a dor suprime o enjoo, o que em si é bom.

—Levar o nome dos Starbane ao coração do poder é sua única missão. Engravide e a capital será sua, e com isso, o reino será nosso. Ou prefere apodrecer atrás das paredes dessa muralha ouvindo sussurros do céu?—

Cerro os punhos com tanta força que minhas unhas ferem a palma da minha mão.

O corvo que trouxe a mensagem salta do parapeito e desaparece pela janela aberta. Sinto inveja da ave, e de um jeito estranho me vejo nela, como se estivesse voando  rumo ao meu abatedouro. 

Talvez seja um sinal.

A rainha era boa.

O rei era bom, acho.

Não mereciam nada disso, então qual a razão? 

Luna não deveria iluminar os justos e usar seus servos para dilacerar os de coração podre?

—Prefiro apodrecer atrás desses muros. Gosto daqui.—

Minto.

Odeio os vestidos bonitos, a cama com dossel, os lençóis de seda, as joias desenhadas só para mim, e que ninguém vê.

Nunca saí do palacete. 

Eles riam contando como os moradores de Celestial Spire sussurram que meus pais me amam demais, então querem me manter protegida.

Também nunca tive uma dama de companhia sequer, e isso também foi atribuído ao zelo dos dois. 

Como ômega, me sentia inclinada a obedecê-los, mas conforme crescia, foi difícil lutar contra a voz dizendo que eles estavam errados, e tudo o que faziam era ruim.

Se eu morrer aqui dentro não haverá uma única alma para chorar minha morte, em contrapartida, hoje o reino inteiro chora a perda da rainha. 

O festival foi quinze dias atrás, então a notícia demorou para chegar.

Lutou pela vida? Sofreu? 

—Ela tem dezoito anos e ainda não mudou. Como vamos enviá-la para o palácio sem ter certeza?—

Mamãe me ignora e papai a segue.

Os dois não conseguem aceitar que talvez Luna nunca me conceda a sua dádiva e eu acabe me tornando o que os dois consideram insignificante, sangue fraco.

Se eu realmente fosse uma ômega e sangue fraco seria um golpe no orgulho dos dois. 

Pensar na possibilidade me assusta e diverte.

Os dois têm certeza que vou obedecer, eu sempre obedeço.

Ela caminha até o armário e apanha uma corda grossa, há pequenos ganchos de prata em toda a sua extensão.

A realização me atinge com a força de um soco.

Até uma idiota reclusa como eu conhece os rumores, há muitos livros sobre, e minha torre está cheia deles.

—O Rito do Despertar Prateado é uma lenda, não funciona. Não serei útil morta.—

Eles querem forçar minha primeira mudança usando um ritual bárbaro de histórias para assustar crianças. 

Meu coração afunda e recuo até minhas costas baterem na parede, mais especificamente na janela aberta da torre, a mesma por onde o corvo entrou e foi embora. 

—Você já não é útil para nós assim, e é sua escolha, filhinha. Acabou de dizer que prefere morrer atrás dessas paredes em vez de colaborar. Sorria, as suas preces foram atendidas. —

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