POV: Nathaniel
Três meses.
A anotação mais preocupante do diário a respeito do histórico de saúde de Carina tem uma observação sobre seu maior período de inconsciência ser de três meses.
Os Starbane são orgulhosos, não é estranho manterem uma filha enfermiça e sangue-fraco em segredo, mas isso rivaliza com todas as informações que tenho coletado.
Por que pais que odeiam um filho investiram tantos recursos nele?
Há volumes de livros raros na torre, e tesouros de valor inestimável. A harpa, que a julgar pelos calos nas pontas dos dedos, Carina toca com frequência, é um deles. O instrumento musical tem a assinatura de Galileu, o melhor luthier¹ de Glacial Watch, arriscaria dizer o melhor de todo o reino.
O valor de um instrumento fabricado na fronteira com as terras geladas do norte custa mais moedas de ouro do que uma boa casa.
Salvo os mapas e alguns livros de história, um pouco desatualizados, o ambiente está cheio de itens da melhor qualidade.
A educação e conforto dentro dos muros não foi preterida.
Massageio as têmporas.
Estou exausto.
Usar a voz em toda a criadagem humana e alguns poucos lycans me consumiu.
Não consegui nada deles, na verdade, foi esclarecedor.
Uma delas, a que servia a sacerdotisa morta, tinha o rosto marcado por ferro em brasa, e culpou a garota porta pelo incidente.
Colhi vários testemunhos pontuais sobre seu temperamento.
Irritada, exigente, cruel, louca.
Nenhum deles seria capaz de mentir, pois usei a voz para interrogá-los, e graças aos crimes do meu pai, a voz é mais poderosa na família real.
O que me deixou em alerta foi justamente que recebi o mesmo tipo de informação sobre o temperamento de Carina.
Irritada, exigente, cruel, louca.
Nenhum criado, humano ou lobo, sabe sobre um segundo filho dos Starbane, não existe.
—Alteza, o estado dela piorou.—
Deixo o caderno e os devaneios de lado para verificar pessoalmente.
Encontro Carina deitada na cama e sua mãe pressionando um tecido úmido em sua testa.
Sua pele pálida contrasta com os cabelos escuros espalhados pelo travesseiro. A febre queima seu corpo, as gotas de suor fazem o tecido fino da camisola aderir perfeitamente a cada curva.
O mais perturbador de tudo é o cheiro doce de baunilha, que supera e muito o característico cheiro rançoso de doença, com todos seus unguentos e secreções.
As feridas estão curando bem numa velocidade lenta para um lycan, e rápida para um humano.
É como se ela estivesse num meio termo entre as duas espécies.
O curandeiro real trabalha incessantemente, misturando poções e ervas, mas não posso deixar de me sentir inútil aqui.
—Eu vou cuidar dela.— declaro, meu tom não permite qualquer objeção.
Não quero a mãe ou o pai sozinhos com a garota quando acordar.
Os dois podem instruí-la a depor de modo que não os incrimine, e meu pai foi categórico ao dizer para reunir o máximo de dados sobre a administração da cidade durante minha estadia.
Nada.
Não encontrei nada.
Eles não desviam os fundos enviados para a capital.
Possuem a melhor escola administrada pelo templo de Luna que já vi, isso se considerar o número de vagas.
Há um hospital com curandeiros que atendem lycans e humanos que tiveram permissão para viver entre nós.
O povo os ama, são conhecidos pela benevolência.
Estou perdendo algo.
Quero ouvir da boca dela a respeito do que aconteceu e a razão dos Starbane terem escolhido matar seu único membro que recebia visões de Luna em vez de tratá-la.
Pego um pano frio e coloco sobre a testa dela, sentindo o calor intenso que emana de sua pele. Meus dedos tremem ligeiramente ao tocar sua pele, uma mistura de medo e desejo. Nunca me senti assim por ninguém, e odeio a sensação.
Ela murmura algo incoerente, os olhos movendo-se sob as pálpebras fechadas.
Meu coração aperta ao vê-la assim, tão frágil.
—Vai ficar tudo bem, Carina,— murmuro, mais para mim do que para ela.
Ela se agita, seus lábios se movem. De repente, seus olhos se abrem, focando em mim. São de um violeta profundo, uma cor que me atrai e me perturba ao mesmo tempo.
—Eu morri e estou no céu?— ela sussurra, a voz rouca e fraca.
Sorrio, uma mistura de alívio e ternura me inundando. —Ainda não.—
Seus olhos se fecham novamente, um suspiro escapa de seus lábios.
O corpo se ergue com dificuldade, entendo isso como um pedido de ajuda para sentar na cama e ajudo, puxando-a para acomodar suas costas na cabeceira.
Os braços dela me seguram quando tento me afastar, o nariz afunda na curva do meu pescoço e ela inala.
Seu ato imprudente arranca de mim um rosnado de frustração, pois meu pau reage de imediato.
—Seu cheiro é tão bom.—
Fecho os olhos, a boca dela resvala ali, na pele descoberta e cada pelo do meu corpo se arrepia. As garras saem, furando o tecido da camisola e então eu reúno o pouco que resta do meu autocontrole para afastá-la.
—Está delirando de febre, não sabe o que está fazendo.—
Ando com dificuldade até a bacia para molhar o pano.
Se essa garota não me matar até o fim da noite com certeza minhas bolas vão.
Continuo a trocar o pano até notar que a temperatura baixou.
Cada toque me deixa mais consciente de sua presença.
Atração.
É isso que sinto, uma força que me puxa para ela. Meu lobo ruge para reivindicá-la, e eu farei, quando seu corpo estiver bom o suficiente e sua voz for mais do que um sussurro.
As horas passam lentamente.
O curandeiro vem e vai, mas eu não saio do lado dela, nem mesmo quando seus pais aparecem de novo para revezar.
Sinto-me aliviado quando perto do amanhecer posso ficar a sós com ela.
Carina se agita novamente depois de ter adormecido um pouco.
—Você... você é real?—
—Sim.—
Ela sorri, um pequeno sorriso que faz meu coração bater mais rápido.
Mesmo doente, ela tem uma beleza que me hipnotiza.
Quero ver esse sorriso de novo.
—Que pena, se fosse um sonho poderíamos nos divertir um pouco.— os dedos finos alcançam minha mão apoiada na cama. —Seu corpo é quente e estou com frio.—
Ela adormece novamente e sou abandonado ao azar com toda minha frustração causada pela onda de desejo que aos poucos começa a me consumir.
Não posso, não ainda.
Engulo em seco e me levanto.
Por mais que deteste, preciso de um banho frio.
Mira bloqueia minha saída e me sinto tentado a arrancar a verdade dela usando a voz, mas é um limite que não posso cruzar. Ela é a esposa do Alfa de Celestial Spire, e com o título vem o benefício.
O único com autoridade para usar a voz nos dois é meu pai, e ele está na capital.
Teria vindo pessoalmente, mas seu estado não permitiu.
—Alteza, a criada dela precisa entrar. Temos permissão?—
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¹luthier: aquele que fabrica e conserta instrumentos musicais.
POV: CarinaUma mão gentil acaricia meus cabelos. Despertar dói. Sinto tudo ao mesmo tempo e numa intensidade anormal.O gosto amargo na boca, a sensação de vazio no estômago, a dor nas articulações mas não o repuxar da pele característico da cicatrização. Devo ter dormido muito tempo. O mundo ao meu redor ainda é uma névoa, dedos gentis acariciam meus cabelos e me relaxam. Meu coração se aquece ao pensar que é ele, o homem bonito dos meus sonhos, aquele que se parece com os príncipes dos livros que leio.Ainda devo estar sonhando.Abro os olhos com esforço, esperando um vislumbre daquele rosto encantador. Mas o que vejo me faz recuar imediatamente. Não é ele e estou desperta. É minha mãe, Mira, acompanhada de uma garota estranha de expressão apática. O medo aperta meu peito, e meu corpo, ainda fraco pela doença, reage por instinto.—Ah, você finalmente acordou, Carina,— diz minha mãe, seu tom doce e falso, como sempre. —Estávamos preocupadas.—Sei que é mentira. Seu olhar nunca
POV: NathanielA água fria atinge minha pele assim que afundo na banheira localizada no centro do quarto.É menor do que a casa privada de banho que possuo no palácio, além de não ser naturalmente aquecida, mas é perfeita agora.Meu corpo se acalma aos poucos, e a tensão que nublava meu juízo se transforma num incômodo suportável.Preciso me acalmar, focar em outra coisa que não seja Carina.—Senhor, devo buscar água quente para seu banho?— A voz da criada interrompe meus pensamentos. Sem olhar para ela, respondo depressa, na esperança que saia logo.—Não, vá embora e feche a porta.—Ela hesita, e então ouço passos se aproximando. Rosno de frustração, antecipando o que acontecerá a seguir. A hospitalidade das cidades frias tem certa fama na capital, só não esperava experimentar isso hoje. Sinto suas mãos deslizando pelo meu ombro, o toque da ponta dos dedos é suave, mas a esponja que segura é áspera. Sua pele é morna, mas seu toque não funciona para mim.Ótimo.Toda a excitação se dis
POV: CarinaO quarto está um desastre, e ao virar o rosto para contemplar meu reflexo no espelho percebo que eu também. Devo ter passado a mão com a atadura, pois há resquícios de sangue na minha bochecha e queixo. Meu cabelo está desgrenhado, a camisola branca imunda. No entanto, o aperto firme em minha cintura me deixa mais calma. Não, é o cheiro, ele tem cheiro de terra molhada e menta. Ergo a face para encará-lo, feliz por não ser um delírio, mas o que vejo em sua írises rubras é um misto de pena, dúvida e medo. Ele acredita que estou louca?Afasto-me dele a contragosto,e cada fibra do meu corpo sente a perda do calor e segurança que tive em seus braços. A possibilidade dele achar que sou maluca só me deixa mais irritada. Minha mente luta para processar tudo, mas o pânico que senti quando as duas chegaram com a comida distorceu meus pensamentos e agi por instinto. Não, a frustração acumulada de anos explodiu. Até um rato acuado é capaz de morder, e tenho sido um rato acu
POV: NathanielAbandonamos o quarto revirado assim que Carina adormeceu após tomar uma poção de valeriana. Não o fez de bom grado, dois guardas tiveram que segurá-la. Achei prudente não fazer isso pessoalmente para evitar adicionar mais uma ação na lista de animosidades entre nós, considerando que tínhamos uma longa viagem a fazer.O aspecto era de uma pessoa perturbada, perdida em meio a um frenesi de paranoia e medo. A dúvida cresce e se instala dentro de mim. As anotações falavam exatamente o que os rumores sobre a loucura dos Starbane. Mas é a verdade? Ou tudo isso é apenas um rumor que ganhou força com o tempo?Resolvi acompar Mira até o quarto, a garota interrogada ficou para organizar o quarto. Durante a caminhada silenciosa, minha mente era uma miríade de pensamentos conflitantes. É assustador observar agora quão semelhantes são as duas. A beleza exótica de Carina reflete a graça de sua mãe.Talvez eu estivesse deixando minha atração pela mulher e o fato do meu corpo r
POV: CarinaNão consigo acreditar no cinismo dos meus pais, mais especificamente na minha mãe, pois meu pai desapareceu desde que saiu para resolver sabe-se lá o quê.A forma como eles mentem, a maneira como tentam me fazer acreditar que sou louca deixa a situação ainda mais insana. Passada a noite, duvido que tenha sido coincidência a comida ser exatamente da mesma cor que o veneno da história, ela sabia quais cordas puxar para me tirar do controle.Charles existe, eu tenho certeza disso. Também tenho certeza que nunca vi a garota responsável por arrumar meu quarto na vida, entretanto, todos dizem ser minha criada.Maldição.Meu estômago ronca, meus lábios estão rachados, mas não me atrevo a beber nem comer nada aqui. As velas ou os incensários também seguem apagados.Permaneço sentada em meu quarto, esperando o forasteiro de cabelos loiros e olhos rubros. Sei que ele vem para me levar como refém, só preciso aguentar mais um pouco.É uma boa oportunidade de fuga, minha melhor chanc
POV: CarinaNathaniel inclina o rosto para baixo, seus olhos rubros fixos nos meus. Meu coração b**e descompassado, e sinto como se todo o ar tivesse sido roubado da carruagem, a expectativa não me deixa respirar. A carruagem balança, e nossos joelhos se tocam, enviando uma corrente elétrica pelo meu corpo. O olhar de Nathaniel não vacila, e a consciência de que estamos tão próximos me faz tremer. Seu nariz toca o meu, uma carícia leve que faz meu corpo inteiro se aquecer. O calor é irresistível, uma chama que me consome. Quando seus lábios roçam os meus, é como se um feitiço fosse lançado. Algo morno floresce em meu ventre e se espalha. Toda a minha resistência se desfaz, quero implorar pelo beijo, mas o que ele faz a seguir me faz vacilar. Entendi mal? Ele não quer? A mão de Nathaniel se move para a parte de trás do meu pescoço. O polegar dele acaricia minha marca, deixando meu corpo e mente ainda mais confusos Meus olhos se fecham, esperando o beijo.Mas então, tudo muda. Os d
POV: NathanielO maldito vestido que ela usou para abandonar a torre era perfeito, ao menos parecia, com cada centímetro do tecido púrpura aderido ao seu corpo. Assim, sentados de frente um para o outro eu podia ver o pingente ametista do colar desaparecendo no decote. Os cabelos escuros caídos de modo ordenado nos ombros estreitos completavam a pintura. Tão linda, linda e minha.Decidi na noite passada que não me importo tanto com a verdade, o resultado será o mesmo. Louca, má ou vítima do destino, vou mantê-la, apesar de não saber ao certo como. Tenho um castelo inteiro a minha disposição, todas as paredes e portas são grossas o bastante para aguentar os ataques de fúria de dessa mulher.Quero puxá-la agora, saquear seus lábios e comprimir os seios em meu peito até que a garota esteja suspirando em minha boca, sentindo a mesma necessidade devastadora que me atordoa. Meu pau está duro, e eu ainda não a beijei, mas estava tão perto. Fecho os olhos, ao abri-los vejo de relance uma
POV: NathanielEstou exausto, meu corpo clama por descanso, mas minha mente se recusa a ceder. Chegamos na torre de vigia depressa, e só ali pude avaliar ao certo que a situação era mais grave do que parecia.Carina permanecia deitada na cama do quarto que foi reservado para mim na torre de vigia.O plano inicial envolvia uma passagem rápida, pararíamos para o almoço, um banho e então continuaríamos viagem. A pouca luz que entra pela janela destaca seu rosto pálido. Ela parece tão pequena e vulnerável.A porta range suavemente quando abro para que outra pessoa entre. O curandeiro, um homem com olhos afiados e mãos firmes, me lança um olhar preocupado. —Ela está desidratada e desnutrida, Nathaniel. Parece que piorou após acordar, recordo-me de examiná-la na época, era grave, mas não tanto. Vai levar tempo para se recuperar completamente. Precisa de repouso e cuidados constantes. Garanta que coma, não é incomum que as pessoas parem de se alimentar depois de um choque. Assinto, meu