6. Perfeita e minha

POV: Nathaniel

Três meses.

A anotação mais preocupante do diário a respeito do histórico de saúde de Carina tem uma observação sobre seu maior período de inconsciência ser de três meses.

Os Starbane são orgulhosos, não é estranho manterem uma filha enfermiça e sangue-fraco em segredo, mas isso rivaliza com todas as informações que tenho coletado. 

Por que pais que odeiam um filho investiram tantos recursos nele? 

Há volumes de livros raros na torre, e tesouros de valor inestimável. A harpa, que a julgar pelos calos nas pontas dos dedos, Carina toca com frequência, é um deles. O instrumento musical tem a assinatura de Galileu, o melhor luthier¹ de Glacial Watch, arriscaria dizer o melhor de todo o reino. 

O valor de um instrumento fabricado na fronteira com as terras geladas do norte custa mais moedas de ouro do que uma boa casa.

Salvo os mapas e alguns livros de história, um pouco desatualizados,  o ambiente está cheio de itens da melhor qualidade. 

A educação e conforto dentro dos muros não foi preterida. 

Massageio as têmporas.

Estou exausto.

Usar a voz em toda a criadagem humana e alguns poucos lycans me consumiu. 

Não consegui nada  deles, na verdade, foi esclarecedor.

Uma delas, a que servia a sacerdotisa morta, tinha o rosto marcado por ferro em brasa, e culpou a garota porta pelo incidente.

Colhi vários testemunhos pontuais sobre seu temperamento.

Irritada, exigente, cruel, louca.

Nenhum deles seria capaz de mentir, pois usei a voz para interrogá-los, e graças aos crimes do meu pai, a voz é mais poderosa na família real. 

O que me deixou em alerta foi justamente que recebi o mesmo tipo de informação sobre o temperamento de Carina.

Irritada, exigente, cruel, louca.

Nenhum criado, humano ou lobo, sabe sobre um segundo filho dos Starbane, não existe.

Alteza, o estado dela piorou.

Deixo o caderno e os devaneios de lado para verificar pessoalmente.

Encontro Carina deitada na cama e sua mãe pressionando um tecido úmido em sua testa. 

Sua pele pálida contrasta  com os cabelos escuros espalhados pelo travesseiro. A febre queima seu corpo, as gotas de suor fazem o tecido fino da camisola aderir perfeitamente a cada curva.  

O mais perturbador de tudo é o cheiro doce de baunilha, que supera e muito o característico cheiro rançoso de doença, com todos seus unguentos e secreções. 

As feridas estão curando bem numa velocidade lenta para um lycan, e rápida para um humano.

É como se ela estivesse num meio termo entre as duas espécies.

O curandeiro real trabalha incessantemente, misturando poções e ervas, mas não posso deixar de me sentir inútil aqui. 

Eu vou cuidar dela. declaro, meu tom não permite qualquer objeção.  

Não quero a mãe ou o pai sozinhos com a garota quando acordar. 

Os dois podem instruí-la a depor de modo que não os incrimine, e meu pai foi categórico ao dizer para reunir o máximo de dados sobre a administração da cidade durante minha estadia.

Nada.

Não encontrei nada.

Eles não desviam os fundos enviados para a capital.

Possuem a melhor escola administrada pelo templo de Luna que já vi, isso se considerar o número de vagas. 

Há um hospital com curandeiros que atendem lycans e humanos que tiveram permissão para viver entre nós. 

O povo os ama, são conhecidos pela benevolência.

Estou perdendo algo.

Quero ouvir da boca dela a respeito do que aconteceu e a razão dos Starbane terem escolhido matar seu único membro que recebia visões de Luna em vez de tratá-la.

Pego um pano frio e coloco sobre a testa dela, sentindo o calor intenso que emana de sua pele. Meus dedos tremem ligeiramente ao tocar sua pele, uma mistura de medo e desejo. Nunca me senti assim por ninguém, e odeio a sensação. 

Ela murmura algo incoerente, os olhos movendo-se sob as pálpebras fechadas. 

Meu coração aperta ao vê-la assim, tão frágil.

Vai ficar tudo bem, Carina,murmuro, mais para mim do que para ela.

Ela se agita, seus lábios se movem. De repente, seus olhos se abrem, focando em mim. São de um violeta profundo, uma cor que me atrai e me perturba ao mesmo tempo.

Eu morri e estou no céu? ela sussurra, a voz rouca e fraca.

Sorrio, uma mistura de alívio e ternura me inundando. Ainda não.

Seus olhos se fecham novamente, um suspiro escapa de seus lábios.

O corpo se ergue com dificuldade, entendo isso como um pedido de ajuda para sentar na cama e ajudo, puxando-a para acomodar suas costas na cabeceira.

Os braços dela me seguram quando tento me afastar, o nariz afunda na curva do meu pescoço e ela inala.

Seu ato imprudente arranca de mim um rosnado de frustração, pois meu pau reage de imediato.

—Seu cheiro  é tão bom.

Fecho os olhos, a boca dela resvala ali, na pele descoberta e cada pelo do meu corpo se arrepia. As garras saem, furando o tecido da camisola e então eu reúno o pouco que resta do meu autocontrole para afastá-la.

—Está delirando de febre, não sabe o que está fazendo.

Ando com dificuldade até a bacia para molhar o pano.

Se essa garota não me matar até o fim da noite com certeza minhas bolas vão. 

Continuo a trocar o  pano até notar que a temperatura baixou.

Cada toque me deixa mais consciente de sua presença.

Atração. 

É isso que sinto, uma força que me puxa para ela. Meu lobo ruge para reivindicá-la, e eu farei, quando seu corpo estiver bom o suficiente e sua voz for mais do que um sussurro.

As horas passam lentamente. 

O curandeiro vem e vai, mas eu não saio do lado dela, nem mesmo quando seus pais aparecem de novo para revezar. 

Sinto-me aliviado quando perto do amanhecer posso ficar a sós com ela. 

Carina se agita novamente depois de ter adormecido um pouco.

Você... você é real?

Sim.

Ela sorri, um pequeno sorriso que faz meu coração bater mais rápido. 

Mesmo doente, ela tem uma beleza que me hipnotiza. 

Quero ver esse sorriso de novo.

Que pena, se fosse um sonho poderíamos nos divertir um pouco. os dedos finos alcançam minha mão apoiada na cama. Seu corpo é quente e estou com frio.

Ela adormece novamente e sou abandonado ao azar com toda minha frustração causada pela onda de desejo que aos poucos começa a me consumir.

Não posso, não ainda.

 Engulo em seco e me levanto. 

Por mais que deteste, preciso de um banho frio.

Mira bloqueia minha saída e me sinto tentado a arrancar a verdade dela usando a voz, mas é um limite que não posso cruzar. Ela é a esposa do Alfa de Celestial Spire, e com o título vem o benefício. 

O único com autoridade para usar a voz nos dois é meu pai, e ele está na capital. 

Teria vindo pessoalmente, mas seu estado não permitiu.

Alteza, a criada dela precisa entrar. Temos permissão?

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¹luthier: aquele que fabrica e conserta instrumentos musicais.

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