5. É ela

POV: Nathaniel

Minha ansiedade aumenta a cada minuto que passo esperando notícias sobre Carina. 

A mulher está aqui, tão perto, mas ainda inatingível. Sentir o cheiro de baunilha misturado ao sangue quase me fez enlouquecer, e ainda agora, quando penso nele, sinto meu pau endurecer de imediato. 

Designei um dos meus homens para tratá-la, pois não havia a menor possibilidade de um ritual como aquele ao qual ela foi submetida ser feito sem a autorização do alfa da cidade. 

Papai teve dificuldade com vários governadores ao longo dos anos, mas se for o que estou pensando é a primeira vez em décadas que um deles fere a nova litania e ousa reviver hábitos do velho mundo. 

Finalmente, meu curandeiro pessoal me chama, e eu me apresso para seguir até a direção indicada. 

Chego à sala onde Carina está sendo tratada,  meu olhar se prende imediatamente em seu rosto abatido.

Ela está pálida,  há mais pele do que eu gostaria sendo exposta aos olhos dos outros.

O curandeiro, Embry, e eu trocamos olhares, ele faz um gesto coçando a nuca e eu confirmo. 

Este homem cuida de mim desde que sou um menino e aprendi a manejar uma espada,  é um dos poucos que conhece minha marca de nascença.

As lacerações das garras foram costuradas, mas as mordidas não, o que é bom, pois mordidas de cães e lobos infeccionam mais se as costuram.  

O cheiro de ervas medicinais está por toda parte, ervas medicinais, sangue e um toque de baunilha, o cheiro dela é tão doce que me atordoa.

—Carina, chamo suavemente, aproximando-me. O que aconteceu? Como está se sentindo?

Seus olhos encontram  os meus, e por um momento, vejo a confusão e a angústia refletidas neles. 

Carina só fala ao ver os estandartes da famíla real.

Foi o Despertar Prateado, responde, sua voz um sussurro frágil.Meus pais... eles disseram que era para despertar minha força, mas foi terrível. Onde está meu irmão? Não o deixe subir, por favor.

Minhas dúvidas se confirmam.

Como alguém poderia fazer algo tão cruel com a própria filha? Mas então, antes que eu possa dizer mais alguma coisa, os presentes na sala começam a murmurar entre si, seus olhares se voltando para Carina.

Carina, você  não tem irmão, alguém diz, com uma nota de perplexidade na voz.

Essas palavras se instalam na minha mente, e um frio sobe  pela minha espinha.

Há um rumor maldoso sobre os Starbane, todos eles. 

Um rumor que após a paficicação foi usado para tentar tirá-los da administração de Celestial Spire, mas logo foi suprimido.

Loucura.

Eles passaram séculos praticando casamentos consanguíneos, o que ocasionou a nascimentos problemáticos e aumento dos casos de infertilidade na matilha. Razão pela qual não é mais permitido que casamentos sejam feitos entre lobos com o mesmo sobrenome. 

Os pais dela são primos distantes, se bem me lembro, graças a isso o impedimento não foi considerado válido e a união celebrada.

Alteza, podemos ter com vossa graça em particular?

Os pais dela me chamam e eu  confirmo com um aceno.

Caminhamos os três para o salão principal, agora vazio.

“Nós fizemos o Ritual do Despertar prateado, mas foi por medo. Carina,  a mente dela não está bem,  nunca esteve. Tentamos manter tudo sob controle criando-a da melhor forma possível escondida de todos, mas ainda não era suficiente. Ela adoece muito, o Ritual do Despertar Prateado era nossa última esperança. Como sabe, nossa família não é fértil, é minha única filha, talvez a única que terei.”

Mira está de joelhos, prostrada aos meus pés.

A pele imaculada, pálida, cabelos escuros e olhos violeta lembram tanto a filha, ainda assim enquanto uma me causa o desejo de possuir, proteger, a outra causa repulsa.

Meu lobo diz que não posso confiar nela. 

É verdade que a transformação nos deixa mais fortes.

Se Carina tivesse se transformado, cada laceração em seu corpo desapareceria sem deixar cicatriz.

Todas as marcas deixadas pelo treinamento que tive sumiram, é uma dádiva da primeira mudança. 

Doenças que frequentemente matam humanos também não são um problema para nós. 

É proibido.

Nós sabemos, e estamos dispostos a aceitar o castigo. Só tenha em mente que foi por desespero, nós a amamos, mas não achamos que seu corpo fraco sobreviverá a mais dois invernos. Há um registro médico detalhado que mantivemos ao longo dos anos. Leia.

O alfa Crator diz, num tom mais subserviente que sua natureza permite ser. 

Um criado humano aparece, trazendo consigo um livro de capa de couro grossa e desgastada.

Deixo os dois, indo até o quarto de hóspedes designado para escrever uma carta para meu pai e examinar o diário.

As páginas são velhas, a costura está comprometida, a tinta varia de cor e é visível que não é recente.

Febres.

Desnutrição.

Paranoia. 

Longos períodos de inconsciência seguidos de insônia.

Há também uma suspeita levantada após a data que deve ter sido o início e meio da puberdade sobre ela ser uma sangue-fraco. 

Os dias  se arrastam enquanto aguardo notícias sobre a recuperação de Carina.

Minha mente está constantemente inquieta, preocupada com seu estado.

Também dedico meu tempo a investigar os Starbane.

Mira não tem mais visões desde o nascimento de sua única filha. 

A sacerdotisa mais jovem enlouqueceu durante uma cerimônia, forçando-os a contê-la.

O testemunho de vários humanos corroborou com a versão dos nobres.

Ao observar de perto como os pais de Carina a tratam, percebo que ela é verdadeiramente um tesouro para eles. Eles cuidam da garota pessoalmente, como se fosse a coisa mais preciosa do mundo. 

Seu quarto é um reflexo disso, repleto de itens de alta qualidade, desde joias deslumbrantes até móveis luxuosos e livros raros. 

É evidente que os Starbane estão determinados a proteger e mimar sua filha, mesmo que suas ações tenham sido questionáveis.

Uma carta do meu pai chega, trazendo consigo novas instruções. 

Ele sugere que eu tome Carina como refém e a traga para a capital assim que os inspetores chegarem.

Não deve ter se recuperado ainda, ou a ordem seria para arrastar Crator até a capital, onde ele lidaria com o problema em poucos minutos. 

É uma estratégia astuta, destinada a manter os Starbane sob controle durante a vistoria e garantir que não haja surpresas desagradáveis.

Ainda assim, enquanto leio as palavras de meu pai, uma mistura de emoções me domina. 

Eu deveria contar logo sobre a marca.

Eu deveria contar sobre como o cheiro dela quase me enlouquece.

Eu deveria contar que morrerei, se não possuí-la.

O mais importante, eu deveria contar que ela é minha, mas desisto no último minuto, pois sei dos riscos que  a escolha implica.

A viagem é longa, se qualquer inimigo souber o quanto a garota é importante para mim, o risco será maior.

Falarei com meu pai pessoalmente ao chegarmos.

O pensamento de usar Carina como um peão em nossos jogos políticos me perturba profundamente. 

Vê-la  lutar pela vida, seu corpo frágil e indefeso duelando contra os efeitos do Despertar Prateado também me destroça. 

Quase um mês se passou desde que a encontrei na floresta, e ela permanece inconsciente, presa em um sono perturbado. 

Isso corrobora com as anotações do diário que li e reli várias vezes.

Solicitei uma audiência com os pais para comunicar a decisão do Alfa Supremo, e foi concedida depressa.

Os olhares de Mira e Alfa Crator alternam entre preocupação e desespero.

Meu lobo ainda não confia neles, mas o povo de Celestial Spire sim. 

Mira, vocês violaram o édito, acharam que nada aconteceria? A expressão desolada e submissa em nada combinam com a frieza de uma mãe que enviou sua própria filha para um ritual sangrento. 

Suas lágrimas não me comovem, irritam. 

Mas ela é tão frágil, Nathaniel. Não vai suportar a viagem,responde Mira, com os olhos marejados.

Ao meu lado, Crator permanece em silêncio.

Enviamos três corvos sobre  profecia, três, talvez tenham sido abatidos. Há rogues fora dos muros fazendo isso por diversão, tenho homens tentando lidar com eles, mas não é fácil. Você promete que vai protegê-la?

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