4. O príncipe herdeiro

POV: Nathaniel, o príncipe herdeiro

O festival de comemoração pelos cinquenta anos de paz estava em seu auge quando aconteceu a tragédia.

Toda Silver Harbor estava reunida na praça principal, as ruas lotadas de carruagens decoradas com fitas.

Papai, o alfa supremo, achou prudente suspender a queima de fogos e garantir que boa parte dos nossos guardas vigiassem o rio.

Talvez por isso tenha demorado para ouvir o grito, da minha mãe e pai, e então da dama de companhia. 

Quem diria que a poderosa Alethea, a Lua do reino, acabasse ferida por uma cobra dentro de um cesta de pães doces. 

Após uma minuciosa investigação ninguém foi culpado pelo incidente.

Silver Harbor é nossa maior cidade portuária fluvial, e cresceu para além dos muros de forma desordenada, invadindo extensas áreas antes ocupadas pelas florestas. Havia toda sorte de áspides e animais invadindo a área agora. 

A matilha responsável pela administração já estava lidando com isso, o governador, Alfa Raymond Silverbrook já tinha tomado medidas para impedir que as famílias invadissem mais a floresta, mas todas as medidas só dariam resultados a médio e longo prazo. 

O gosto amargo na boca e o bolo na garganta não desapareceu ainda. 

Mamãe é a loba mais forte que conheço, mas um animal tão pequeno foi capaz de derrubá-la.

A sensação de todo treinamento ter sido inútil, pois sequer fui capaz de proteger minha mãe de uma cobra, não desaparece.

Papai ordenou que fosse o quanto antes até os Starbane, eles eram conhecidos como os profetas de Luna, os nascidos debaixo da lua mais sombria de todas. Um acontecimento dessa magnitude não ficaria de fora das previsões. 

Uma cobra no cesto de comida, como algo tão bobo foi acontecer? 

A maior parte do trajeto realizamos de barco, só quando o braço de rio minguou recorremos aos cavalos, o que encurtou a viagem. 

A picada de cobra na minha mãe não pode ser uma simples coincidência. 

Nos dias que antecederam o casamento, houve uma profecia de que o reinado deles seria longo e repleto de frutos, no entanto, eu sou o único filho vivo, e o reinado do meu pai só data cinquenta anos. Nada para nosso tempo de vida. 

Papai ainda se parece com um humano nobre na faixa dos trinta e cinco. 

Enquanto cavalgo pelo bosque, um movimento súbito entre as árvores chama minha atenção. 

Puxo as rédeas, parando meu cavalo, e observo com cautela.

 A visão de uma garota correndo desesperadamente me faz saltar do cavalo.

Fecho os olhos, ordenando que os lobos perseguindo a menina parem, e eles obedecem com alguma resistência, sinal de que havia outro ordenando que iniciassem a caçada. 

Ei, espere! Eu grito, mas ela continua a correr, seus passos rápidos e descoordenados. Algo nela me atrai, uma sensação que não consigo ignorar.  

Vejo a garota tropeçar e cair.

Corro até ela, ajoelhando-me para verificar a bagunça sangrenta que era. 

Antes de desmaiar, vi que eeus olhos são de um violeta profundo.

Você está segura agora, eu digo, tentando acalmar seu medo, sem saber ao certo onde segurá-la, pois cada centímetro do seu corpo está coberta de mordidas e arranhões. 

É então que noto a marca na parte de trás de seu pescoço, parcialmente escondida por seus cabelos escuros.

Uma lua crescente, é idêntica à minha. 

Meu coração acelera, e o sussurro familiar que reconheço como a voz do meu lobo rasteja pela minha mente: minha. 

Quem é você?

Pergunto, ela treme, mas não responde. Há algo em seus olhos, algo que me faz querer protegê-la a todo custo.

Sem pensar duas vezes, a coloco no meu cavalo. 

O resto dos meus homens me acompanha em seguida, um deles mostra a uma corda ensanguentada com pequenos pinos de prata. 

Fecho os olhos, sabendo o que isso significa, uma violação a nova litania imposta pelo meu pai. 

Tudo isso será investigado quando atravessarmos os portões da cidade. 

Desde que era menino, tenho sonhos recorrentes com uma garota de pele pálida, cabelos escuros como a noite e olhos violetas.

A primeira vez que sonhei com ela, eu devia ter uns oito anos. 

Acordei ofegante, meu coração batendo rápido, com a imagem dela gravada na minha mente. 

Mesmo naquela idade, eu sabia que havia algo especial.

Nos sonhos, sempre estamos na floresta. 

Hoje, pouco mais de uma década depois, a garota está nos meus braços.

Seu olhar é sempre o mesmo em meus sonhos: cheio de uma tristeza avassaladora, como se ela estivesse destinada ao sofrimento eterno.

Eu sinto uma necessidade desesperada de alcançá-la, de confortá-la, de tirá-la daquele lugar. Mas sempre, sempre há algo que me impede e nunca a alcanço.

A angústia que sinto é insuportável. 

Toda vez, o sonho termina da mesma forma. A névoa se torna tão densa que não posso mais vê-la, e seu rosto se dissolve na bruma.

Esses sonhos me perseguem, e com o passar dos anos, tornaram-se mais frequentes, mais intensos. Comecei a esperar por eles, a antecipar a próxima vez que a veria.

Sempre me perguntei quem é essa garota dos meus sonhos e por que não posso salvá-la., mas hoje, a tenho em meus braços e ela está morrendo.

Eu a seguro firme contra o meu peito, o sangue quente ensopando minha camisa me desespera e o cavalo trota em direção aos portões de Celestial Spire. 

A garota está desacordada, sua respiração é irregular e há uma tensão em seus músculos que não desaparece.  

Ao nos aproximarmos dos portões, vejo figuras ansiosas aguardando.  

Crator e Mira Starbane, estão ali, suas expressões marcadas por uma preocupação que parece  genuína. Mas há algo nos olhos deles, algo que me faz duvidar.  

Crator dá um passo à frente, sua postura rígida, mas há uma leve trepidação em sua voz.

Príncipe Nathaniel, ele começa, com um tom que tenta ser respeitoso, mas carrega uma nota de ansiedade. "Estamos imensamente gratos por ter encontrado nossa filha. Estávamos desesperados à sua procura, mas a chegada da comitiva real nos distraiu, eu… eu perdi o controle dos lobos por um segundo."

Eu desço do cavalo com cuidado, segurando o corpo frágil contra o meu.

Claro, digo, mantendo minha voz fria e controlada. "Imagino que estejam preocupados. No entanto, encontrei-a sozinha na floresta, cercada por lobos e havia uma corda com prata na trilha. Não é um lugar seguro para uma jovem."

Mira dá um passo à frente, suas mãos entrelaçadas com nervosismo.

Ela  é um tanto incomum, alteza. Tentamos mantê-la protegida, mas não foi o suficiente.

Meus olhos percorrem rapidamente as figuras deles, notando detalhes que eles parecem querer esconder. As botas de Crator e Mira estão sujas de lama fresca, um detalhe pequeno, mas revelador. Algo não está certo, e minha intuição me diz para cavar mais fundo.

Interessante,digo, ajustando Carina em meus braços. Vocês têm alguma explicação para suas botas estarem cobertas de lama? Imagino que estavam buscando por ela em áreas bem específicas da floresta. Os lobos que a perseguiram também estavam sob influência de um alfa, quase não pude romper a resistência. Sabem que cometeram uma violação ao édito real, certo? Realizar o Ritual do Despertar Prateado é proibido pelo reino.

A cor some do rosto de Mira, e Crator fica visivelmente mais tenso. 

Não temos ideia do que está falando, responde Crator, mas há um tremor em sua voz que ele não consegue esconder.

Acreditem, digo, meu tom gélido, se eu descobrir que vocês submeteram sua própria filha a esse ritual bárbaro, haverá consequências severas. O édito é claro, e ninguém está acima da lei, nem mesmo os Starbane.

Mira abre a boca para responder, mas eu a interrompo, avançando um passo. 

Façam com que a garota receba os cuidados necessários. Qualquer resistência em cooperar apenas aumentará minhas suspeitas.

Crator abaixa a cabeça ligeiramente, reconhecendo a seriedade da situação. 

Claro, príncipe Nathaniel, ele diz, sua voz agora mais controlada. 

Vamos garantir que ela receba todos os cuidados necessários. Por favor, siga-nos até nossa residência.

O caminho até a residência é curto, mas parece  uma eternidade.

Ela sangra muito.

Mira correu na frente, sob o pretexto de arranjar outro curandeiro para costurar as feridas, mesmo todos sabendo que ela é a melhor nessa área em toda a região. 

As botas sujas de lama, as desculpas mal elaboradas... algo não se encaixa.

Ao chegarmos, Crator abre a porta com uma pressa que revela mais do que ele gostaria. Adentro a casa, ainda segurando a garota, e percebo o olhar ansioso de Mira seguindo cada movimento meu. Coloco-a na mesa da sala, cuidando para que ela esteja confortável, e me volto para os dois.

Tenham em mente que,digo, olhando diretamente para Crator, qualquer ação suspeita será levada em consideração. Os olhos do rei estão atentos, e eu estarei supervisionando pessoalmente este caso. Espero, para o bem de todos, que estejam sendo honestos.

Crator acena, mas seus olhos não encontram os meus. 

Entendemos, príncipe Nathaniel. Nossa prioridade é o bem-estar de Carina.

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