A Babá Inesperada
A Babá Inesperada
Por: S.R.Silva
Prólogo

Sophia Martins  / Maria Laura Santos 

 Sempre soube que o inferno existia. Desde criança, sentia sua presença. A cada passo que meu padrasto dava pela casa, cada vez que ele elevava a voz, sabia que estava lá, à espreita, pronto para me engolir. Era como se o ar ficasse mais denso, mais difícil de respirar. Não havia fuga, não havia como escapar. O inferno estava em cada cômodo, em cada sombra, no olhar ameaçador dele.

 Tinha doze anos quando minha mãe se casou com ele. No início, ele parecia ser um homem bom, trabalhador e amoroso. Mas logo, a máscara caiu. O álcool começou a fluir em nossa casa como água, e com ele, a violência. Era sempre a mesma coisa: ele chegava em casa tarde, bêbado, procurando uma desculpa para descontar sua frustração. Minha mãe se tornava seu saco de pancadas, e eu, impotente, assistia tudo escondida atrás da porta do meu quarto.

 Certa noite, as coisas pioraram. Estava na sala, fazendo minha lição de casa, quando ouvi os gritos. Minha mãe implorava para que ele parasse, mas os sons dos golpes só aumentavam. Corri até o quarto deles e o vi, de pé sobre ela, levantando o punho para mais um golpe. Sem pensar, me atirei sobre ele, tentando empurrá-lo para longe. Ele me olhou com olhos vermelhos de ódio e, sem hesitar, me deu um tapa tão forte que vi estrelas. 

 — Não se meta, sua vadiazinha — ele gritou, e o som da sua voz ecoou pelos corredores da casa.

 Depois daquela noite, eu sabia que precisava proteger minha mãe, mesmo que isso significasse me colocar em perigo. Mas a cada intervenção, as coisas só pioravam. Ele passou a me odiar tanto quanto odiava minha mãe. As surras que ele dava nela se tornaram rotina para mim também. E cada marca, cada hematoma, me lembrava da minha impotência.

 Foi numa noite de inverno que tudo mudou. O frio era cortante, mas dentro de casa, o calor do ódio dele queimava mais. Estava na cozinha, preparando um chá para minha mãe, quando ouvi o som familiar da porta sendo arrombada. Ele estava mais bêbado do que nunca. Tropeçou até a sala, gritando por minha mãe. Quando ele a encontrou, puxou-a pelo cabelo, arrastando-a pelo chão. Corri até eles, tentando intervir mais uma vez.

 — Solte-a! —  Gritei, minha voz trêmula, mas cheia de determinação. Ele se virou, seus olhos cheios de uma raiva incontrolável.

 — Você não aprende, não é? — ele rosnou, avançando para mim. Sabia que não tinha chance contra ele, mas não podia ficar parada. Ele levantou a mão para me bater, e foi nesse momento que eu peguei a faca que estava no balcão da cozinha. 

 — Pare! — Gritei novamente, segurando a faca entre nós. — Se você tocar nela de novo, eu juro que vou te matar.

 Ele riu. Uma risada que reverberou nas paredes da casa, cheia de desprezo. 

 — Você? Uma garotinha? Você não tem coragem.

 Mas naquele momento, eu tinha. Não sei de onde veio a força, talvez do desespero, talvez do amor incondicional que sentia por minha mãe. Mas quando ele avançou novamente, eu fechei os olhos e golpeei. Senti a faca penetrar sua carne, um som úmido e horrível. Quando abri os olhos, ele estava parado, olhando para mim com surpresa. Depois, ele caiu no chão, gemendo de dor.

 Minha mãe gritou, não de dor, mas de medo. Ela correu até ele, tentando estancar o sangue com as mãos trêmulas. 

 — O que você fez, Sofia? — ela chorava, mas eu não conseguia responder. Tudo parecia um borrão. A polícia chegou pouco depois, chamados pelos vizinhos que ouviram os gritos.

 Fui levada para a delegacia, interrogada por horas. Minha mãe tentou explicar que foi em legítima defesa, mas as autoridades não estavam convencidas, e no final ela acabou ficando ao lado do meu padrasto como sempre acontece nesses casos. Foi uma batalha longa, mas no final, fui liberada com a condição de ficar longe da minha mãe até que tudo fosse resolvido. E foi assim que comecei a vagar sem rumo, procurando um lugar onde pudesse reconstruir minha vida.

 Acabei em São Paulo, uma cidade grande onde pensei que poderia me esconder do passado. Mas a vida não foi fácil. Sem dinheiro, sem família, sem ninguém para me apoiar, encontrei refúgio em um clube de striptease. No início, parecia uma saída rápida e fácil. Dinheiro fácil, sem perguntas, sem julgamentos. Mas logo percebi que estava trocando um inferno por outro. 

 Os homens que vinham ao clube eram diferentes do meu padrasto, mas os olhares eram os mesmos. Cheios de desejo, de posse, como se eu fosse um objeto a ser usado e descartado. E mais uma vez, me vi presa, lutando para sobreviver, para encontrar uma maneira de escapar.

 Foi lá que conheci Letícia, uma das dançarinas. Ela se tornou minha melhor amiga, minha confidente. Foi ela quem viu em mim algo mais do que uma simples stripper. 

 — Você merece mais, Sophia — ela me dizia constantemente. — Você é forte, inteligente. Pode ter uma vida melhor.

 Com sua ajuda e a do João, o ex-namorado hacker dela, falsifiquei meus documentos para conseguir um emprego decente. E foi assim que acabei na mansão de Philippo Constantinova, um homem quebrado pela perda da esposa, que precisava de alguém para cuidar de suas filhas.

 Acabei mudando meu nome, meu cabelo, minha personalidade e minhas vestimentas, tudo para poder se encaixar naquele mundo que claramente  não era o meu. Eles precisavam urgentemente de uma babá e eu precisava desesperadamente de um recomeço, juntar uma boa grana e pagar Mauro o dono da “casa de show”, que estava doido para me fazer vender o meu corpo, uma das coisas que sempre jurei não fazer, hoje era o dia da seletiva, então aqui estou na porta da mansão encarando uma fila gigantesca e torcendo para que tudo dê certo.

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