Quando cheguei na casa de Letícia, mal podia conter a empolgação. Estava morando com ela provisoriamente, e queria contar as boas notícias. Abri a porta e entrei apressada.
— Letícia! — chamei, mas a resposta foi o silêncio. Senti um frio na espinha. Corri pela pequena sala, em direção ao quarto dela, e a encontrei caída no chão. Meu coração disparou. Sabia o que aquilo significava: drogas. Respirei fundo e, com dificuldade a levantei do chão, a arrastando até o banheiro. Abri o chuveiro e deixei a água gelada cair sobre ela. — Está gelada! — Letícia reclamou, despertando do seu estado entorpecido. — O que você está fazendo da vida, Letícia? — Olhei para ela, cheia de raiva e preocupação. Ela levantou os olhos pesados para mim, ainda grogue. — Vida? Que vida? Não sei o que é isso há um bom tempo — respondeu com um tom amargo. Ajudei Letícia a se manter em pé, respirei fundo antes de falar. Era triste demais ver minha amiga nessa situação, Letícia chegou ao clube bem antes de mim, ela acabou contraindo uma dívida altíssima com o Mauro, e agora ele a obriga a vender o seu corpo. Além de dançar e tirar a roupa, minha amiga é obrigada a deixar os homens usarem o corpo dela da forma que desejam. Letícia me olhou com olhos cansados e desesperançados. Mauro sempre que pode tenta me obrigar a me prostituir, mas suas investidas sempre falham. Eu prefiro a morte a fazer algo desse tipo. Eu tinha tantos sonhos para mim, sonhava em me tornar uma médica, mas agora o que sobrou pra mim, foi tirar a roupa por uns trocados, mas nem posso reclamar, pois se continuasse na rua provavelmente já estaria morta. Não sei se um dia conseguirei perdoar a minha mãe, ela deixou uma menina de dezesseis anos por conta própria e a justiça que deveria me proteger, ficaram ao lado do meu padrasto, como se ele fosse uma pobre vítima. Quer saber de uma coisa: Não vou ficar aqui chorando, vou levantar e agir e o primeiro passo é conseguir aquele emprego de babá. Depois de um tempo, coloquei minha amiga na cama e a cobri. Olhei para ela com tristeza e acariciei seus cabelos. — Em breve, vou tirar nós duas dessa situação deplorável. — Digo a ela que não respondeu, já voltando a adormecer, mas eu sabia que ela tinha ouvido. Fui para o meu quarto e comecei a separar minhas roupas para dançar naquela noite. Precisava do dinheiro, mesmo que fosse pouco, para pagar as dívidas e conseguir a nossa liberdade. No clube, encontrei Letícia nos bastidores. Ela respirava fundo, secando uma lágrima solitária. Perguntei se ela estava bem, e ela respondeu que dentro do possível, sim. — Obrigada por cuidar de mim mais cedo e desculpe por ter que ver aquilo — ela disse me abraçando. — Como foi lá na mansão dos ricaços? — Fui selecionada para a etapa final — respondi, sorrindo. Ela abriu um sorriso genuíno, e por um momento, esquecemos nossos problemas. Comemoramos juntas, mas logo Mauro apareceu, sua expressão irritada. — Estou pagando vocês para bater papo? — ele nos encarou com a sobrancelha arqueada. Letícia o afrontou, e ele respondeu com um tapa no rosto dela. — Hoje, você não terá pagamento — ele decretou. — Não é justo — Letícia murmurou, segurando o rosto. — Eu sou obrigada a trepar com muitos homens em uma noite para encher teu bolso de dinheiro, não é justo me deixar sem grana, você sabe que eu tenho minhas contas a pagar. — Mauro pegou seu rosto e apertou entre os dedos. — Quem sabe o que é certo ou errado aqui sou eu. E eu sei exatamente que você gasta todo o seu dinheiro em pó. Estava prestes a defender Letícia, mas ela me olhou de uma forma que dizia "não faça nada". Me contive com dificuldade sentindo a raiva borbulhar dentro de mim. — Em cinco minutos, é a sua vez de subir ao palco, esteja pronta ou já sabe. — Mauro se virou para mim. Respirei fundo, me preparando para a apresentação. Quando anunciaram meu nome de guerra, "Viollet Rose", subi ao palco, deixando a raiva guiar meus movimentos. Depois do show, desci do palco e fui encontrar minha amiga. Ela estava mais calma, mas ainda machucada pediu para nunca mais tentar defendê-la de Mauro. — Se ele descobrir que você ainda é virgem, pode leiloar você para algum desgraçado — ela disse olhando para o nada. Aquelas palavras me atingiram como um soco. Será que isso já havia acontecido com ela? Letícia parecia perdida em pensamentos, e eu prometi a mim mesma que faria de tudo para nos libertar. Saí da sala, deixando-a descansar, e me preparei para a próxima batalha que seria sobreviver mais uma noite naquele lugar. Enquanto me preparava para a próxima dança, não conseguia tirar da cabeça as palavras de Letícia. A ideia de ser leiloada como um objeto me dava náuseas. Precisava encontrar uma maneira de sair dali, para o bem de ambas. A noite parecia se arrastar. Subi ao palco mais algumas vezes, os homens me observavam com desejo, houve um momento que um cara tentou subir no palco e precisou ser retirado pelos seguranças. Quando finalmente a noite chegou ao fim, estava exausta, mas aliviada por mais um dia. Mauro pegou as nossas gorjetas e dividiu 60% / 40%, quer dizer 70% para a casa e 30% para nós. Era humilhante trabalhar por tão pouco, porém era o que tínhamos no momento. Letícia estava encostada na parede dos bastidores, com os olhos flamejantes de raiva, pois Mauro cumpriu a sua promessa e não lhe pagou. — Vamos para casa — sussurrei. — Vamos antes que eu soque a cara de alguém. Ela também sussurrou e concordei. Finalmente, chegamos ao apartamento pequeno e mal iluminado que chamávamos de lar. Letícia foi direto para o quarto, enquanto fui até a cozinha, preparar uma sopa quente. Quando a sopa ficou pronta, levei uma tigela para Letícia, que estava encolhida na cama. — Obrigada — ela murmurou, aceitando a tigela. Depois de comer, ela se deitou novamente, e eu fui para o meu quarto, tentando descansar. Mas o sono não veio facilmente.Na manhã seguinte, acordei cedo, ainda cansada, mas determinada. Era o dia da etapa final da seleção para a vaga de governanta infantil. Vesti minha melhor roupa, tentando parecer o mais profissional possível. Antes de sair, fui até o quarto de Letícia. — Estou indo para a entrevista final — disse, tentando soar confiante. Ela abriu os olhos lentamente, assentindo. — Boa sorte, Sofia. Eu acredito em você. Aquelas palavras me deram um pouco de força. Saí do apartamento e fui em direção à mansão, sentindo o nervosismo aumentar a cada passo. Quando cheguei, as outras candidatas já estavam lá, todas parecendo incrivelmente confiantes e bem preparadas. Respirei fundo e entrei, lembrando a mim mesma que tinha que dar o meu melhor. Dona Helena nos recebeu novamente, explicando que a última etapa seria uma série de atividades práticas. Ela nos dividiu em grupos e começou a distribuir as tarefas. — Hoje, vocês terão que mostrar habilidades em várias áreas — começou Dona Helena, com
Dias depois, vesti meu uniforme recém-adquirido e me preparei para meu primeiro dia de trabalho na mansão Constantinova. Estava nervosa, mas sabia que precisava manter a calma e focar em ser a melhor governanta infantil que poderia ser. Sai de casa depois de me despedir de Letícia, que me desejou boa sorte. Quando cheguei à mansão, fui recebida por Dona Helena na entrada. Seu olhar severo me avaliava da cabeça aos pés, mas notei uma leve inclinação de aprovação. — Bom dia, Maria Laura. — disse ela, com um leve aceno. — Vou lhe mostrar a casa e explicar como tudo funciona aqui. Assenti, seguindo-a pelos corredores amplos e luxuosos da mansão. Cada passo era um lembrete de que eu estava longe da minha realidade anterior. — Aqui na mansão, temos uma rotina bem estruturada — começou Dona Helena. — As meninas, Beatriz e Lara, têm horários fixos para todas as atividades, desde as refeições até as brincadeiras e os estudos. É essencial que você siga esses horários rigorosamente. Ela
No dia seguinte, comprei algumas roupas mais "adequadas" e fiz uma mala. Letícia estava sentada na sala quando me viu saindo. — Boa sorte, Sophia. — Minha amiga me abraçou forte. — Obrigada, Lety. — respondi. — E lembre-se de se cuidar e maneirar nas drogas, ok? — Vou tentar, mas não vou prometer. — Só tente, por favor. — pedi, abraçando-a novamente. — Vou dar o meu melhor lá. — Amiga, vá tranquila e deixe seu celular ligado, pois qualquer B.O aqui ou na boate te aviso. Quando cheguei à mansão, Dona Helena olhou minha mala com aprovação e me conduziu ao meu quarto. Depois de me instalar, ela me entregou uma agenda virtual e um celular somente para o trabalho. — Esse celular deve ficar ligado 24 horas. — disse ela. — O senhor Constantinova viaja muito e, às vezes, liga para saber como estão as filhas. — Ele só pergunta pelas filhas às vezes? — perguntei, tentando esconder a curiosidade. — O que importa para nós é fazer o trabalho bem feito e não saber se é certo ou err
— Finalmente a donzela resolveu aparecer. Onde estava? — Mauro estava furioso. — Mauro, ela… — Sophia não precisa de porta-voz, mete o pé Letícia que meu papo é com ela. — Minha amiga ainda tentou ficar ao meu lado, mas a tranquilizei dizendo que estava tudo bem. — Sabe quantas garotas como você aparecem querendo uma oportunidade? — Mauro me perguntou e assenti. — Garotas dispostas a fazer muito mais do que você faz, só pra ter proteção. Eu sabia onde ele queria chegar e respirei fundo, Mauro continuou falando e por fim disse que descontaria 10% do meu pagamento de hoje. — Quem sabe assim, você não dá valor ao que tem Sophia. — Ele sorriu mostrando aqueles dentes de ouro. Tenho um ódio e um nojo tão grande daquele homem, se ele soubesse. “Em breve isso vai acabar.” Meu subconsciente me disse. Após seu sermão ele aceitou minhas desculpas e finalmente fui liberada para ir ao camarim. Ao entrar, encontrei Letícia já se preparando. Ela olhou para mim pelo espelho, com
Quando cheguei no salão, um grupo de caras me chamou e pediu um show particular. Recusei delicadamente, pois precisava voltar rapidamente para a mansão dos Constantinova. Eles insistiram mais uma vez, e novamente recusei, mas assim que Mauro ouviu, ele se intrometeu. — Claro que ela fará um show particular para vocês, só preciso que me paguem antes. — Ele sorriu para os caras. — Mauro, eu... — Conversaremos depois, Violet. — Ele me encarou de uma forma que me fez estremecer. — Está esperando o quê? Vai se trocar. Eu odiava as salas privativas porque, enquanto os homens estão pagando, eles acham que podem nos bulinar, e a regra de Mauro era simples. Se o cara pagou, ele tem direito. Estava me trocando quando minha amiga entrou no camarim. — O que foi? Vai fazer outro número? Você não tinha que ir embora resolver aquele assunto? — Letícia perguntou, e soltei um suspiro de decepção. — Sim, eu tinha que estar lá, mas uns caras me pararam e pediram um show privado. Recusei, mas
Phillippo Constantinova Desde que Fabiana se foi, perdi o interesse pela vida. A rotina que antes fazia sentido, agora é apenas um ciclo monótono de trabalho incessante. Enterrei-me nos processos judiciais, nos papéis e nas audiências, negligenciando completamente minhas filhas. Sei que isso é muito errado da minha parte, mas não consigo esquecer Fabiana. Ela era apaixonada pela vida e não merecia perdê-la de forma tão trágica. Eu a amava mais do que tudo, e a dor de sua ausência me consome diariamente. Cada canto da casa, cada sorriso de nossas filhas, me lembra dela. Beatriz, com seu jeito teimoso e ao mesmo tempo carinhoso, e Lara, sempre tão alegre, são reflexos dela. E a pequena Maria Alice, que não teve tempo de conhecer a mãe... Sinto-me um fracasso como pai. Deveria estar presente para elas, mas não consigo. Enquanto penso, Luciana entra no meu escritório. Ela traz a papelada de um grande caso, o qual estou liderando. Ela é uma mulher eficiente, mas sempre parece ter alg
Sophia Martins / Maria Laura Santos Beatriz estava empolgada com o dia de SPA. Enquanto as levava para a escola, recebi uma mensagem de dona Helena pedindo minha conta para que ela pudesse depositar meu pagamento. Expliquei a ela que precisei encerrar a minha conta, mas que faria outra. — Maria Laura, antes de comprar qualquer produto para pele da senhorita Beatriz, preciso que venha aqui. Tenho algumas condições para você. — disse dona Helena, com sua habitual seriedade. — Tudo bem, senhora Helena. — Assim que desliguei, Beatriz me encarou. — Maria Laura, você já fez SPA com as suas amigas antes? — perguntou ela, curiosa. — Já sim. Pintávamos as unhas umas das outras com o esmalte que a gente pedia para dona Vilma, que era dona do salão. E pegávamos barro, misturávamos com água e passávamos na cara. — respondi, sorrindo com a lembrança. — Credo! Não é isso que vai fazer comigo, né? — Ela perguntou chocada. — Não, relaxa! Vou comprar produtos bons para você, só coisa apr
Após chegar ao jardim, entrei na casa sem ser vista e, assim que cheguei ao meu quarto, tomei um susto ao ver alguém deitado em minha cama. Quase gritei e fiz diversas orações, pois tenho pavor de fantasmas, mas quando me aproximei, vi que era apenas Lara deitada e respirei aliviada. Ela parecia tão pequena e vulnerável, abraçando o travesseiro como se fosse um escudo contra os medos noturnos. — Oi, princesa, o que está fazendo aqui? — perguntei gentilmente, sentando ao lado dela. — Estava com medo do monstro embaixo da cama. — Ela estava com a voz chorosa, os olhos grandes e assustados me encarando. — Onde você estava? — Estava no jardim. Vamos voltar para o seu quarto? — A menininha agarrou o meu braço firmemente. — Não, lá tem monstro. Ele quer me pegar. — Olhei para ela e sorri para acalmá-la. Quem me dera se os monstros da minha vida fossem apenas debaixo da minha cama. Insisti um pouco mais, mas como ela não quis ir para o seu quarto, não me importei e a deixei dormi