— Ah, Sebastião, estava... — comecei, hesitando um pouco para dar a impressão de que estava tentando lembrar de algo trivial. — Fui visitar uma amiga que mora um pouco longe. A conversa se estendeu mais do que eu esperava. — sorri, tentando parecer descontraída. — Perdi a noção do tempo, você sabe como é quando a gente encontra uma velha amiga, né? Sebastião me olhou por um momento, parecendo ponderar minha resposta. Finalmente, ele deu de ombros. — Entendo. Só fiquei preocupado, sabe? Esse horário não é seguro para uma moça estar na rua sozinha. E se a dona Helena te pega na rua naquele horário, você está lascada. — Agradeço a preocupação, Sebastião. Prometo que vou tomar mais cuidado da próxima vez. — falei, aliviada por ele ter aceitado a minha explicação. O resto do dia correu normalmente. Após deixarmos Maria Alice em casa, o tempo passou rapidamente enquanto eu cuidava das tarefas diárias e organizava as coisas para o retorno das meninas da escola. Quando chegou a hora de
Peguei o telefone e disquei o número de Letícia. Após alguns toques, ela atendeu com seu tom animado. — Oi, Sophia! — Letícia exclamou. — Como você está? — Oi, Letícia. — respondi, sentindo um sorriso surgir em meu rosto. — Estou bem, dentro do possível. E você? — Ah, você sabe como é. Sempre correndo de um lado para o outro. Mas estou bem. — ela respondeu com uma risada. — E como estão as coisas aí? Ah! E antes que pergunte estou maneirando nas drogas. — Ficaria feliz se dissesse que tinha parado. — Fique feliz mulher, eu dei uma maneirada já é um avanço. — Ela riu, mas não a acompanhei. — Não quero que aconteça com você igual a Tamires ano passado. — Tami, era uma das dançarinas assim como eu, mas infelizmente ela faleceu de overdose. — Ok, mamãe! — Imagino ela revirando os olhos. Suspirei, me sentindo cansada desse assunto. — Tem sido complicado, Letícia. Beatriz é uma menina difícil de lidar. Hoje tivemos mais um daqueles dias em que ela me testa o tempo todo. Letí
No dia seguinte, a rotina seguiu seu curso. Quando a noite finalmente chegou, meu estômago se apertou, precisava me arrumar para não me atrasar. Enquanto me arrumava lembranças de como fui parar naquele inferno club me veio a mente. *Flashback on* Havia acabado de chegar a São Paulo e não tinha muito dinheiro, pois o que tinha foi o que havia juntado com bicos que fazia em Minas. Parei em uma barraquinha que vendia coxinha e comprei duas, comigo elas e continuei andando, merda! O que uma pessoa como eu pode fazer para não morrer de fome? Não fazia a menor ideia. Se minha mãe tivesse escolhido a mim ao invés daquele marido desgraçado dela, eu não estaria nesta situação.Uma semana havia se passado e eu estava jogada na rua, fedida e morrendo de medo de ser estuprada. Um dia, parei em frente a um clube e decidi entrar para pedir se poderia tomar banho. Então um homem de meia idade se aproximou de mim com um sorriso que parecia amigável. — Olá, minha querida, pode tomar banho, sim
Depois que finalizei e as luzes se apagaram, saí do palco às pressas. Letícia, quando me viu correr, não perguntou o que estava acontecendo, mas eu estava respirando com dificuldade e disse a ela que precisava de um ar.— Vamos, amiga, meu número só vai começar daqui a meia hora.Quando chegamos do lado de fora, ela me puxou para o lado e olhou para mim.— Agora me conta, o que houve? — Minha amiga olhava para mim preocupada.— Lety, o motorista das meninas está aqui e ele me viu tirar a roupa no palco, amiga. E agora o que eu faço?Minha amiga olhou para mim com olhos arregalados.— Onde ele está, amiga? Vamos atrás dele e tentar explicar, pois ele não pode te caguetar.Minha amiga e eu entramos e ficamos procurando por Sebastião, até que o encontramos no bar, perdido em pensamentos.Nos aproximamos dele e, quando ele me viu, não esboçou expressão.— Sebastião, né? Precisamos conversar com você.— Maria Laura, o que faz aqui? Você é babá de três crianças durante o dia e, à noite, as
Sophia Martins Minas Gerais, Agosto de 2020. Desde quando minha mãe resolveu se casar com Carlos, nossa vida aos poucos se transformou em um inferno. Para piorar tudo, estamos na pandemia, e meu padrasto está com raiva desde que precisou ficar em casa. Minha mãe é empregada doméstica e precisou implorar para que algumas casas não a demitissem, sempre dando um jeito de chegar aos locais. Carlos, por outro lado, decidiu passar a encher a cara todos os dias e culpar todos por seus fracassos.— Sophia, vem aqui agora. — Ele gritou e fui ao seu encontro.— Pega esse controle aí pra mim e senta aqui do meu lado.De uns tempos para cá, Carlos começou a olhar para mim de uma maneira que me deixa aflita demais.— Carlos, estou fazendo as atividades do colégio, não posso agora. — Entreguei o controle remoto em suas mãos e me preparei para sair quando ele me puxou de forma abrupta.— Se eu mandei você sentar, você senta. Já esqueceu quem paga as suas coisas? — Ele apertava o meu pulso com forç
São Paulo, 2023Graças aos céus, hoje eu não preciso ir ao clube. Mesmo que eu não precise trabalhar, Mauro me ligou e disse que eu deveria ir para o clube porque ele quer conversar comigo. Liguei para Letícia e, quando contei, ela ficou apreensiva.— Será que ele descobriu sobre seu outro emprego? — Ela perguntou, preocupada.— Tomara que não, porque Mauro é louco.— Quer que eu vá com você?— Melhor não, vai que ele acha estranho se você for. É melhor eu ir sozinha.Fiz os meus trabalhos e, à noite, saí rapidinho para ir ao clube. Quando cheguei, Mauro me mandou sentar e me encarou.— Sabe que se não fosse por mim, você não seria nada, não é? — Ele perguntou, soltando a fumaça do seu cigarro barato em mim.— Sim, eu sei. E agradeço por isso.— Você é minha pupila e eu odiaria ter que te dar uma lição ou te vender para um Julião. — Senti a minha espinha gelar quando ouvi esse nome. Já me encontrei com esse homem uma vez e ele é louco. — Vou te fazer uma pergunta e espero que seja sin
Phillippo Constantinova Depois que a Governanta Infantil me perguntou se eu queria segurar Maria Alice, neguei e saí dali rapidamente. Estava trabalhando em casa, mas ficar naquela casa me traz lembranças de Fabiana e não faz nada bem.Peguei minhas coisas e estava saindo quando Beatriz passou por mim. Ela voltou e me encarou.— Já vai embora, Phillippo? — Ela perguntou, ainda me encarando.— Esqueceu que sou seu pai?— E você esqueceu que sou sua filha. Aliás, somos três. Esqueceu? — Senti a amargura nas suas palavras.Beatriz é uma menina de nove anos e tem mais amargura que um adulto.— Eu preciso trabalhar, filha. — Ela revirou os olhos.— Como sempre. Pode ir, o que eu precisar peço à senhora Helena ou à Maria Laura.Ela não me deixou falar, apenas bateu a porta do seu quarto com força. Tentei ir até o seu quarto, mas chegando até sua porta desisti e fui para meu escritório.Chegando lá, já havia anoitecido. Então, me servi de uma dose de uísque e me virei para a janela, onde ad
Sophia Martins / Maria Laura Santos Depois que deixei as meninas na escola, pedi a Sebastião que me deixasse na pracinha. Levei Maria Alice para dar uma volta e ela estava curiosa, observando tudo. Sebastião então perguntou o que estava acontecendo e eu disse a ele o que ocorreu pela manhã. Ele contou que trabalha para o senhor Constantinova há quatro anos e que ele é completamente diferente do que é hoje.— O senhor Constantinova era um bom pai, um marido carinhoso e amoroso — Sebastião contava com um olhar melancólico. — A morte da senhora Fabiana o destruiu.— Entendo a dor dele, mas as meninas precisam tanto dele. Beatriz está tão amarga e Lara... ela é tão pequena para entender tudo isso. — Suspirei, ajeitando Maria Alice em meus braços. — Ele precisa encontrar uma maneira de voltar a ser o pai que elas lembram.— É difícil perder alguém que se ama tanto, especialmente de maneira tão repentina. Mas você está certa, Maria Laura. Ele precisa encontrar uma maneira de seguir em fre