Capítulo 1: O Uivo na Escuridão
A lua cheia pairava no céu, uma esfera prateada que iluminava a floresta com um brilho fantasmagórico. O vento soprava entre as árvores antigas, carregando o cheiro de terra molhada e madeira queimada. Para Kael, era apenas mais uma noite solitária — o tipo de noite que havia se tornado tão familiar quanto o som de seu próprio batimento cardíaco. Ele caminhava entre as sombras, sua forma lupina quase indistinguível do ambiente ao redor. O pelo negro como carvão o tornava invisível à luz da lua, mas seus olhos brilhavam em um tom dourado que denunciava sua presença para qualquer um que olhasse de perto. Não que houvesse alguém por perto. A essa altura, Kael já sabia que ninguém ousava se aventurar tão profundamente na floresta proibida, um território que até mesmo as alcateias evitavam. Ele não tinha escolha. Como renegado, o exílio era sua única opção. E essa floresta — perigosa e imprevisível — era o único lugar onde ele podia existir sem medo constante de ser caçado. Kael parou junto a um antigo carvalho, suas garras marcando a terra úmida enquanto ele inclinava a cabeça para ouvir. Nada além do silêncio inquietante da noite. Um som que ele conhecia bem demais. Era o som da solidão. Mas naquela noite, algo estava diferente. Um cheiro. Fraco no início, mas crescente. Ele levantou o focinho, inalando profundamente. O aroma era estranho, uma mistura de flores silvestres e ferro. Sangue. Os músculos de Kael se contraíram enquanto ele se movia em direção ao cheiro, seus instintos despertando como se um alarme tivesse soado. O que quer que estivesse à sua frente, ele precisava saber. Depois de minutos seguindo o rastro, ele encontrou a fonte. Deitada entre os arbustos estava uma figura humana, o corpo frágil envolto em uma capa de tecido escuro. Kael se transformou em sua forma humana sem pensar, seus pés descalços tocando o solo frio. Ele se ajoelhou ao lado da figura, suas mãos hesitantes. Era uma mulher. Sua respiração estava irregular, e um corte profundo atravessava seu braço direito. Ele reconheceu o cheiro imediatamente: sangue de lobo. Ela era como ele. Uma loba. — Ei — ele disse, sua voz rouca pelo desuso. — Você está viva? Seus olhos se abriram lentamente, revelando um brilho prateado. Mesmo enfraquecida, havia algo poderoso em seu olhar, algo que fez Kael hesitar por um momento. — Quem... quem é você? — sua voz era um sussurro, mas carregava uma autoridade inegável. — Alguém que deveria perguntar o mesmo — respondeu Kael. — O que você está fazendo aqui? Ela tentou se mover, mas uma careta de dor cruzou seu rosto. Kael rosnou baixinho, frustrado. Ele não tinha intenção de ajudá-la, mas também não podia deixá-la ali para morrer. — Não se mexa. Eu vou... fazer algo. Ele rasgou um pedaço da camisa que usava, improvisando uma bandagem para o ferimento. Enquanto trabalhava, a mulher o observava em silêncio, seus olhos fixos em cada movimento. — Você não é da minha alcateia — ela disse finalmente, com uma fraqueza que parecia não combinar com sua postura. — Não. — Então por que está me ajudando? Kael parou, suas mãos ainda segurando o tecido manchado de sangue. Ele não sabia a resposta para essa pergunta. Talvez fosse a solidão que o impulsionava, ou talvez fosse o fato de que ela era a primeira pessoa que ele via em semanas. — Boa pergunta — ele murmurou, amarrando a bandagem. — Meu nome é Lírica — ela disse, como se isso fosse suficiente para explicar tudo. Mas para Kael, aquele nome soou como um trovão. Lírica. A alfa da alcateia ao norte, conhecida por sua força e liderança implacável. Ele havia ouvido histórias sobre ela, histórias que pintavam um quadro de poder absoluto e uma determinação que não podia ser abalada. — Você... é a Lírica? — ele perguntou, sua voz cheia de descrença. — Sim. — E o que uma alfa está fazendo sangrando até a morte no meio da floresta? Os olhos de Lírica brilharam com algo que parecia um misto de raiva e dor. — Fui traída. Kael não pressionou mais. Ele sabia como era ser traído. Enquanto a noite avançava, ele cuidou dela da melhor maneira que podia, mantendo uma distância emocional que parecia necessária. Mas algo dentro dele dizia que aquele encontro não era uma coincidência. A Caminho do Refúgio Lírica estava fraca demais para caminhar sozinha, então Kael a carregou em seus braços. Apesar do desconforto com o contato, ele não demonstrou. A cada passo, o peso dela parecia uma lembrança de como ele mesmo já havia sido deixado para morrer. A caverna que ele chamava de lar era um lugar escondido, envolto por vinhas espessas e protegido por pedras que pareciam insuperáveis para quem não soubesse o caminho. Ele a colocou cuidadosamente em um canto, onde o chão era coberto por musgo macio, e reacendeu a fogueira central. Lírica, apesar de ferida, observava cada movimento com atenção. — Você vive aqui? — ela perguntou. — É o suficiente para alguém como eu — respondeu Kael. — Um renegado. Ele se virou para ela, o olhar frio. — Prefiro isso a ser um traidor. Lírica desviou o olhar, mas não de vergonha. Algo em suas feições sugeria que ela estava planejando algo. O Ataque Enquanto os dois permaneciam em silêncio, um ruído cortou o ar. Passos. Muitos. — Eles me seguiram — Lírica sussurrou, alarmada. Kael imediatamente se colocou entre ela e a entrada da caverna. — Quem? — A alcateia que tentou me matar. Antes que ela pudesse responder, a entrada da caverna foi iluminada por olhos vermelhos brilhantes. Não era apenas uma alcateia comum; eles estavam usando uma antiga magia para rastreá-la. — Fique atrás de mim — Kael ordenou, transformando-se rapidamente em sua forma lupina. Lírica tentou se levantar, mas sua fraqueza era evidente. O primeiro invasor entrou na caverna, mas Kael o derrubou com um único golpe, suas garras rasgando o ar como lâminas afiadas. — Você não vai sobreviver a isso sozinho — Lírica disse, com uma determinação crescente em sua voz. — Eu sobrevivi a coisas piores. — Não contra eles. Quando mais inimigos surgiram, Lírica usou o que restava de sua força para se transformar. Apesar do ferimento, sua presença como alfa era inegável. Juntos, eles lutaram, mas a batalha estava longe de terminar.A floresta parecia respirar ao redor deles, viva com sons sutis que apenas os lobos podiam captar. Galhos se curvavam com o peso do vento, folhas dançavam no ar, e, ao longe, o uivo de uma coruja cortava o silêncio. Kael mantinha a postura rígida enquanto Lírica se apoiava em seu braço, os passos dela hesitantes, mas teimosos.O cheiro de sangue ainda pairava no ar, um lembrete de que a batalha havia sido vencida, mas não a guerra.— Você está desacelerando — Kael comentou, sem olhar para ela.Lírica soltou um suspiro exasperado, erguendo o queixo.— Eu estou ferida, não morta.Ele lançou um olhar de canto de olho, o brilho dourado de seus olhos visível mesmo sob as sombras.— Por enquanto.Ela ignorou o comentário. Lírica não era do tipo que demonstrava fraqueza, mesmo quando cada passo fazia sua visão escurecer por um instante.— Quanto tempo até chegarmos ao vale? — perguntou ela, tentando soar firme.Kael não respondeu imediatamente. Ele conhecia bem a floresta e sabia que o camin
A manhã chegou silenciosa, trazendo consigo uma névoa densa que se espalhava pelo vale como um manto. A luz pálida do sol mal atravessava as árvores altas, e o abrigo de pedra parecia ainda mais isolado.Kael observava a pequena fogueira que haviam acendido dentro da cabana, os olhos fixos nas chamas dançantes. Ele não confiava naqueles novos lobos, especialmente em um deles — um jovem chamado Eryon, cuja postura rígida e olhar evasivo o deixavam desconfortável.Lírica, por outro lado, parecia mais serena. Apesar de suas feridas ainda não estarem totalmente curadas, ela já havia começado a traçar um plano.— Precisamos nos mover antes que a noite caia — disse ela, sua voz firme, mas baixa o suficiente para não despertar suspeitas.Kael inclinou-se contra a parede da cabana, cruzando os braços.— Ótimo. Vamos direto para a boca do lobo.Lírica lançou-lhe um olhar impaciente.— Se não recuperarmos o artefato, Darius vai nos encontrar de qualquer forma. Ele já está nos caçando, Kael. Não
Capítulo 4: A Chama que Nunca Se ApagaA Floresta Proibida nunca fora um lugar de paz, mas naquele momento, ela parecia respirar com uma vida própria, como se o próprio ambiente soubesse que algo grandioso — e fatal — estava prestes a acontecer. A cada passo que Kael dava, ele sentia o peso do destino em suas costas, mais pesado do que qualquer batalha que já tivesse enfrentado. Ele olhou para Lírica, que estava a alguns metros à frente, e, por um momento, o silêncio entre eles falou mais do que palavras poderiam dizer.Lírica, apesar de sua aparência fria e imperturbável, carregava consigo o peso do mundo. As cicatrizes de seu passado e os segredos que guardava podiam ser lidos nos olhos dela — e Kael sabia que ela não era de compartilhar facilmente suas fraquezas. Mas ele sentia que estava chegando perto de entender quem ela realmente era, e isso despertava algo dentro dele, algo que ele não conseguia controlar.— Você me preocupa, Lírica. — A voz de Kael cortou o silêncio.Ela viro
Kael estava em silêncio, sentado à beira do riacho que serpenteava pela floresta, suas mãos firmemente apertadas ao redor da adaga. A água refletia as estrelas, mas a mente dele estava longe dali, perdida em pensamentos que o atormentavam desde o momento em que ele usou a energia do altar. Ele sentia algo diferente dentro de si, algo que ele não conseguia controlar, uma força crescente que estava apenas começando a se manifestar.Mas o que mais o inquietava não era a mudança que ele estava experimentando, mas sim Lírica. Ela estava em algum lugar nas proximidades, o calor de sua presença ainda tocando sua alma. O beijo que eles haviam compartilhado, uma explosão de emoções e desejos reprimidos, era uma chama que ele temia não conseguir apagar. Não agora, não depois de tudo o que haviam vivido juntos.Ele sentiu, antes de vê-la, o som dos passos dela. Ela estava ali, parada, observando-o com um olhar que transmitia uma mistura de dúvidas e intenções que ele não sabia como decifrar. O v
A madrugada havia chegado, e a floresta parecia respirar com um peso diferente, como se ela soubesse do iminente conflito que se aproximava. O ar estava carregado de uma eletricidade densa, uma sensação inquietante que Kael não conseguia afastar, mesmo enquanto se preparava para o que viria a seguir. Lírica estava ao seu lado, sua presença forte e inabalável, mas havia algo de tenso em seu comportamento. Ela se mantinha calma, mas os olhos, que antes brilhavam com a confiança de uma líder, agora estavam sombrios, como se algo a estivesse corroendo por dentro.Kael observava Lírica em silêncio, seu peito apertado com um desejo que parecia não ter fim. Mas não era apenas o desejo físico que o dominava. O que ele sentia por ela era algo mais profundo, mais selvagem, algo que o fazia querer protegê-la a todo custo. Ele sabia que, se a batalha fosse perdida, se algo acontecesse com ela... o vazio que ele sentiria não teria cura.Ele não sabia como isso aconteceu, nem quando, mas os sentime
A floresta estava envolta em uma quietude sinistra, a paz anterior substituída por uma tensão palpável. Kael respirava pesadamente, seu corpo coberto de suor, os músculos tensos enquanto ele tentava controlar a energia selvagem que pulsava dentro dele. Ele nunca soubera que poderia sentir uma força tão imensa, tão avassaladora, e, ao mesmo tempo, tão perigosa. Ele sentia como se fosse engolido por essa energia, algo que ele não poderia dominar completamente.Os inimigos ao seu redor — lobos corrompidos e criaturas distorcidas — recuavam diante de sua força, mas Kael sabia que a maior batalha ainda estava por vir. Ele sentia o poder dentro de si como uma chama que queimava, queimava, queimava, prestes a consumir tudo em seu caminho. E, ao lado dele, estava Lírica, sua presença inconfundível e poderosa, mas seus olhos carregavam uma inquietação crescente. Kael podia sentir isso como se fosse um toque no ar. Ela sabia o que estava em jogo, e, pior, sabia o quanto ele estava se arriscando
O silêncio após a explosão era ensurdecedor. A floresta, antes viva com o som da batalha, agora parecia um vácuo, um espaço onde nem mesmo o tempo ousava se mover. Kael estava de joelhos, sua respiração entrecortada e dolorosa, o corpo tremendo como se tivesse sido esvaziado de toda força. Ele mal conseguia levantar a cabeça, mas sentia o calor da presença de Lírica ao seu lado.Lírica estava caída a alguns metros, seus olhos fixos nele. Havia um corte profundo em sua testa, e seu braço esquerdo parecia ferido, mas sua determinação permanecia intacta. Ela se arrastou até Kael, ignorando a dor que irradiava por todo o seu corpo. Quando finalmente o alcançou, ela segurou o rosto dele entre as mãos, forçando-o a olhar para ela.— Kael... — Sua voz era um sussurro, mas carregava uma urgência que perfurava o coração dele. — Você está bem? Fala comigo.Os olhos de Kael, normalmente tão vibrantes, agora estavam sombrios, como se a energia que ele havia liberado tivesse levado algo essencial
A luz trêmula da fogueira projetava sombras dançantes nas paredes da caverna, mas a figura que surgiu na entrada interrompeu o momento de calma entre Kael e Lírica. Ambos se levantaram, os sentidos aguçados, como predadores prontos para a batalha. A tensão no ar era quase sufocante.A sombra moveu-se lentamente para dentro da caverna, revelando uma figura que parecia tanto humana quanto algo além disso. Um homem alto, com traços marcados por cicatrizes antigas e olhos que brilhavam com um tom amarelado anormal. Ele usava uma capa preta desgastada, e seu cheiro era um misto de terra, sangue e algo indistinguível, mas inquietante.— Quem é você? — Lírica perguntou, sua voz carregada de autoridade, mesmo enquanto o instinto lhe dizia que essa figura era perigosa.O homem deu um passo à frente, revelando mais de si. Seu sorriso era calculado, mas havia algo de perturbador nele.— Meu nome é Aedan, e se vocês desejam sobreviver ao que está por vir, vão querer me ouvir.Kael deu um passo à