A dor ainda queimava nas entranhas de Kael. Cada fibra do seu corpo clamava pelo que ele havia perdido. Sua conexão com a lua, com sua natureza lupina, agora não passava de um eco distante.Lírica segurava seu rosto com ambas as mãos, os olhos dela cheios de uma mistura de medo e fúria.— O que você fez? — a voz dela era pouco mais do que um sussurro, mas carregava uma tempestade por trás dela.Kael forçou um sorriso cansado, seus dedos roçando na pele quente de Lírica.— Eu escolhi você, Lírica. Escolhi nossa matilha.Ela fechou os olhos por um breve instante, respirando fundo. Quando os abriu novamente, Kael viu neles algo que não esperava: lágrimas.— Mas a que custo, Kael? — sua voz estava embargada. — O que você é agora?Kael não tinha essa resposta. Ele sentia cada músculo de seu corpo funcionar, sua mente ainda alerta, mas havia algo estranho, como se uma parte vital dele tivesse sido arrancada. A lua cheia ainda brilhava no céu, mas sua luz parecia distante, como se ele estive
O rugido se espalhou pelo vale como um trovão. Kael sentiu um arrepio percorrer sua pele, uma sensação densa e gelada rastejando por sua espinha. Lírica recuou, instintivamente assumindo uma postura de defesa, os olhos faiscando com um brilho dourado intenso.— O que é isso? — ela perguntou, olhando para Malthus.O mago se virou para o horizonte, seu semblante sombrio.— Algo que não deveria ter sido acordado.Kael deu um passo à frente, sentindo o peso de seu novo estado. Não havia mais o instinto selvagem pulsando em suas veias, mas algo diferente, algo que se enraizava em sua carne e pulsava em um ritmo sombrio.Do meio das árvores retorcidas, uma criatura emergiu. Sua pele era escura como a noite, seus olhos brilhavam com um vermelho espectral. Ela não era um lobo, nem um humano. Era uma fusão de sombras e ódio, uma entidade que parecia ter sido tecida a partir do próprio abismo.Lírica rosnou, os músculos tensos.— Nunca vi algo assim.Kael sentiu um impulso inexplicável dentro d
O chão da floresta parecia tremer sob os pés de Kael, como se a própria terra estivesse reagindo à mudança dentro dele. O brilho negro que agora se espalhava por sua pele pulsava como um coração sombrio, batendo em um ritmo profundo e implacável. Cada respiração que ele tomava trazia consigo uma sensação nova, uma sensação que ele não conseguia definir, mas que sabia que o transformava. Ele sentia algo dentro de si, algo antigo e desconhecido, tomando forma. Não era apenas poder; era uma essência, uma presença que se fundia com sua alma.Ao seu lado, Lírica sentia a diferença. Ela não sabia o que Kael havia se tornado, mas estava certa de que ele já não era o mesmo. A fúria de antes, aquela força bruta e selvagem, agora era substituída por algo mais sombrio, mais enigmático. Ela apertou o braço dele, como se temesse que ele fosse se romper com a realidade, com a vida que conheciam.— Como se sente? — perguntou Lírica, sua voz suave, mas carregada de preocupação.Kael fechou os olhos p
A madrugada ainda não havia se dissipado completamente quando Kael e Lírica começaram a caminhar pela floresta. O som dos passos era abafado pela espessa camada de folhas secas, mas Kael podia sentir os olhos da floresta sobre eles. Cada movimento, cada respiração parecia amplificado. Ele se sentia como uma marionete, mas ao mesmo tempo, como o próprio mestre das cordas. Algo dentro dele o puxava, como se a floresta estivesse tentando guiá-lo, ou talvez, alertá-lo.Lírica caminhava ao seu lado, silenciosa, observando-o com cuidado. A energia negra que ainda envolvia Kael era palpável, e ela não podia deixar de se perguntar o que exatamente ele havia se tornado. O brilho de seus olhos não era mais o de um lobo, mas de algo mais profundo, mais inquietante.— Kael... — A voz de Lírica cortou o silêncio, suave, mas firme. — Você não percebe o que isso pode significar?Kael parou de repente, seus olhos se fixando no vazio à frente. Ele podia sentir a mudança. O poder dentro de si não era a
Capítulo 1: O Uivo na EscuridãoA lua cheia pairava no céu, uma esfera prateada que iluminava a floresta com um brilho fantasmagórico. O vento soprava entre as árvores antigas, carregando o cheiro de terra molhada e madeira queimada. Para Kael, era apenas mais uma noite solitária — o tipo de noite que havia se tornado tão familiar quanto o som de seu próprio batimento cardíaco.Ele caminhava entre as sombras, sua forma lupina quase indistinguível do ambiente ao redor. O pelo negro como carvão o tornava invisível à luz da lua, mas seus olhos brilhavam em um tom dourado que denunciava sua presença para qualquer um que olhasse de perto. Não que houvesse alguém por perto. A essa altura, Kael já sabia que ninguém ousava se aventurar tão profundamente na floresta proibida, um território que até mesmo as alcateias evitavam.Ele não tinha escolha. Como renegado, o exílio era sua única opção. E essa floresta — perigosa e imprevisível — era o único lugar onde ele podia existir sem medo constant
A floresta parecia respirar ao redor deles, viva com sons sutis que apenas os lobos podiam captar. Galhos se curvavam com o peso do vento, folhas dançavam no ar, e, ao longe, o uivo de uma coruja cortava o silêncio. Kael mantinha a postura rígida enquanto Lírica se apoiava em seu braço, os passos dela hesitantes, mas teimosos.O cheiro de sangue ainda pairava no ar, um lembrete de que a batalha havia sido vencida, mas não a guerra.— Você está desacelerando — Kael comentou, sem olhar para ela.Lírica soltou um suspiro exasperado, erguendo o queixo.— Eu estou ferida, não morta.Ele lançou um olhar de canto de olho, o brilho dourado de seus olhos visível mesmo sob as sombras.— Por enquanto.Ela ignorou o comentário. Lírica não era do tipo que demonstrava fraqueza, mesmo quando cada passo fazia sua visão escurecer por um instante.— Quanto tempo até chegarmos ao vale? — perguntou ela, tentando soar firme.Kael não respondeu imediatamente. Ele conhecia bem a floresta e sabia que o camin
A manhã chegou silenciosa, trazendo consigo uma névoa densa que se espalhava pelo vale como um manto. A luz pálida do sol mal atravessava as árvores altas, e o abrigo de pedra parecia ainda mais isolado.Kael observava a pequena fogueira que haviam acendido dentro da cabana, os olhos fixos nas chamas dançantes. Ele não confiava naqueles novos lobos, especialmente em um deles — um jovem chamado Eryon, cuja postura rígida e olhar evasivo o deixavam desconfortável.Lírica, por outro lado, parecia mais serena. Apesar de suas feridas ainda não estarem totalmente curadas, ela já havia começado a traçar um plano.— Precisamos nos mover antes que a noite caia — disse ela, sua voz firme, mas baixa o suficiente para não despertar suspeitas.Kael inclinou-se contra a parede da cabana, cruzando os braços.— Ótimo. Vamos direto para a boca do lobo.Lírica lançou-lhe um olhar impaciente.— Se não recuperarmos o artefato, Darius vai nos encontrar de qualquer forma. Ele já está nos caçando, Kael. Não
Capítulo 4: A Chama que Nunca Se ApagaA Floresta Proibida nunca fora um lugar de paz, mas naquele momento, ela parecia respirar com uma vida própria, como se o próprio ambiente soubesse que algo grandioso — e fatal — estava prestes a acontecer. A cada passo que Kael dava, ele sentia o peso do destino em suas costas, mais pesado do que qualquer batalha que já tivesse enfrentado. Ele olhou para Lírica, que estava a alguns metros à frente, e, por um momento, o silêncio entre eles falou mais do que palavras poderiam dizer.Lírica, apesar de sua aparência fria e imperturbável, carregava consigo o peso do mundo. As cicatrizes de seu passado e os segredos que guardava podiam ser lidos nos olhos dela — e Kael sabia que ela não era de compartilhar facilmente suas fraquezas. Mas ele sentia que estava chegando perto de entender quem ela realmente era, e isso despertava algo dentro dele, algo que ele não conseguia controlar.— Você me preocupa, Lírica. — A voz de Kael cortou o silêncio.Ela viro