Já na madrugada, a deusa da beleza ainda não tinha conseguido dormir. Se revirava de um lado para o outro na cama. As nuvens se dissiparam e a forte luz do luar voltou a irradiar, iluminando o quarto dela. Sentindo-se chamada pelo astro noturno, ela foi até a janela e admirou aquele esplêndido corpo celeste.
– Você é livre para percorrer esse imenso céu. E eu?
A jovem garota suspirou desanimada. Sem muito o que fazer, começou a observar os jardins e mais abaixo pequenos pontos distantes de luz. Era Olímpia, o reino dos deuses. A bela desejou ser livre, com todo seu coração e alma.
E na impulsividade de seus catorze anos, ela decidiu sair de seu refúgio para ver como eram as pessoas que estavam tão próximas dela. Do alto da janela de seu templo, a visão do jardim. Pular seria impossível, devido à altura. A única forma de se arriscar a sair seria pela lateral, onde havia uma oliveira. Mas, por se tratar de uma árvore de baixa estatura, só serviria para suavizar sua queda. Para retornar, deixaria improvisado alguns lençóis amarrados para servirem de corda.
Subiu, então, no peitoril da estreita janela. Estava com muito medo. Olhou novamente para a lua e pediu forças para seguir em frente. Tremendo muito, ela se esgueirou pela lateral da construção e no que achou que já tinha condições, saltou de uma só vez engolindo a seco o grito de pavor. Ao sentir seu corpo tocar a folhagem, fechou os olhos e com suas delicadas mãos tentou agarrar os galhos.
Seu plano não funcionou como esperava. Aterrissou de bruços no espesso tronco da árvore. Estava bastante dolorida. Mas, a alegria por ter conseguido sair de seus aposentos era maior do que qualquer dor que pudesse estar sentindo.
Imediatamente pulou até o chão e correu. Correu desesperadamente com medo de ser descoberta. Foi em direção à base da montanha, onde se localizava a cidade. Sem rumo, ela acabou chegando ao cais. As ruelas desconhecidas pareciam um labirinto para a menina. Estava ofegante e ávida por conhecer o local.
De repente, um homem que vagava sozinho se aproximou dela. Ela estava parada sob a luz da lua cheia, e ele se encantou imediatamente dizendo algumas palavras bonitas. Vênus ficou maravilhada com a fascinação dele por ela. Apreciou muito aquela sensação.
Mas, quando o homem tentou tocá-la, ela se desesperou e partiu muito assustada de volta pelo caminho que havia feito. No entanto, toda aquela mistura de intensas sensações, inflamou seu ego e ela ansiava ser desejada novamente.
Muito exaurida, ao chegar sob a janela de seus aposentos, percebeu que daria muito trabalho escalar até o topo. Mas precisava fazer isso rapidamente, pois os céus já davam indícios de que a manhã logo chegaria.
Subiu a oliveira a fim de alcançar o lençol. Se agarrou e começou a projetar seu corpo para cima. Buscou energia de sua alma para aguentar a escalada. Seus braços tremiam e parecia que a qualquer momento ela escorregaria de encontro ao chão. Muito persistente, ela conseguiu, mas tinha certeza de que se quisesse sair de novo deveria melhorar sua estratégia.
Ao pular para dentro, ouviu Amú.
– Bom dia, senhorita! O desjejum vai ser servido.
– Só um momento, Amú. Estou no banho.
Vênus despiu-se rapidamente e pôs-se a limpar seu corpo. Sentiu uma leve ardência em vários arranhões espalhados por seus braços e pernas. Precisaria de uma roupa que cobrisse esses pequenos ferimentos.
Muito rápida, ela se preparou e sentou-se à mesinha próxima a janela, autorizando que a criada trouxesse a refeição. Aproveitou o momento e ditou para ela uma lista de materiais que ela gostaria que fossem providenciados.
Aparentemente ninguém percebeu a ausência da deusa do amor naquela madrugada.
Os dias passaram com Vênus criando novas vestimentas para si mesma e, nas noites, ela elaborava uma corda com encaixes para os pés. Assim suas saídas seriam facilitadas.
Dois meses passaram. Athena estava introspectiva nos últimos dias. A mansidão da irmã à preocupava. Diante disso, chamou Amú.– Em que posso ser útil, minha senhora?– Como está a Vênus?– Ultimamente ela está bem entretida com sua arte. Tem pedido materiais diversos com bastante frequência.– Que bom! E como estão as coisas pela cidade?– Os demais soldados não reportaram nenhum problema. Porém, há relatos de que uma entidade misteriosa tem surgido nos arredores do cais às noites de luar.– E como descrevem tal entidade?– Aqueles que a veem apenas dizem ser belíssima e encantadora. Os contatos são muito rápidos.– Então é uma entidade feminina? – Athena ficou muito intrigada. – As pessoas conseguem interagir com ela?– Sim, minha senhora! Os relatos são muito breves e todos provenientes de homens. A entidade surge e em poucos minutos desaparece. Apesar de deixar os indivíduos atordoados e com vagas lembranças, não faz mal a ninguém.– Entendi. Faça-me o favor de convocar Shakina, Io
Enquanto Zeus consolava Athena, a jovem Vênus percorreu os corredores do palácio afim de buscar um novo sentido para sua vida. Ao passar rapidamente por Iolo, o soldado se assustou com o vulto da bela correndo desesperadamente e gritou para que ela parasse. Em vão. Quando ele ameaçou correr atrás dela, ouviu uma voz o chamando.– Espere, Iolo!– Você viu aquilo? Quem era?– Era Vênus. E Athena deu ordens de não irmos atrás dela.– Como assim? O que está acontecendo aqui?– Vênus é a entidade que tem aparecido na cidade. Arantis foi designado para investigar o que estava acontecendo em nosso território. De alguma forma ela vinha fugindo sem que eu me desse conta. E agora, parece que se rebelou e os deuses não conseguem mais mantê-la aprisionada.– E o que faremos agora?– As ordens não mudaram. Devemos manter nossos postos e vigilância.– Está certo. – Iolo observou o caminho pelo qual Vênus tinha escapado e retornou para sua posição.Vênus adorava as noites de lua cheia porque todos p
Athena ficou atônita com o pedido da irmã. Por um instante a fitou. Vênus estava eufórica e ansiosa por ouvir sua resposta.– Me diga Vênus: de onde surgiu essa ideia repentina de querer lutar?A deusa do amor suspirou. Não queria dizer para a irmã o que tinha se passado com ela naquela madrugada. Provavelmente ouviria um prolongado sermão.– Minha querida, irmã... o que posso dizer é que realmente estou determinada a aprender a lutar e persistirei até alcançar meu objetivo. – Vênus respondeu muito séria. Apesar disso, Athena ainda não acreditava nas intenções dela. Mas como a amava muito, resolveu apoia-la.– Está bem. O que eu posso fazer para ajudá-la?– Gostaria que você me ajudasse a organizar um jantar para me apresentar aos soldados de Olímpia.– O quê? Nem pensar.– Qual o problema, Athena?– Você está tentando inventar meios de fugir de sua clausura. Por isso veio com essa história sem cabimento de querer lutar.– Eu não estou inventando nada. Já ficou bem claro que eu não ac
Vênus estava jogada em sua cama, com os pés agitados balançando de um lado ao outro, ora olhando para o teto ora observando de cabeça para baixo o vestido que estava no manequim. Era o que ela tinha feito para sua irmã. “Perfeito”, ela refletiu.Mas ao se dar conta de que faltavam apenas dois dias para o jantar e ela nem sequer tinha começado a fazer a própria vestimenta, ficou nervosa. Como faria algo que a deixasse bela e ao mesmo tempo ocultasse seu rosto?Seus pensamentos se perderam nesse pedido incompreensível de Athena. Não podia ter espelhos, as pessoas não podiam vê-la. Por quê?Tinha certeza de que era bela. Por um instante chegou a pensar que talvez a irmã tivesse inveja de sua beleza. Franziu a testa e levantou-se abruptamente como se quisesse espantar aqueles pensamentos tolos.– Minha irmã me ama! Há de ter outro motivo. Agora o que importa é fazer algo triunfal para mim. – Discutiu sozinha, a deusa do amor.Havia alguns livros sobre a escrivaninha de Vênus. Voltou a fol
Finalmente o dia do jantar planejado por Vênus tinha chegado. Tudo já estava organizado, deixando assim, o dia livre para as duas irmãs se dedicarem a si mesmas para o evento tão aguardado.Pela manhã, as duas adolescentes estavam em uma terma particular. Elas se banhavam nuas sob a suave luz do sol primaveril, em uma água morna perfumada com óleos e flores. Entre rosas, lichias e magnólias as deusas relaxavam e conversavam.– Vênus, você tem certeza que vai partir em treinamento? – No fundo de seu coração, Athena ainda queria fazer a irmã desistir de seus planos.– Tenho sim, irmã. Não há outra coisa que eu mais queira no momento.– Me diga, por favor, o que te fez desejar isso? – Athena queria entender o motivo que impulsionava Vênus a seguir por esse caminho imprevisível.Vênus ficou em silêncio por um tempo. Suspirou. Recordou-se da noite em que quase tinha sido ferida por um estranho, da jovem que a alertara sobre os perigos da noite e do medo e desalento que ainda sentia.– Quer
Todos ficaram apreensivos, esperando pela entrada da deusa. Caminhando delicadamente, Vênus surgiu, trajando um encantador vestido charmeuse cor de vinho, de um ombro só, bem marcado na cintura e com uma fenda na perna direita. Parecia uma sereia, estava muito sedutora. Para completar o seu visual, usava contas de pérolas em seu lindo cabelo castanho claro, levemente ondulado. Para ocultar seu rosto, como sua irmã havia pedido, ela usava um lenço semitransparente que cobria seu nariz e boca.A jovem parou por um instante e fez uma reverência aos convidados, sem nada falar. Continuou sua caminhada até chegar no local em que sua irmã estava.Athena ficou estarrecida com as vestes de Vênus. Sussurrou ao ouvido dela:– Está vestida de uma forma muito ousada.– Que bom que você gostou, irmãzinha. Você está linda também. – Vênus respondeu de forma sarcástica esperando que a irmã se contivesse.Um brinde foi feito em nome de Athena e Vênus.A aparência da jovem Vênus deixou a todos estontead
Na manhã seguinte, ao som do canto melodioso de vários pintassilgos que rodeavam por entre o jardim e a janela do quarto de Vênus, ela ainda se encontrava em sono profundo.Estranhando que a irmã ainda não tinha aparecido, conforme tinham combinado, Athena foi procurá-la em seu templo.Ao encontrar Vênus, ainda debruçada em sua cama e toda descoberta, Athena suspirou. Sentou-se ao lado dela e começou a balançar seu tronco a fim de que despertasse.– Acorde, Vênus! – Athena falou com doçura.Vênus despertou aos poucos.– Irmã?– Levante, vamos! Você já está atrasada para seu compromisso.– Ah! Não! Perdi a hora.Vênus deu um salto da cama e correu para tomar um banho. Athena a acompanhou e continuou conversando com a bela.– Gostou do jantar?– Eu adorei, irmã. Foi inesquecível. Gostei de todos, foram muito amáveis comigo. Fiquei tão feliz que custei a pegar no sono. É tão bom poder desfrutar da companhia de outras pessoas.– É verdade. Foi uma noite muito agradável mesmo. E você já de
Enquanto isso, no antigo campo de treinamento dos soldados, localizado em uma zona isolada na base do monte Olimpo, Iolo aguardava a chegada do mestre Moshi, conforme tinha sido avisado logo pela manhã pelo mensageiro Mimi. Ele estava bastante curioso para saber o que o mestre queria apenas com ele. Naquele momento, o jovem soldado estava bastante inquieto. A cerimônia da noite passada o tinha deixado estremecido. Vênus tomava todo o seu ser. O sentimento que tinha era de que estava enfeitiçado. Mal sabia ele o que o esperava.Perdido em seus pensamentos, avistou duas pessoas se aproximando. Logo reconheceu mestre Moshi.– A que devo a honra de ser convocado por meu mestre? – Iolo se levantou e logo fez uma reverência ao senhor.– Vim em nome de Athena, soldado! Fiquei encarregado de te dar uma missão.Iolo o ouvia atentamente sem dar atenção a acompanhante do mestre Moshi que continuou:– Essa menina que está aqui comigo se chama Ayume e foi designada pelos deuses para ser treinada c