Finalmente o dia do jantar planejado por Vênus tinha chegado. Tudo já estava organizado, deixando assim, o dia livre para as duas irmãs se dedicarem a si mesmas para o evento tão aguardado.
Pela manhã, as duas adolescentes estavam em uma terma particular. Elas se banhavam nuas sob a suave luz do sol primaveril, em uma água morna perfumada com óleos e flores. Entre rosas, lichias e magnólias as deusas relaxavam e conversavam.
– Vênus, você tem certeza que vai partir em treinamento? – No fundo de seu coração, Athena ainda queria fazer a irmã desistir de seus planos.
– Tenho sim, irmã. Não há outra coisa que eu mais queira no momento.
– Me diga, por favor, o que te fez desejar isso? – Athena queria entender o motivo que impulsionava Vênus a seguir por esse caminho imprevisível.
Vênus ficou em silêncio por um tempo. Suspirou. Recordou-se da noite em que quase tinha sido ferida por um estranho, da jovem que a alertara sobre os perigos da noite e do medo e desalento que ainda sentia.
– Querida irmã, eu não compreendo por que você e papai querem me manter afastada do mundo, presa em meu templo. Mas confesso que tenho consciência de que foi errado eu fugir. Minha escolha teve consequências. Percebi que sou tola e fraca.
Athena ficou surpresa com as palavras e seriedade de sua irmã.
– Alguém te fez algum mal? – Athena estava temerosa de que algo ruim tivesse acontecido com sua irmã nas noites que ela fugia.
– Não. Ninguém me fez nenhum mal. Não se preocupe, irmã. Porém, aprendi que coisas ruins podem acontecer a qualquer momento e eu não estou preparada para enfrentá-las. Não tenho dúvidas de que papai é um deus poderoso e você sempre está cercada de soldados dispostos a dar a vida por você. Mas, e eu? Eu não tenho ninguém que lute por mim ou comigo.
De repente, Vênus entristeceu-se. Athena se comoveu com as palavras inesperadas de sua irmã. Não imaginava que ela se sentisse tão amargurada.
– Vênus, você não está sozinha. Eu sempre estarei ao seu lado. Meus soldados são seus também.
– Ora, Athena! Como podem ser meus soldados se não tem permissão sequer para me olhar? Eles nem podem falar comigo. Obedecem somente às suas ordens.
– Eu vou pensar numa forma de reverter essa situação. Acredite, tudo que está acontecendo está sendo bem difícil para eu administrar. Você está se rebelando, garotinha!
Vênus sorriu. Athena começou a jogar água em seu rosto e as duas ficaram ali brincando como no passado, como duas meninas ingênuas.
***
A noite havia chegado e com ela a bela lua cheia que transformou o pátio da recepção numa admirável pintura pitoresca. Tochas decorativas iluminavam os caminhos e os convidados começaram a chegar. Todos os convocados compareceram e estavam ansiosos, curiosos e felizes por finalmente conhecer a outra jovem deusa do Monte Olimpo.
Tebas estava lutando contra sua gravata borboleta que parecia querer estrangulá-lo. Rindo do melhor amigo, Milo se pôs em frente ao desajeitado jovem e refez perfeitamente o nó, deixando o mais velho dos soldados encabulado e corado.
– Espero que não vire rotina esse tipo de evento. Detesto essa roupa. – Tebas estava muito desconfortável.
– Relaxa, soldado. Depois, há de ter muita ajuda para tirar isso tudo. – Milo o cutucava apontando para as criadas que estavam admiradas com a elegância dos jovens guerreiros.
Tebas ficou animado num instante e se alinhou com orgulho. A atenção deles logo se voltou para a entrada, pois chegaram Shakina, Iolo e Amú, acompanhados por seu mestre Moshi.
Estavam muito felizes com a presença do senhor que os treinou e os formou soldados de Olímpia. Era como um pai para aqueles meninos órfãos que sobreviveram em meio a desesperança.
– Olha só quem encontramos na cidade! – Amú disse a Tebas e Milo que logo abraçaram seu mestre.
– Não acredito que até o senhor foi convocado? Após o jantar poderíamos lutar um pouco para relembrar os bons tempos!
– Tempos em que eu te dava uma surra, rapaz! – Moshi deu um puxão de orelha em Tebas.
– Que isso, mestre! – Tebas ficou envergonhado.
– Muita coragem a sua chamar o mestre para o combate. Nem sequer treina mais. Vai cair em segundos. – Milo comentou.
– Que isso, cara! Você é meu amigo ou não? – Tebas deu um pescoção em Milo.
– Só estou falando a verdade. Vai com calma.
– Muito me admira um discípulo meu fora de forma. E você, Milo, treina diariamente?
– Bem, mestre, diariamente é bem complicado sabe! – Milo ficou sem jeito de dizer que não treinava mais também.
– Soldados, prestem atenção! Treinar é fundamental. Mantém o condicionamento vital. Se precisarem agir, estarão prontos.
– Mas prontos para quê? Não acontece nada nesse lugar? Quem seria imbecil de se meter a besta com Zeus? – Tebas replicou.
– Não hajam como tolos, soldados. Eis que vos digo: o momento da batalha está mais próximo do que vocês imaginam.
Os cinco soldados ficaram intrigados com a fala do mestre. Mas naquele instante chegou Arantis, quebrando o incômodo silêncio que havia se instalado entre eles.
– Boa noite, soldados! – Arantis logo reconheceu o mestre e fez reverência. – Boa noite, mestre Moshi. É uma honra conhecê-lo!
– Boa noite. Você é o atual campeão do Grande Torneio de Olímpia, não é?
– Sim. Sou Arantis! Protetor de Athena. – Arantis estava todo orgulhoso de seu posto.
– E me diga uma coisa, Arantis, você treina todos os dias?
Arantis foi pego de surpresa com o questionamento. Os cinco soldados o fitaram aguardando sua resposta.
– Não, senhor. – Arantis respondeu quase sussurrando.
Mestre Moshi bufou e se pôs a caminhar em direção à mesa reservada para ele.
– Que vergonha, hein, tampinha. E você ainda se diz protetor de Athena. – Tebas deu um cascudo em Arantis.
– Deixe o rapaz em paz, Tebas. – Shakina se manifestou. – Todos nós estamos em dívida com nossos treinamentos.
Naquele momento a criada Marine solicitou atenção dos convidados, pois as anfitriãs logo entrariam no salão.
Os seis soldados e o mestre Moshi se posicionaram de frente para e entrada principal, a fim de recepcionar Athena e Vênus. Eles receberam bebidas para celebrar a chegada das duas.
Marine anunciou a entrada de Athena. Ela estava em um lindo vestido azul em dois tons, com decote coração e alças bem fininhas. Apesar de não se sentir muito à vontade com aquele tipo de roupa, não podia negar que sua irmã sabia valorizar o corpo feminino ao construir suas belas roupas, trazendo confiança e empoderamento a quem as vestisse.
Quando entrou, foi muito elogiada por sua beleza e elegância. Todos brindaram à Athena. Arantis ficou particularmente encantado com a deusa e ficou feliz por ter ido bem vestido e ficar à altura de sua querida senhora.
Era chegada, finalmente, a hora de Vênus ser apresentada. Marine prosseguiu:
– Amigos, depois de anos vivendo sob a proteção dos deuses é com muito prazer que vos apresento a deusa da beleza e do amor: Vênus!
Todos ficaram apreensivos, esperando pela entrada da deusa. Caminhando delicadamente, Vênus surgiu, trajando um encantador vestido charmeuse cor de vinho, de um ombro só, bem marcado na cintura e com uma fenda na perna direita. Parecia uma sereia, estava muito sedutora. Para completar o seu visual, usava contas de pérolas em seu lindo cabelo castanho claro, levemente ondulado. Para ocultar seu rosto, como sua irmã havia pedido, ela usava um lenço semitransparente que cobria seu nariz e boca.A jovem parou por um instante e fez uma reverência aos convidados, sem nada falar. Continuou sua caminhada até chegar no local em que sua irmã estava.Athena ficou estarrecida com as vestes de Vênus. Sussurrou ao ouvido dela:– Está vestida de uma forma muito ousada.– Que bom que você gostou, irmãzinha. Você está linda também. – Vênus respondeu de forma sarcástica esperando que a irmã se contivesse.Um brinde foi feito em nome de Athena e Vênus.A aparência da jovem Vênus deixou a todos estontead
Na manhã seguinte, ao som do canto melodioso de vários pintassilgos que rodeavam por entre o jardim e a janela do quarto de Vênus, ela ainda se encontrava em sono profundo.Estranhando que a irmã ainda não tinha aparecido, conforme tinham combinado, Athena foi procurá-la em seu templo.Ao encontrar Vênus, ainda debruçada em sua cama e toda descoberta, Athena suspirou. Sentou-se ao lado dela e começou a balançar seu tronco a fim de que despertasse.– Acorde, Vênus! – Athena falou com doçura.Vênus despertou aos poucos.– Irmã?– Levante, vamos! Você já está atrasada para seu compromisso.– Ah! Não! Perdi a hora.Vênus deu um salto da cama e correu para tomar um banho. Athena a acompanhou e continuou conversando com a bela.– Gostou do jantar?– Eu adorei, irmã. Foi inesquecível. Gostei de todos, foram muito amáveis comigo. Fiquei tão feliz que custei a pegar no sono. É tão bom poder desfrutar da companhia de outras pessoas.– É verdade. Foi uma noite muito agradável mesmo. E você já de
Enquanto isso, no antigo campo de treinamento dos soldados, localizado em uma zona isolada na base do monte Olimpo, Iolo aguardava a chegada do mestre Moshi, conforme tinha sido avisado logo pela manhã pelo mensageiro Mimi. Ele estava bastante curioso para saber o que o mestre queria apenas com ele. Naquele momento, o jovem soldado estava bastante inquieto. A cerimônia da noite passada o tinha deixado estremecido. Vênus tomava todo o seu ser. O sentimento que tinha era de que estava enfeitiçado. Mal sabia ele o que o esperava.Perdido em seus pensamentos, avistou duas pessoas se aproximando. Logo reconheceu mestre Moshi.– A que devo a honra de ser convocado por meu mestre? – Iolo se levantou e logo fez uma reverência ao senhor.– Vim em nome de Athena, soldado! Fiquei encarregado de te dar uma missão.Iolo o ouvia atentamente sem dar atenção a acompanhante do mestre Moshi que continuou:– Essa menina que está aqui comigo se chama Ayume e foi designada pelos deuses para ser treinada c
Naquela manhã, mal o sol tinha surgido, Iolo já estava a porta do alojamento de Vênus. Ele batia insistentemente, mas ela não respondia. Vênus estava tão cansada que resistia a despertar. No susto, ouviu a voz de seu mestre e respondeu que já sairia. Rapidamente colocou o elmo na cabeça e saiu ainda com os olhos inchados. Ao encontrar Iolo, ele já parecia aborrecido.– Quando eu vir te encontrar, é para você já estar pronta!– Sim, mestre.– Vem comigo!Iolo começou a caminhar em direção à floresta.– Para onde vamos?– Para o seu local de treinamento.Vênus não conseguia acompanhar o ritmo de Iolo. O equipamento de proteção pesava bastante para ela. Mas tinha percebido uma vantagem em ficar para trás. Observava cada centímetro do corpo bem esculpido de Iolo. Ele usava uma calça preta que estava justa ao corpo e destacava sua boa forma. Ele também usava um colete semelhante ao dela, mas sem elmo, cotoveleiras ou joelheiras. Para ela, aquela caminhada estava sendo bem desgastante. Mata
Na manhã seguinte, Vênus respirou fundo e foi para a corda. Iolo a observava, como sempre sem muitas expectativas. Para sua surpresa, a manhã toda já tinha passado e a garota ainda permanecia na corda. Ele estava incrédulo e admirado com a concentração dela. As horas continuaram passando, com a tarde se aproximando do fim. Iolo estava impressionado. Quando mestre Moshi fez esse treinamento com ele, foram apenas por duas horas. A jovem aprendiz já estava a cerca de dez horas sobre aquela corda. Ele tinha a desafiado ficar por tanto tempo, pois tinha certeza de que seria impossível para ela conseguir.Na certeza da perseverança dela, deu o exercício por encerrado. Após um mês, Vênus finalmente havia conseguido concluir o desafio de Iolo. Ela vibrou de alegria.– Agora eu estou pronta para aprender a lutar!– Quem disse que você está pronta? Esse foi apenas o primeiro exercício.– Como? Eu não acredito que você vai ficar me enrolando com esses exercícios bobos.Iolo se irritou. Velozment
Iolo não estava conseguindo pegar no sono. Encontrava-se angustiado em meio a um turbilhão de emoções. Sua pupila não saía de sua mente. A imagem dela estirada ao chão, agonizando de dor, estava o deixando aflito. Ficava pensando em por que sua discípula o deixava tão desestabilizado. Só a sua presença já o incomodava demais. Em sua existência, apenas uma pessoa foi capaz de mexer tanto com seus sentimentos. Quando se recordava de tê-la em seus braços, lembrou-se de Vênus. O mesmo olhar inocente, o mesmo atrevimento ao provoca-lo. Tentava negar para si mesmo as suspeitas que vinham invadindo sua mente.Inquieto demais, levantou-se e foi até o casebre onde Vênus ficava. Ao se aproximar, notou que a porta ainda estava aberta, da mesma forma que deixou. Adentrando, ouviu os gemidos da garota. Tateou os móveis até encontrar o lampião. O acendeu. Ao iluminar o cômodo, avistou sua aluna. Se contorcia de dor e delirava. Próximo à cama, observou sangue. Sentiu um terrível remorso por tê-la ma
Marine e Athena se encontraram com Iolo que aguardava ansioso.– Como ela está? – O jovem soldado estava com um aperto insuportável no peito.– Ainda com febre, mas logo ficará bem. Precisa trocar os curativos dela esporadicamente.– Sim Marine. Eu farei. Muito obrigado pela sua ajuda.Athena solicitou que Marine fosse embora. A criada se retirou imediatamente.– Iolo, não sei como chegaram a esse ponto, mas que fique bem claro que não há justificativas para o que aconteceu aqui! Você é o tutor dela, seu mestre, seu responsável. Deve prezar pela vida dela e não o contrário. Tenha mais paciência. Ela realmente está disposta a se tornar uma guerreira, mesmo que pareça imatura, ela tem potencial.– Eu sei Athena. Ela está evoluindo bem. Sua força de vontade me surpreende todos os dias.– Que bom. Pelo menos uma qualidade você conseguiu ver nela. Cuide bem dela ou sentirá na pele a fúria dos deuses.Após dizer essas palavras Athena se retirou. Ao presenciar a preocupação da deusa com Ayum
Quando amanhecera, Iolo foi de encontro a sua discípula. Ficou surpreendido ao se deparar com a menina já o aguardando, sentada no primeiro degrau do casebre e toda equipada. Ao aproximar-se, estendeu a mão para ajudá-la a se levantar.Erguida, a frente de seu mestre, ela o cumprimentou com respeito.– Como está se sentindo hoje?– Me sinto melhor, mestre. – Vênus ainda tinha dificuldade para manter-se de pé, mas não queria demonstrar fraqueza.– Ótimo. De qualquer forma, ainda não está completamente recuperada. Vamos ficar por aqui mesmo. Pode se sentar. Vou te mostrar como eu luto. Apenas observe.Vênus acatou o pedido de seu mestre e se acomodou no mesmo lugar que estava antes. Ficou aliviada por não ter que fazer a caminhada floresta adentro. Sentia-se bastante cansada ainda.Iolo se posicionou de frente para o poente. Ficou em posição de descanso. E começou: olhou para a esquerda e fez uma defesa baixa com o braço esquerdo; avançou à frente com um passo e socando com a mão direit