Vênus estava jogada em sua cama, com os pés agitados balançando de um lado ao outro, ora olhando para o teto ora observando de cabeça para baixo o vestido que estava no manequim. Era o que ela tinha feito para sua irmã. “Perfeito”, ela refletiu.
Mas ao se dar conta de que faltavam apenas dois dias para o jantar e ela nem sequer tinha começado a fazer a própria vestimenta, ficou nervosa. Como faria algo que a deixasse bela e ao mesmo tempo ocultasse seu rosto?
Seus pensamentos se perderam nesse pedido incompreensível de Athena. Não podia ter espelhos, as pessoas não podiam vê-la. Por quê?
Tinha certeza de que era bela. Por um instante chegou a pensar que talvez a irmã tivesse inveja de sua beleza. Franziu a testa e levantou-se abruptamente como se quisesse espantar aqueles pensamentos tolos.
– Minha irmã me ama! Há de ter outro motivo. Agora o que importa é fazer algo triunfal para mim. – Discutiu sozinha, a deusa do amor.
Havia alguns livros sobre a escrivaninha de Vênus. Voltou a folhear todos. Eram sobre artes e vestimentas. Parava sempre em um determinado livro que ilustrava uma mulher com um vestido longo, vermelho vibrante e um lenço dourado em volta da cabeça. Nesse livro era contado, em forma de poesia, a ascensão de uma odalisca no antigo Império Turco-Otomano. Ficou intrigada, imaginando como seria o rosto daquela jovem que mesmo sendo retratada em várias páginas, sempre estava oculta sob lenços e véus.
Repentinamente sentiu-se inspirada. Começou a desenhar o croqui daquilo que se tornaria a sua vestimenta.
***
Na véspera da cerimônia, Athena foi conversar com seu pai.
– Com licença, papai! Posso entrar?
– Claro, minha filha.
– Por que deixou que Vênus seguisse adiante nessa intenção de aprender a lutar?
– Minha querida Athena, nós sabíamos que um dia teríamos que libertar Vênus de sua clausura para que ela por fim encarasse o seu destino. E o desejo dela de querer aprender a lutar vem do seu inconsciente de deusa que a está alertando para situações futuras. Dessa forma, também vai parar de ficar saindo por aí encantando mortais. Ela vai manter-se ocupada e com certeza vai amadurecer.
– O senhor realmente acredita que ela vai levar a sério esse desejo?
– Tanto acredito que dei meu consentimento. E espero que você também acredite nela. Athena, sua irmã precisa muito de sua ajuda, por tudo que nós sabemos que já aconteceu e principalmente pelo que está por vir.
– Está certo, papai. Já dei meu voto de confiança para Vênus. Farei tudo que puder para auxilia-la.
Athena se despediu de Zeus e retornou para seu templo. O poderoso deus sentiu que Athena ainda não estava plena de convicções sobre as intenções de Vênus.
A deusa do amor vivia no Monte Olimpo desde que era um bebê. Mas Athena nasceu em um dos vilarejos de Olímpia e lá viveu, como uma criança comum, até seus oito anos. Foi nessa época que sua consciência despertou para quem realmente ela era: a deusa da justiça.
Dessa forma, Zeus que acompanhava seu desenvolvimento à distância, a acolheu no Monte Olimpo cedendo-lhe um templo.
Ao conhecer Vênus, que tinha nove anos, as duas não se entenderam de cara. Nessa época Athena e Vênus compartilhavam personalidades agressivas.
Diante de tantos conflitos entre as irmãs, Zeus temia que elas não aceitassem uma a outra e acabassem se odiando. Assim, o convívio inicial delas não durou muito tempo.
Zeus aprisionou as duas em pequenas celas individuais onde elas deveriam meditar e refletir sobre seu comportamento e obediência.
Inconformadas, as duas meninas aprenderam da maneira mais difícil que não valeria a pena entrar em conflito, principalmente desagradando vosso pai.
Após quarenta dias, Zeus as libertou sob a condição de jamais brigarem novamente.
Aquele castigo assustador fora o suficiente para Athena se tornar obediente. Para Vênus, foi um ultraje. Jamais tinha sido castigada até que aquela menina definida como sua irmã tinha surgido em sua vida. O que lhe restava, era fingir obediência e suportar aquela convivência forçada.
Na mesma época em que as duas irmãs passaram a viver juntas no Monte Olimpo, cinco jovens meninos estavam treinando arduamente com o mestre Moshi, um poderoso aliado de Zeus e de passado desconhecido. Esses garotos foram educados para se tornarem soldados de Olímpia, denominação àqueles que deveriam dedicar suas vidas a proteger os deuses do Monte Olimpo.
Alguns anos depois, quando Athena tinha dez anos, ela teve uma lembrança terrível de sua última reencarnação. Imediatamente ela buscou auxílio com Zeus. Foi então que o deus do trovão confirmou para sua filha que todas as suas lembranças eram reais e solicitou que, independente do comportamento de Vênus, fosse paciente com sua irmã.
Athena acatou o pedido de seu pai. Mesmo após o castigo, Vênus ainda confrontava a irmã com frequência, mas como Athena não reagia as suas provocações, logo as duas começaram a conviver em paz. Athena sempre observava Vênus para tentar visualizar as boas qualidades que Zeus dizia que ela tinha, contudo, quando tentava se aproximar dela sempre era rejeitada.
Quando Vênus tinha por volta de dez anos, Zeus decidiu enclausura-la em definitivo. A menina demonstrava uma personalidade intratável e imersa em um profundo ressentimento. Foi um choque para a menina quando se deu conta de que seu próprio pai a confinou. Durante vários dias ela gritou em desespero, chorou, quebrou tudo que estava ao seu alcance, porém, ninguém vinha atender suas súplicas. Se passaram semanas, meses, anos. Por um tempo, Vênus se conformou.
Certo dia, ao se dar conta de uma nova habilidade que sua filha mais velha vinha adquirindo, Zeus solicitou que Vênus presenteasse sua irmã com o vestido mais encantador que ela pudesse criar. Como a tarefa era de seu agrado, Vênus assim o fez. Ao entregar o vestido para Athena, a deusa da justiça ficou encantada com o presente inesperado e com o gesto. Abraçou sua irmã que surpreendentemente retribuiu o abraço. Em agradecimento, Athena deu a Vênus o seu mais belo colar de pérolas. Desde então, a convivência das duas tem sido pacífica.
E também, desde essa época, Zeus e Athena compartilham um segredo a respeito do passado de Vênus.
Finalmente o dia do jantar planejado por Vênus tinha chegado. Tudo já estava organizado, deixando assim, o dia livre para as duas irmãs se dedicarem a si mesmas para o evento tão aguardado.Pela manhã, as duas adolescentes estavam em uma terma particular. Elas se banhavam nuas sob a suave luz do sol primaveril, em uma água morna perfumada com óleos e flores. Entre rosas, lichias e magnólias as deusas relaxavam e conversavam.– Vênus, você tem certeza que vai partir em treinamento? – No fundo de seu coração, Athena ainda queria fazer a irmã desistir de seus planos.– Tenho sim, irmã. Não há outra coisa que eu mais queira no momento.– Me diga, por favor, o que te fez desejar isso? – Athena queria entender o motivo que impulsionava Vênus a seguir por esse caminho imprevisível.Vênus ficou em silêncio por um tempo. Suspirou. Recordou-se da noite em que quase tinha sido ferida por um estranho, da jovem que a alertara sobre os perigos da noite e do medo e desalento que ainda sentia.– Quer
Todos ficaram apreensivos, esperando pela entrada da deusa. Caminhando delicadamente, Vênus surgiu, trajando um encantador vestido charmeuse cor de vinho, de um ombro só, bem marcado na cintura e com uma fenda na perna direita. Parecia uma sereia, estava muito sedutora. Para completar o seu visual, usava contas de pérolas em seu lindo cabelo castanho claro, levemente ondulado. Para ocultar seu rosto, como sua irmã havia pedido, ela usava um lenço semitransparente que cobria seu nariz e boca.A jovem parou por um instante e fez uma reverência aos convidados, sem nada falar. Continuou sua caminhada até chegar no local em que sua irmã estava.Athena ficou estarrecida com as vestes de Vênus. Sussurrou ao ouvido dela:– Está vestida de uma forma muito ousada.– Que bom que você gostou, irmãzinha. Você está linda também. – Vênus respondeu de forma sarcástica esperando que a irmã se contivesse.Um brinde foi feito em nome de Athena e Vênus.A aparência da jovem Vênus deixou a todos estontead
Na manhã seguinte, ao som do canto melodioso de vários pintassilgos que rodeavam por entre o jardim e a janela do quarto de Vênus, ela ainda se encontrava em sono profundo.Estranhando que a irmã ainda não tinha aparecido, conforme tinham combinado, Athena foi procurá-la em seu templo.Ao encontrar Vênus, ainda debruçada em sua cama e toda descoberta, Athena suspirou. Sentou-se ao lado dela e começou a balançar seu tronco a fim de que despertasse.– Acorde, Vênus! – Athena falou com doçura.Vênus despertou aos poucos.– Irmã?– Levante, vamos! Você já está atrasada para seu compromisso.– Ah! Não! Perdi a hora.Vênus deu um salto da cama e correu para tomar um banho. Athena a acompanhou e continuou conversando com a bela.– Gostou do jantar?– Eu adorei, irmã. Foi inesquecível. Gostei de todos, foram muito amáveis comigo. Fiquei tão feliz que custei a pegar no sono. É tão bom poder desfrutar da companhia de outras pessoas.– É verdade. Foi uma noite muito agradável mesmo. E você já de
Enquanto isso, no antigo campo de treinamento dos soldados, localizado em uma zona isolada na base do monte Olimpo, Iolo aguardava a chegada do mestre Moshi, conforme tinha sido avisado logo pela manhã pelo mensageiro Mimi. Ele estava bastante curioso para saber o que o mestre queria apenas com ele. Naquele momento, o jovem soldado estava bastante inquieto. A cerimônia da noite passada o tinha deixado estremecido. Vênus tomava todo o seu ser. O sentimento que tinha era de que estava enfeitiçado. Mal sabia ele o que o esperava.Perdido em seus pensamentos, avistou duas pessoas se aproximando. Logo reconheceu mestre Moshi.– A que devo a honra de ser convocado por meu mestre? – Iolo se levantou e logo fez uma reverência ao senhor.– Vim em nome de Athena, soldado! Fiquei encarregado de te dar uma missão.Iolo o ouvia atentamente sem dar atenção a acompanhante do mestre Moshi que continuou:– Essa menina que está aqui comigo se chama Ayume e foi designada pelos deuses para ser treinada c
Naquela manhã, mal o sol tinha surgido, Iolo já estava a porta do alojamento de Vênus. Ele batia insistentemente, mas ela não respondia. Vênus estava tão cansada que resistia a despertar. No susto, ouviu a voz de seu mestre e respondeu que já sairia. Rapidamente colocou o elmo na cabeça e saiu ainda com os olhos inchados. Ao encontrar Iolo, ele já parecia aborrecido.– Quando eu vir te encontrar, é para você já estar pronta!– Sim, mestre.– Vem comigo!Iolo começou a caminhar em direção à floresta.– Para onde vamos?– Para o seu local de treinamento.Vênus não conseguia acompanhar o ritmo de Iolo. O equipamento de proteção pesava bastante para ela. Mas tinha percebido uma vantagem em ficar para trás. Observava cada centímetro do corpo bem esculpido de Iolo. Ele usava uma calça preta que estava justa ao corpo e destacava sua boa forma. Ele também usava um colete semelhante ao dela, mas sem elmo, cotoveleiras ou joelheiras. Para ela, aquela caminhada estava sendo bem desgastante. Mata
Na manhã seguinte, Vênus respirou fundo e foi para a corda. Iolo a observava, como sempre sem muitas expectativas. Para sua surpresa, a manhã toda já tinha passado e a garota ainda permanecia na corda. Ele estava incrédulo e admirado com a concentração dela. As horas continuaram passando, com a tarde se aproximando do fim. Iolo estava impressionado. Quando mestre Moshi fez esse treinamento com ele, foram apenas por duas horas. A jovem aprendiz já estava a cerca de dez horas sobre aquela corda. Ele tinha a desafiado ficar por tanto tempo, pois tinha certeza de que seria impossível para ela conseguir.Na certeza da perseverança dela, deu o exercício por encerrado. Após um mês, Vênus finalmente havia conseguido concluir o desafio de Iolo. Ela vibrou de alegria.– Agora eu estou pronta para aprender a lutar!– Quem disse que você está pronta? Esse foi apenas o primeiro exercício.– Como? Eu não acredito que você vai ficar me enrolando com esses exercícios bobos.Iolo se irritou. Velozment
Iolo não estava conseguindo pegar no sono. Encontrava-se angustiado em meio a um turbilhão de emoções. Sua pupila não saía de sua mente. A imagem dela estirada ao chão, agonizando de dor, estava o deixando aflito. Ficava pensando em por que sua discípula o deixava tão desestabilizado. Só a sua presença já o incomodava demais. Em sua existência, apenas uma pessoa foi capaz de mexer tanto com seus sentimentos. Quando se recordava de tê-la em seus braços, lembrou-se de Vênus. O mesmo olhar inocente, o mesmo atrevimento ao provoca-lo. Tentava negar para si mesmo as suspeitas que vinham invadindo sua mente.Inquieto demais, levantou-se e foi até o casebre onde Vênus ficava. Ao se aproximar, notou que a porta ainda estava aberta, da mesma forma que deixou. Adentrando, ouviu os gemidos da garota. Tateou os móveis até encontrar o lampião. O acendeu. Ao iluminar o cômodo, avistou sua aluna. Se contorcia de dor e delirava. Próximo à cama, observou sangue. Sentiu um terrível remorso por tê-la ma
Marine e Athena se encontraram com Iolo que aguardava ansioso.– Como ela está? – O jovem soldado estava com um aperto insuportável no peito.– Ainda com febre, mas logo ficará bem. Precisa trocar os curativos dela esporadicamente.– Sim Marine. Eu farei. Muito obrigado pela sua ajuda.Athena solicitou que Marine fosse embora. A criada se retirou imediatamente.– Iolo, não sei como chegaram a esse ponto, mas que fique bem claro que não há justificativas para o que aconteceu aqui! Você é o tutor dela, seu mestre, seu responsável. Deve prezar pela vida dela e não o contrário. Tenha mais paciência. Ela realmente está disposta a se tornar uma guerreira, mesmo que pareça imatura, ela tem potencial.– Eu sei Athena. Ela está evoluindo bem. Sua força de vontade me surpreende todos os dias.– Que bom. Pelo menos uma qualidade você conseguiu ver nela. Cuide bem dela ou sentirá na pele a fúria dos deuses.Após dizer essas palavras Athena se retirou. Ao presenciar a preocupação da deusa com Ayum