Enderson Corduroy há muitos séculos escreveu sobre Gaia, a fada-mãe, criadora do mundo, poderosa, onipotente, que gerou seus filhos, as fadas, a partir de seu cristal mágico, conhecido como Omnistone. Corduroy também escreveu sobre Tyr, a humana, fraca, desprezível, só mais uma dentre milhões de outros escravos gigantes, conhecidos como humanos, os servos dos semelhantes de Gaia.
O conto mais famoso envolvendo as duas relata como a fraca Tyr subjugou a fada-mãe, libertando a humanidade depois de 200 anos de escravidão, antes de ser assassinada por Gaia. Depois disso, Gaia, fraca e cambaleante, desapareceu, abandonando seus filhos, deixando-os sem poderes.
Quando Gaia criou o mundo, ela também criou dois cristais a partir do Omnistone. Um deles era bonito, brilhante e multicolorido, este guardando os poderes e a essência vital das fadas que Gaia criou. Este cristal permitia que as fadas manipulassem os cinco elementos principais de seu mundo: Água, Fogo, Terra, Natureza e Ar. O outro cristal, por outro lado, era feio, pequeno e acinzentado, não brilhava, e parecia mais uma pedra de brita. Este existia apenas para garantir a sobrevivência da humanidade, seres grandes e feios, cerca de 20 vezes mais altos que as fadas, burros, incapazes de voar ou de manipular qualquer um dos cinco elementos. Porém o cristal lhes dava o mínimo de inteligência necessária para seguir ordens, diferenciando-os dos outros animais.
O cristal das fadas era de fato extraordinário, porém cristais comuns, ainda que extremamente poderosos e resistentes, não conseguiam armazenar todo aquele poder sem se desintegrar, por isso ele precisava estar na presença do Omnistone, ou pelo menos no mesmo planeta. Quando a Fada-Mãe desapareceu, o cristal das fadas se tornou extremamente instável, e antes que qualquer humano ou fada pudesse fazer algo, o cristal se irrompeu numa enorme explosão multicolorida que obliterou o templo onde Gaia morava, e onde os cristais eram guardados. Por um milagre o cristal das fadas não foi completamente destruído, ficando inteiro o suficiente para segurar a essência vital das fadas, evitando sua extinção instantânea. Porém as fadas perderam, dentre outras singularidades, seus poderes, aquilo que garantia sua superioridade perante a raça humana.
O cristal da humanidade foi pego pela explosão no templo, e foi arremessado para sabe-se lá onde. Ficou inteirinho pois a humanidade sobreviveu, porém se perdeu para sempre em algum lugar do planeta.
Fadas não eram capazes de se reproduzir. Gaia as criou sem órgãos sexuais, pois queria que seus filhos tivessem vida eterna, o que anulava a necessidade de produzir descendentes. Por outro lado, Gaia não queria que os humanos vivessem tempo suficiente para adquirir conhecimento, por isso tornou-os mortais e lhes deu orifícios e protuberâncias malcheirosas e os forçava a se reproduzirem, mas não o bastante para formar um exército rebelde.
Outra das singularidades que as fadas perderam foi a imortalidade. Quando a humanidade tomou o posto de raça dominante, foi decidido que as fadas deveriam ser exterminadas como pagamento por seus crimes. Dito e feito, todas as fadas do planeta foram facilmente mortas, agora que eram mais fracas que uma criança pequena.
A humanidade estava em festa. Por vários dias houve luxuosos banquetes e comemorações celebrando a liberdade e o fim da opressão. Finalmente não existem mais fadas! Finalmente... Mas a comemoração não durou muito.
A primeira criança humana a nascer na era Pós-Gaia estava sendo muito aguardada, pois seria o início de uma geração que não conheceria a dor, a fome, ou a escravidão.
No dia do nascimento da criança, centenas de humanos curiosos e esperançosos se reuniram ao redor de uma modesta casinha de barro e palha, esperando pela vinda daquele que seria escolhido como o primeiro Rei dos Humanos. Houveram suspiros e vozes chorosas de alegria do lado de fora quando todos ouviram o primeiro pranto do recém-nascido. Mas o que houve logo em seguida foi um pânico generalizado, começando com a parteira correndo para fora da casinha, gritando de horror. Depois ouviram-se as exclamações desesperadas da mãe da criança. A parteira contou a todos o que vira, e o pânico tomou conta.
O que aconteceu foi que a criança nasceu. Um garotinho lindo e perfeitamente normal e saudável, mas ele não veio sozinho. Ligado ao bebê por um cordão umbilical, havia uma pequena criatura humanoide, com cerca de 8 centímetros de altura, cabelos brancos e um par de asas emplumadas. Uma fada!
Ninguém sabia o que fazer. Uma fada nasceu de um ventre humano! E esse foi o fim daquele que estava destinado a ser o Rei dos Humanos. Abandonado por sua mãe horrorizada, o garotinho definhou até a morte. Todos esperavam que a fadinha fosse viver, mas no momento que seu irmão humano perdeu a vida, ela também perdeu a sua. Diferente do garoto que faleceu por inanição, a fada viu seu corpo se tornar duro e acinzentado, e com uma leve brisa, ele se tornou pó.
O segundo humano a nascer na era Pós-Gaia também viera na companhia de uma fada. Diferentemente da primeira, a mãe dessa criança se encheu de fúria e tentou matar aquela aberração da natureza. Ela pegou a fada com rispidez e a atirou no chão com força, e só para garantir, esmagou-a com um pisão, deixando uma mancha de sangue e pequenos ossos e órgãos na terra batida. O suspiro de alívio da mulher durou pouco, pois com os olhos esbugalhados de espanto, ela viu a criatura se regenerar completamente em questão de segundos como se nada tivesse acontecido. De todas as formas, a mulher tentou dar fim à fadinha, mas ela, vez após a outra, se regenerava, ficando novinha em folha. Em outra tentativa desesperada, a mãe acabou arranhando o braço do seu bebê por acidente. Ela notou que o mesmo corte aparecera na fada, exatamente no mesmo lugar que no bebê. E não se regenerou. Por curiosidade, a mãe fez um pequeno furo no dedo indicador do seu bebê, e o exato mesmo ferimento apareceu no dedo indicador da fada. Foi então que ela percebeu que não adiantava ferir a fada, pois ela não poderia morrer enquanto o humano que nasceu junto a ela estivesse vivo. Então, com tristeza e pesar, a mãe da criança a matou. Foi só assim que a fada teve seu fim. O mesmo corte no pescoço do bebê apareceu nela, e após alguns segundos seu corpo se enrijeceu, se acinzentou e virou pó.
Logo a notícia se espalhou. Humanos por todas as partes começaram a nascer junto a fadas, e seus pais logo descobriram que elas não morreriam tão facilmente. Mas o que fazer? Não podem matar todas as crianças, ou seremos extintos em questão de décadas! Um pai assustado, como não queria matar sua filha, tentou se livrar da fada de outra maneira. A apanhou e tentou levá-la para o mais longe possível da sua família. Após alguns minutos de caminhada, ele percebeu que a fada em suas mãos tinha virado uma espécie de poeira cinza. Ela estava morta. Pensando que sua filha havia morrido, ele voltou correndo para casa, e para a sua surpresa, a bebê estava perfeitamente bem. Foi assim que a humanidade percebeu que podiam matar as fadas afastando-as o suficiente de seus humanos. A notícia se espalhou e todos fizeram o mesmo, separando seus filhos de suas fadas.
Alguns anos mais tarde, aqueles que assumiram o posto de líderes da humanidade se reuniram e pediram para seu povo não matar mais as fadas que continuamente se recusavam a serem extintas. Já que elas insistem tanto em existir, que existam! Mas como nossos escravos! A partir de agora qualquer fada nascida pertencerá ao humano que vier ao seu lado, e o servirá até o resto dos seus dias!
Fada foi um nome que entrou em desuso em algumas décadas. Os humanos que fizeram os primeiros dicionários, definiram:
Fada(substantivo):
1.Pequeno ser humanoide imortal com um par de asas de membrana, com a capacidade de manipular um ou mais elementos naturais.
2.Descendente de Gaia.
E criaram um nome para os novos seres:
Leedwee(substantivo):
1.Pequeno ser humanoide com um par de asas emplumadas, proveniente de um nascimento humano.
2.Fada mortal sem poderes.
3.Servo alado.
Não se sabe ao certo o porquê das fadas...ou melhor, leedwees agora nascerem de ventres humanos. Dizem que é um castigo pelos crimes de seus antepassados, ou alguma doença causada pelo contato exagerado com o sangue das fadas, mas a teoria mais aceita é a de uma lasca do cristal das fadas ter se fundido com o cristal humano durante a grande explosão em que os dois cristais desapareceram.
Centenas de anos se passaram, a humanidade se modernizou e evoluiu, mas a relação entre humanos e leedwees não mudou.
Nota: Leedwee pronuncia-se "lídui".
Njord pronuncia-se "Niórdi"Eu vi meu humano quando abri os olhos pela primeira vez. Estávamos em seu berço e ele dormia serenamente ao meu lado. Foi o meu primeiro dia de vida, mas eu já sabia que aquele garotinho de finos cabelos negros, bochechudinho e de nariz achatado era o meu humano. Me aproximei devagar, meio desengonçada. Estendi minha mão para tocar seu rosto, mas hesitei, temendo acordá-lo. Para falar a verdade, eu estava com muito sono e acabei adormecendo ali mesmo. Na manhã seguinte despertei com o som do meu humano chorando. Lembro que ver ele triste assim me partiu o coração. Sua mãe logo veio, o tirou do berço e o pôs em seu colo, me ignorando por um momento, mas logo sorriu e estendeu o braço para que eu pudesse subir na palma de sua mão e me levantou até a altura dos seus olhos - Oi pequenina. Não se preocupe, logo aprenderá a voar - vi sobre seu ombro esquerdo um pequeno homenzinho de cabelo e vestes verdes, olhos puxados, orelhas pontudas e medindo mais ou meno
O dia letivo de Kris fora perfeitamente normal. Ele teve prova de matemática. Eu, acompanhada dos leedwees das outras crianças, esperei do lado de fora da sala de aula, pois não nos era permitido dar dicas durante os testes. Kris tirou 850 de 1000.Ainda que tivesse ficado feliz com as felicitações que recebera de seus colegas e professores, a pessoa de quem Kris mais gostava não havia aparecido na escola: sua melhor amiga Meg. Talvez por estar doente, ou por algum outro motivo. Kris não se preocupou muito. Meg faltava às aulas vez ou outra, mas ela sempre dava algum bom motivo, apesar de eu sempre achar que ela se ausentava o suficiente para chamar a atenção de alguma autoridade da escola.¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤¤-Bluey, você se lembra qual a cor do corante que a mamãe pediu pra gente comprar? - perguntou Kris.-Lembro sim. Ela pediu corante azul marinho, mais especificamente da marca Akuaberry. - Respondi ao mesmo tem
Meu corpo estava quase completamente curado quando chegamos em casa. Eu já conseguia falar normalmente, mas ia demorar um pouco até que minhas plumas crescessem de modo que eu pudesse voar sem problemas.De todas as partes do corpo de um leedwee, ossos e plumas eram os que mais custavam tempo para se regenerar. Claro, o tempo levado para a cura completa variava de leedwee para leedwee.Apesar da dor excruciante que senti, eu estava aliviada por Kris estar são e salvo, não só porque isso significava que eu ficaria bem, mas também pelo fato de que ver meu amo sofrendo me partia o coração, sentimentalmente falando.O que aconteceu no beco foi algo que só vi em filmes de ação: labaredas de fogo gigantes que surgiam do nada destruindo um prédio inteiro, causando pânico nas pessoas.Kris esteve perto da morte, e eu de virar cinzas, porém fomos salvos por uma misteriosa rajada de vento que desviou o fogo mortal. Os membros do jornal daquela noite estavam tratando aq
Meghann Cobalto, ou simplesmente Meg, era uma menina baixinha, magra e loura de 10 anos. Tinha o rosto salpicado de sardas, lábios finos e rosados e olhos azuis. Em sua bochecha direita ela ostentava uma cicatriz vermelha em forma de lua crescente. Como sempre, ela estava sorrindo quando Kris se aproximou. Nas costas ela levava sua mochila lilás e nos braços um embrulho verde na forma de paralelepípedo, envolto em um laço vermelho. Havia nele um selo com os dizeres: "Para Kris, de Meg e Júpiter".Meg mal esperou Kris chegar e correu para abraçá-lo com um dos braços, o outro segurando o presente. Quando o ônibus escolar partiu os dois foram se sentar juntos.-Parabéns aniversariante! - disse eufórica - 10 anos! Enfim conseguiu me alcançar! Aqui - disse erguendo o embrulho. Kris sorriu recebendo o presente.-Você não devia, Meg. Não precisava.-Não ouse dizer o que posso ou não fazer! Vamos, abra! - disse a jovem, os olhos brilhando.Meu amo desatou o laç
Eu não costumava conversar muito durante as aulas. Ainda que nós leedwees não precisássemos prestar atenção no que era explicado pelos professores, eu fazia questão de aprender tudo para auxiliar Kris nas tarefas de casa. Contudo não nos era permitido dar dicas durante provas, tanto que nessas ocasiões os professores nos mandavam para uma saleta que ficava na própria sala de aula. Entrávamos por uma portinhola em um espaço de cerca de dois metros cúbicos onde havia mini poltronas e versões em miniatura de jogos de tabuleiro para passarmos o tempo. Foi numa dessas ocasiões que conheci as corridas de leedwees. Kris tinha 5 anos na época e estava ocupado com um teste sobre cores e formas, enquanto isso fiquei num canto com os acompanhantes dos outros alunos. Eu conhecia a maioria dos presentes, mas não mantinha conversa com nenhum. Eu estava simplesmente sentada perto
-Cara, Bluey foi incrível! - anunciou Meg, em pé gesticulando excitada, para quem quisesse ouvir no ônibus - Ela voou tão depressa pela pista que eu a perdi de vista! Nunca vi nenhum leedwee ser tão veloz assim! Nem mesmo no campeonato continental!Senti meu rosto corar, envergonhada, o sentimento foi genuinamente meu, pois Kris estava olhando sorridente para Meg, feliz por minha vitória e ligeiramente aliviado por ter se livrado da surra que receberia caso eu fosse derrotada.Júpiter pairava sobre sua humana com a cara amarrada de sempre, apesar de estar completamente indiferente às palavras dela.-E o Arnon Trox... - continuou Meg - Tinham que ver a cara do idiota! Vou gravar aquela expressão ridícula naquela cara inchada para sempre! - o sorriso de Meg de repente se desfez, e uma expressão de tristeza e indignação tomou o lugar. Ela parecia ter se lembrado do que Arnon fizera a Jujuba por ter perdido a corrida - Babaca insensível - murmurou.Não pude deixa
Assim que Kris retornou a sua casa, mostrou aos pais o livro que ganhara de Meg, e contou como eu venci Jujuba na corrida, sem comentar que provavelmente voltaria para casa bem machucado caso eu perdesse.Após o jantar, Kris subiu para o quarto, arrancou a cobertura de plástico que envolvia o livro novo, sentindo aquele cheiro característico de papel e tinta de impressora, e pôs-se a ler deitado de bruços na cama."Enderson Corduroy (402-436) nasceu na cidade de Kruster, no território de onde atualmente é Neander. Não se sabe muito sobre a vida de Corduroy, mas estima-se que ele escreveu seu único livro, Contos de Fadas, em algum momento entre 420 e sua morte. Corduroy nunca chegou a publicar pessoalmente seu livro, o manuscrito foi encontrado décadas após seu falecimento. Contos de Fadas não é um livro particularmente bem escrito, mas atualmente é considerado um marco por ser um dos primeiros livros da história da humanidade e, até onde se sabe, o primeiro a retratar Ty
Acordei numa saleta, a mesma onde todos os leedwees ficavam em dias de prova. Conforme eu fiquei sabendo depois, Arnon acertou em mim e em Jujuba um chute tão forte que desmaiei. Kris correu desesperadamente para pegar a mim e a Jujuba, e não viu Arnon chegando para socá-lo no rosto. Meg ficou tão horrorizada que não conseguiu fazer nada.Eu estava deitada num dos mini sofás da saleta, me recuperando. Logo descobri que Arnon me presenteara com o braço esquerdo e 2 costelas quebradas. A concussão em minha cabeça já havia sarado. Jujuba descansava no outro sofá. Ligeiramente mais ferida do que eu, ela ainda estava desacordada, sendo cuidada por meia dúzia de leedwees dos colegas de Kris. Através da portinhola da saleta pude ouvir a aula acontecendo normalmente. Espiei pela fresta da abertura e, para o meu desagrado, Arnon Trox estava em sua carteira, a cara amarrada. Kris do outro lado da sala, tinha um curativo na bochecha esquerda.Os leedwees me contaram que