Eu não costumava conversar muito durante as aulas. Ainda que nós leedwees não precisássemos prestar atenção no que era explicado pelos professores, eu fazia questão de aprender tudo para auxiliar Kris nas tarefas de casa. Contudo não nos era permitido dar dicas durante provas, tanto que nessas ocasiões os professores nos mandavam para uma saleta que ficava na própria sala de aula. Entrávamos por uma portinhola em um espaço de cerca de dois metros cúbicos onde havia mini poltronas e versões em miniatura de jogos de tabuleiro para passarmos o tempo. Foi numa dessas ocasiões que conheci as corridas de leedwees. Kris tinha 5 anos na época e estava ocupado com um teste sobre cores e formas, enquanto isso fiquei num canto com os acompanhantes dos outros alunos. Eu conhecia a maioria dos presentes, mas não mantinha conversa com nenhum. Eu estava simplesmente sentada perto
-Cara, Bluey foi incrível! - anunciou Meg, em pé gesticulando excitada, para quem quisesse ouvir no ônibus - Ela voou tão depressa pela pista que eu a perdi de vista! Nunca vi nenhum leedwee ser tão veloz assim! Nem mesmo no campeonato continental!Senti meu rosto corar, envergonhada, o sentimento foi genuinamente meu, pois Kris estava olhando sorridente para Meg, feliz por minha vitória e ligeiramente aliviado por ter se livrado da surra que receberia caso eu fosse derrotada.Júpiter pairava sobre sua humana com a cara amarrada de sempre, apesar de estar completamente indiferente às palavras dela.-E o Arnon Trox... - continuou Meg - Tinham que ver a cara do idiota! Vou gravar aquela expressão ridícula naquela cara inchada para sempre! - o sorriso de Meg de repente se desfez, e uma expressão de tristeza e indignação tomou o lugar. Ela parecia ter se lembrado do que Arnon fizera a Jujuba por ter perdido a corrida - Babaca insensível - murmurou.Não pude deixa
Assim que Kris retornou a sua casa, mostrou aos pais o livro que ganhara de Meg, e contou como eu venci Jujuba na corrida, sem comentar que provavelmente voltaria para casa bem machucado caso eu perdesse.Após o jantar, Kris subiu para o quarto, arrancou a cobertura de plástico que envolvia o livro novo, sentindo aquele cheiro característico de papel e tinta de impressora, e pôs-se a ler deitado de bruços na cama."Enderson Corduroy (402-436) nasceu na cidade de Kruster, no território de onde atualmente é Neander. Não se sabe muito sobre a vida de Corduroy, mas estima-se que ele escreveu seu único livro, Contos de Fadas, em algum momento entre 420 e sua morte. Corduroy nunca chegou a publicar pessoalmente seu livro, o manuscrito foi encontrado décadas após seu falecimento. Contos de Fadas não é um livro particularmente bem escrito, mas atualmente é considerado um marco por ser um dos primeiros livros da história da humanidade e, até onde se sabe, o primeiro a retratar Ty
Acordei numa saleta, a mesma onde todos os leedwees ficavam em dias de prova. Conforme eu fiquei sabendo depois, Arnon acertou em mim e em Jujuba um chute tão forte que desmaiei. Kris correu desesperadamente para pegar a mim e a Jujuba, e não viu Arnon chegando para socá-lo no rosto. Meg ficou tão horrorizada que não conseguiu fazer nada.Eu estava deitada num dos mini sofás da saleta, me recuperando. Logo descobri que Arnon me presenteara com o braço esquerdo e 2 costelas quebradas. A concussão em minha cabeça já havia sarado. Jujuba descansava no outro sofá. Ligeiramente mais ferida do que eu, ela ainda estava desacordada, sendo cuidada por meia dúzia de leedwees dos colegas de Kris. Através da portinhola da saleta pude ouvir a aula acontecendo normalmente. Espiei pela fresta da abertura e, para o meu desagrado, Arnon Trox estava em sua carteira, a cara amarrada. Kris do outro lado da sala, tinha um curativo na bochecha esquerda.Os leedwees me contaram que
-Ela já está assim há 2 horas! Você deveria ter atirado uma somnum menor! - disse uma voz estranha. -Não tive escolha, eram muitas crianças humanas! - disse uma voz mais familiar. -Calem a boca, ela está acordando! - ralhou uma terceira voz. Lentamente abri meus olhos. Minha visão turva avistou três borrões coloridos que pareciam me encarar. Levei as mãos ao rosto e esfreguei os olhos, como se tivesse acabado de despertar de uma longa noite de sono. Ainda morosa, olhei para os lados, os olhos semiabertos, procurando por Kris. Pensei estar no quarto dele, mas quando minha visão se tornou nítida descobri que eu não poderia estar num lugar mais distinto do quarto da minha criança. Com o susto, caí do lugar onde estava sentada. Procurei à minha volta por algo que pudesse explicar por que eu me encontrava num lugar que parecia uma caverna sem saída. Antes de despencar, eu estava sentada numa cadeira que parecia ter sido esculpid
Meu queixo tornou a cair. O Cristal das Fadas, o lendário artefato que armazenava a essência vital de todas as fadas, perdido há quase 1 milênio, pendurado no pescoço daquela leedwee.-O-Onde...? C-Como...? - gaguejei incrédula.-Meus antepassados. Vim de uma linhagem de curandeiros que encontraram este fragmento em suas viagens de aprendizado. Pequeno, porém com um poder além da imaginação. Foi sabiamente passado de pai para filho e usado secretamente para curar os mais profundos ferimentos e as mais terríveis pestes que assolavam nosso vilarejo. Minha família era muito querida e respeitada na região, mas nem mesmo isso foi suficiente para amenizar a ira daqueles que me viam como uma aberração que cometeu o imperdoável crime de nascer. Foi o Cristal que me salvou quando meu humano morreu. Meu pai me deixou em um barco com o fragmento pendurado no pescoço e permitiu que a correnteza me carregasse para longe daquela vila. Na última vez que vi meu pai e
Foi você quem atacou o Centro de Domesticação na última segunda-feira? -E se fui eu? -Você quase matou Kris e eu! -Eu não sabia que você era uma fada. Vi um humano dando mole e eu não podia perder uma oportunidade assim. Eu estava prestes a explodir num berreiro, mas Pandora falou: -Surt, você andou depredando uma cidade humana? -Senhorita, eu depredei aquele lugar horrível que aliena leedwees! -E no processo matou humanos, consequentemente matando leedwees, não? -Foi um sacrifício necessário! -Surt, já conversamos sobre isso. Durante nossa busca não podemos matar ninguém. Lembre-se de que, segundo a lenda, se uma fada estiver na sua forma leedwee quando seu humano morrer ela também morre. Se você tivesse assassinado o humano da Bluey, perderíamos ela e seu poder, e então teríamos que esperar 200 anos a mais para concluir a
O portal se fechou às minhas costas, como se as bordas de luz fossem sugadas pela pedrinha vermelha no chão em meio a tantas outras. Arbustos e árvores ficavam em volta daquela pequena clareira. A Escola Nacional Príncipe Benito ficava do outro lado da rua.Há alguns quarteirões de casa me senti estranha. Plumas cresceram nas minhas asas, senti um formigamento pelo corpo (era a cobertura de queratina voltando) e meus cabelos eram novamente um tom de azul royal. Significava que Kris estava a 3 quilômetros dali, sem dúvida em casa.A primeira coisa que fiz ao chegar em casa foi guardar a Pedra Portal e o vestidinho de couro no barracão de ferramentas nos fundos. Escolhi um bom lugar para esconder meus pertences e voltei voando pela janela do quarto de Kris. Minha criança não estava lá, mas a mochila com os materiais escolares se encontrava sobre a cama.Cuidadosament
Sob o grande carvalho, atrás da escola, um montinho de poeira cinza jazia tristemente como se não fosse nada mais que um punhado de sujeira inútil. Sobre a relva, o que havia era nada menos que o que sobrou da Jujuba.No tronco uma corda fina amarrada em volta da árvore marcava o local onde minha amiga foi deixada para morrer.Eu não podia acreditar. Eu não queria acreditar.Eu estava ajoelhada bem na frente do que restava dela. Kris lutava para se manter firme enquanto Meg chorava em seu ombro. Júpiter se mantinha impassível, mas àquela altura eu já não esperava nenhum sentimentalismo por parte dele.Aos poucos, uma pequena multidão de leedwees foi se aproximando. Enquanto eles se mostravam tristes e indignados, seus humanos trazidos pela curiosidade não demonstravam muita compaixão. De fato, alguns até mesmo de