Me chamo Sophie Collins, tenho 26 anos e sou formada em Recursos Humanos. Sou loira, Olhos azuis e magra. Aquele padrão que agrada os olhos. Mas isso não significa nada para mim, a vida é muito mais do que os olhos conseguem enxergar.
Hoje posso dizer que conquistei algo que muita gente subestima: a minha liberdade. Ainda não alcancei todos os meus sonhos, mas ter chegado até aqui viva, lúcida e com força para contar minha história, já é, sem dúvidas, a minha maior vitória. Quando eu tinha apenas doze anos, perdi meu pai. Ele era meu herói, minha referência, e sua morte deixou um buraco irreparável em mim. Logo depois, a nossa vida virou do avesso. Em menos de um ano, minha mãe se casou novamente. Na época, eu só queria que ela fosse feliz, que encontrasse alguém que cuidasse dela, de nós. E, no início, foi exatamente isso que ele parecia: um homem tranquilo, educado, gentil. Eu o chamava de "tio" por respeito, mesmo sem me sentir confortável. Mas com o tempo, esse “tio” revelou quem realmente era. Começou com olhares estranhos, prolongados demais. Comentários disfarçados de elogios sobre meu corpo que estava começando a se desenvolver. Eu não entendia direito, era só uma criança, mas sentia vergonha. Me sentia suja. Ele fazia questão de me abraçar de um jeito que me deixava sem ar, suas mãos deslizavam pelas minhas costas, escorregavam para lugares que me faziam encolher. Quando eu tentava fugir ou mostrar desconforto, ele sorria, com aquele olhar ameaçador, e dizia baixo, bem perto do meu ouvido: "Se você contar pra alguém, sua mãe vai achar que você tá mentindo. E vai te bater. Eu faço ela te bater." Eu acreditava. Eu tinha medo. E me calava. Eu tinha acabado de fazer quatorze anos, quando minha irmã saiu de casa. Ela tinha dezesseis e foi morar com o namorado. Me senti abandonada, mesmo sabendo que ela só queria fugir daquele ambiente sufocante. A partir dali, ele se sentiu ainda mais livre. Passou a entrar no meu quarto durante a noite. Sentava na beira da cama, fingia se preocupar comigo, acariciava meu cabelo, e então suas mãos desciam pelo meu rosto, pelo meu pescoço, e iam além. Eu prendia a respiração, torcendo para ele sair, para desistir, para ir embora. Às vezes, ele parava no meio e dizia que estava apenas “me ensinando a ser mulher”. Outras vezes, só saía sorrindo como se nada tivesse acontecido. Mas o pior não era só o toque, era o terror psicológico. Ele dizia que ninguém nunca me amaria, que eu era inútil, que minha existência era um estorvo. Que se um dia eu falasse, ninguém me ouviria. Que se eu gritasse, ninguém me ajudaria. E eu acreditei por muitos anos. A dor dele não era só física, era a destruição lenta da minha identidade, da minha confiança, da minha infância. Isso foram dos meus Quatorze aos meus Dezoito anos, porque quando atingi a maior idade, decidi abrir a boca e contei tudo para minha mãe, Eu só não esperava que ela fosse reagir como fez, me chamando de mentirosa. E me botou para fora de casa. Não houve discussão nem aviso, apenas um olhar duro e palavras frias que ecoam até hoje dentro de mim. Com lágrimas nos olhos e o orgulho ferido, fui para a casa da minha irmã. Mas ela não tinha espaço pra mim. O que ela podia oferecer eram dois vãos apertados e um banheiro compartilhado. E quando o namorado dela chegou, não gostou nada de me ver na casa deles. Passei apenas uma noite lá. No dia seguinte, decidi que não podia continuar naquele canto onde claramente não era bem-vinda. Foi aí que entrei em contato com a Lizandra, minha melhor amiga, minha parceira, minha irmã de alma. Ela e a mãe dela me acolheram como se eu fizesse parte da família. Moravam só as duas, e apesar da casa simples, me senti segura e respeitada. Não demorou para surgir uma oportunidade de emprego em outra cidade. Lizandra e eu não pensamos duas vezes. A mãe dela, com um gesto de pura generosidade, nos deu o dinheiro necessário para viajar e nos manter por um tempo. Nos mudamos para o Rio de Janeiro com nada além da coragem. Fomos parar na Rocinha. Era tudo muito novo, assustador até. O tráfico era pesado, o ambiente exigia força e adaptação. Alugamos um barraco, e mesmo sendo pequeno e simples, era nosso refúgio. Passei na Intervista e garanti o emprego. Pouco tempo depois, Lizandra também estava empregada. A gente se apoiava em tudo, dividia o pouco que tinha e comemorava cada pequena conquista como se fosse uma vitória gigante. Quando juntamos o suficiente, nos mudamos para um apartamento minúsculo, de um quarto só. Dormíamos no chão, num colchão que dividíamos como duas irmãs que se agarram uma à outra pra não afundar. Não importava o desconforto, o cansaço ou a fome. O que importava era que estávamos juntas. Sempre fomos assim, parceiras, cúmplices, inquebráveis. Comecei minha faculdade. Um sonho que parecia impossível tempos atrás. Lizandra também começou a dela. Ela foi para Ciências Contábeis e eu escolhi Recursos Humanos. Foi uma fase dura. A gente economizava até no arroz e no feijão para manter o aluguel em dia e as mensalidades pagas. Trocamos festas por noites de estudo, compras por xerox de apostilas. Muitas vezes, dividimos uma única refeição. Mas nunca, jamais, cogitamos desistir. Nos formamos. Foi o dia mais feliz da minha vida. Mas só a mãe da Lizandra estava lá para aplaudir a gente. Eu não tive ninguém da minha família. Nenhum olhar conhecido, nenhum abraço da minha mãe, nenhum sorriso da minha irmã. Só silêncio. E foi nesse dia que eu tomei uma decisão definitiva: apaguei todo mundo da minha vida. Sem explicações, sem despedidas. Cansei de esperar por pessoas que nunca me enxergaram de verdade. Preferi seguir em frente sem olhar para trás. Hoje, Lizandra ainda está do meu lado. Continuamos nos apoiando, crescendo, evoluindo. Ela é minha família, minha base, minha escolha. Tudo que conquistei até aqui tem um pedaço dela. E tudo que sou hoje é resultado de cada batalha que enfrentei com o coração partido, mas com a alma firme. Mas o que importa pra mim é que hoje, eu sou livre. Mas carrego cicatrizes que ninguém vê. E faço questão de esconde-las, como se não existissem.Ethan Narrando O som do despertador ecoa pelo quarto antes mesmo que o sol ouse atravessar as cortinas. Meu braço se move mecanicamente até o aparelho sobre a mesa de cabeceira. A tela pisca com uma frase que eu mesmo programei: “Mais um dia de CEO.” — Como se eu precisasse de lembrete — murmuro com desdém, desligando o alarme. Me sento na beira da cama, esfregando o rosto com as mãos. Não porque esteja cansado, mas por puro hábito. Descanso é um luxo que não me permito, não quando carrego uma das maiores construtoras do país nas costas. Me levanto, caminho até o banheiro e encaro o reflexo no espelho. O olhar frio. Racional. Calculista. Escovo os dentes em silêncio. O barulho da água corrente é a única trilha sonora da minha manhã. Tomo um banho rápido, gelado. Sempre gelado. Acorda os músculos e a mente. De volta ao quarto, o closet já está aberto. Minhas camisas estão perfeitamente alinhadas por cor e tecido. Escolho uma branca, engomada, e combino com um terno azul-marinho
Sophie Narrando Faz dois meses que estou desesperada procurando trabalho. Acabou meu seguro-desemprego e a empresa onde trabalhei por quatro anos decretou falência. Pelo menos pagaram todos os nossos direitos, graças a Deus. Usei a rescisão e o meu FGTS pra dar entrada no nosso apartamento. A Lizandra também usou o dela e entrou como segunda compradora. Agora estamos morando num apê de dois quartos. Cada uma tem seu cantinho, mas não dá pra viver só esperando ela pagar tudo, muito menos as despesas do mês. Saio todos os dias cedo. Chuva, sol, tanto faz. De segunda a domingo, corro atrás de emprego. Nos finais de semana, estou fazendo um bico de garçonete numa hamburgueria aqui na Barra. O pessoal lá é legal, mas o que ganho mal dá pra cobrir metade das contas. Mesmo assim, não posso parar. Hoje, enquanto caminhava com meu maço de currículos na mão, dei uma risada sozinha. — Já pensou se me chamassem pra trabalhar na Ferraz Engenharia? — falei comigo mesma, com um sorriso cansado
Ethan Narrando Olhei para o relógio em meu pulso. Já passava das vinte e duas horas. A sala estava em silêncio, exceto pelo leve tique-taque do relógio de parede e o zumbido baixo do ar-condicionado. Entrevistas finalizadas. Currículos impecáveis, discursos ensaiados, sorrisos forçados. Nenhuma surpresa. Apenas uma delas me passou a determinada confiança que procuro. Sophie Collins. Jovem, objetiva, centrada. Não é que eu confie nela, ainda não, mas algo me diz que vale o teste. Talvez ela seja a pessoa certa. Peguei o celular e digitei uma mensagem rápida para minha secretária. — Ligue para Sophie Collins amanhã cedo. Diga que quero ela aqui, pontualmente às oito. Guardei o aparelho no bolso interno do paletó e levantei. Peguei meu casaco, desliguei as luzes do escritório e saí sem olhar para trás. O silêncio da noite me acompanhava no elevador até o térreo. O motorista já me esperava do lado de fora. Entrei no carro sem dizer uma palavra. O trajeto até minha casa foi rápido. A
Sophie Narrando Saí da Ferraz com uma esperança de que pode ser a minha Chance.Assim que cheguei em casa, Elizandra já estava lá. Como sempre, preocupada comigo.— Já fez a comida, né? — perguntei, sorrindo ao sentir o cheirinho vindo da cozinha.— Claro! Sabia que você ia chegar exausta. Fiz aquela sopa que você gosta — respondeu ela, com aquele jeitinho acolhedor.Comemos juntas, conversamos um pouco sobre o dia, mas o cansaço me venceu. Tomei um banho rápido e fui direto para o quarto. Nem tive tempo de pensar muito. Apaguei assim que encostei a cabeça no travesseiro.Acordei com o celular tocando. Ainda estava escuro e, quando olhei as horas, vi que eram 5:47 da manhã. Meu coração disparou ao ver no visor: Ferraz Engenharia.— Alô? — atendi com a voz ainda sonolenta.— Bom dia, senhorita Sophie? Aqui é a secretária da Ferraz. Estou ligando para informar que a vaga é sua. Precisamos que esteja na construtora às 8:00 em ponto. O Senhor Ferraz odeia atrasos.— Nossa… Muito obrigada
Ethan Narrando A manhã foi bem produtiva. A nova assistente se mostrou tão competente quanto o currículo prometia. Segura, profissional, sabe a hora de se calar. Gosto dessas características, não tenho paciência para gente que fala demais ou se perde nos próprios passos. Assim que terminei minha última reunião do turno da manhã, saímos da sala de Conferência. — Vá almoçar, e volte no horário, não tolero atrasos, logo após o almoço, tenho um compromisso externo e quero que me acompanhe. — Sim, Senhor. Ela assentiu com um leve movimento de cabeça, saí andando, tenho um compromisso. Deixei a construtora, o restaurante ficava a duas quadras, onde o novo investigador me esperava. Escolhi um lugar discreto, nada muito chamativo. O assunto exigia discrição. Ele já estava sentado, consultando algo em uma pequena pasta. Se levantou assim que me viu. — Sr. Ferraz. Uma honra. — Sem formalidades — disse, apertando sua mão. — Pode me chamar de Ethan. Sentamos. Pedi meu prato habitual, e
Sophie Narrando Eu posso dizer que esse primeiro dia foi um verdadeiro teste. E, sinceramente? Acho que passei. Meu Deus, que homem difícil! Não que ele seja péssimo, longe disso. É educado, cortês até, mas é fechado, sério, sem expressão nenhuma. Quando abre a boca, parece que cada palavra é medida, e dita como se fosse um chicote estalando no ar. Apesar disso, preciso reconhecer: ele é extremamente profissional. Exigente, sim. Mas também justo. Durante a visita à obra, estávamos naquele container que funciona como escritório, apertado, abafado e com cheiro de café velho, quando algo inesperado aconteceu. O engenheiro responsável pela obra, um tal de Rafael Mendonça, me olhou de um jeito estranho. Daqueles olhares que fazem a gente querer sair correndo pra tomar banho e se livrar da sensação ruim. Arrepiei inteira. Tentei disfarçar, focar nos papéis, fingir que não percebi. Mas acho que o senhor Ferraz percebeu. Sem dizer uma palavra, ele se levantou da cadeira, veio até onde eu
Ethan Narrando O relógio marcava 5h30 quando o alarme tocou. Me levantei sem hesitar. Uma rotina rígida me acompanhava há anos, e hoje não seria diferente. Após uma corrida leve de trinta minutos na esteira, tomei um banho gelado, uma prática que mantinha minha mente alerta. O espelho embaçado do banheiro refletia meu semblante inexpressivo. Sequei o rosto, ajeitei o cabelo com precisão e vesti um terno cinza escuro alinhado, camisa branca impecável e gravata azul-marinho. No closet, ajustei o Rolex no pulso, calcei os sapatos italianos e conferi os documentos na pasta de couro. Um último olhar para o espelho. Postura reta. Olhar firme. Estava pronto. O carro me esperava na garagem. Durante o trajeto revisei relatórios no tablet, enquanto o motorista seguia em silêncio. Ao chegar à sede da Ferraz Engenharia, subi direto para o andar da presidência. Hoje o Jhon chega de suas férias, ele fez uma viagem internacional para descansar, mas conseguiu fechar um negócio milionário. Vamos c
Ethan Narrando O dia foi um verdadeiro pandemônio. Não parei nem por dez minutos. Entre reuniões, ligações e visitas inesperadas, a agenda parecia cada vez mais fora de controle. No meio do caos, liberei a Sophie na hora do almoço, mas pedi que, assim que terminasse de comer, voltasse direto para a empresa. Sua hora de almoço seria devidamente recompensada como hora extra. Ela não reclamou, como sempre, eficiente e profissional.Jhon, que andava por perto, se ofereceu para almoçar com ela, provavelmente numa tentativa de escapar da sala quente de reuniões, mas mandei ele entrar comigo no escritório. Pedi para a Sophie, antes de sair, solicitar dois pratos executivos e mandar entregar na empresa. Ela fez isso com a agilidade de sempre e, em poucos minutos, já estava fora.Fechei a porta, puxei a cadeira e encarei Jhon, que já tinha um caderno de anotações aberto na mesa.— Vamos direto ao ponto — comecei, soltando um suspiro cansado. — O projeto da filial em Salvador está travado. O e