Ethan

Ethan Narrando

Olhei para o relógio em meu pulso. Já passava das vinte e duas horas. A sala estava em silêncio, exceto pelo leve tique-taque do relógio de parede e o zumbido baixo do ar-condicionado. Entrevistas finalizadas. Currículos impecáveis, discursos ensaiados, sorrisos forçados. Nenhuma surpresa. Apenas uma delas me passou a determinada confiança que procuro. Sophie Collins. Jovem, objetiva, centrada. Não é que eu confie nela, ainda não, mas algo me diz que vale o teste. Talvez ela seja a pessoa certa.

Peguei o celular e digitei uma mensagem rápida para minha secretária.

— Ligue para Sophie Collins amanhã cedo. Diga que quero ela aqui, pontualmente às oito.

Guardei o aparelho no bolso interno do paletó e levantei. Peguei meu casaco, desliguei as luzes do escritório e saí sem olhar para trás. O silêncio da noite me acompanhava no elevador até o térreo. O motorista já me esperava do lado de fora. Entrei no carro sem dizer uma palavra.

O trajeto até minha casa foi rápido. A cidade ainda pulsava com sua movimentação noturna, mas meus olhos estavam fixos na escuridão além da janela. Não pensava em negócios. Não naquele momento. Havia algo mais profundo me corroendo.

Cheguei em casa e fui direto para o banheiro. O banho quente aliviou o peso do dia. O cansaço físico, pelo menos. Vesti uma calça de moletom e uma camiseta preta. Jantei sozinho, como sempre. A comida estava boa, mas não prestei atenção nos sabores. Meu pensamento estava em outro lugar. Em outra época.

Subi para o quarto, apaguei as luzes e me sentei na poltrona em frente à janela. Peguei o notebook e abri meu e-mail pessoal. Atualizei a página três vezes. Nada. Nenhuma informação. Nenhuma pista. Nenhum maldito sinal. Fechei os olhos por um instante, pressionando as têmporas com os dedos.

— Não é possível — murmurei para mim mesmo. — Não é possível que eu nunca vá descobrir o que aconteceu naquela noite.

Naquela maldita noite.

A lembrança é um veneno que se recusa a sair do meu sistema. Eu era outra pessoa antes daquilo. Ingênuo. Humano demais. Fraco. Agora, sou resultado da ausência de respostas. Um homem moldado pela frustração de não saber.

Me levantei e caminhei até a cama. Deitei, mas não dormi. Fiquei olhando para o teto, a mente girando em círculos. Ainda me surpreendo com a quantidade de portas fechadas e rostos vazios que encontro sempre que me aproximo da verdade. Como se o mundo inteiro estivesse empenhado em manter aquele segredo enterrado.

Mas não vai durar para sempre.

Alguém sabe. E eu vou descobrir.

Nem que isso me custe o pouco de humanidade que ainda me resta.

Demorei a dormir. As horas pareciam se arrastar enquanto minha mente insistia em girar em torno de assuntos que não deveriam me consumir. Mas quando finalmente adormeci, fui direto, sem sonhos, sem interrupções. O som do despertador cortou o silêncio do quarto como uma lâmina. Levantei. Rotina. Banho, café, roupa. Tudo no automático. Meu corpo se movia por hábito, sem precisar pensar. Às sete em ponto, como sempre, atravessei a entrada da Ferraz Engenharia. Meus passos ecoaram pelos corredores até minha sala.

Estava colocando a mão na maçaneta quando ouvi o som das portas do elevador se abrindo atrás de mim. Virei o rosto por instinto. E lá estava ela.

Sophie.

Vestida com a elegância discreta. Cabelos presos, tablet e agenda nas mãos. Olhou diretamente para mim e falou com aquela entonação neutra, profissional.

— Bom dia.

Não respondi. Apenas entrei na sala. Não era por grosseria. Eu nunca respondo ninguém, não será ela que vou dirigir a palavra.

Fechei a porta atrás de mim, tirei o paletó e me sentei. Liguei o computador. Comecei a revisar os e-mails importantes, organizando mentalmente a ordem do dia. Mal tinham se passado três minutos quando ouvi as batidas na porta.

— Entre — autorizei, sem desviar os olhos da tela.

A porta se abriu e ela entrou com a precisão de uma profissional. Um passo contido, postura ereta. O tablet contra o peito e a agenda já aberta.

— Senhor Ferraz — começou, parando diante da mesa — temos reunião com o conselho às nove. Depois disso, o senhor tem uma videoconferência com os investidores da filial de São Paulo às onze. A pauta principal é o orçamento de expansão.

— Alguma mudança na proposta que eu aprovei ontem? — perguntei, finalmente levantando os olhos para ela.

— Sim, senhor. O financeiro sugeriu um corte de quinze por cento nos custos operacionais. A revisão está nesse relatório — disse, estendendo o tablet em minha direção.

Peguei o aparelho, meus dedos roçando de leve os dela, mas ela reagiu. Rápido demais, recuou um passo. Interessante.

— Diga ao financeiro que quero os dados consolidados até às oito e meia. Sem achismos, só números.

— Claro, senhor.

Voltei a olhar para a tela do tablet, passando as páginas com agilidade. Ela ficou ali, esperando mais alguma ordem. Sua presença era discreta, mas incômoda. Não pela eficiência nisso, ela era impecável. Mas Uma distração que eu não havia previsto.

— É só isso por agora — falei, devolvendo o tablet.

— Com licença — respondeu, se virando para sair.

Observei enquanto ela deixava a sala. Fria. Profissional. Controlada.

Assim como eu. Ou quase.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP

Capítulos relacionados

Último capítulo

Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP