Ethan Narrando Trabalhei a tarde inteira, mas minha mente insistia em me trair. Por mais que tentasse focar nos relatórios, contratos e projeções, os rostos de Jhon, Pedro e Sophie me invadiam a cada minuto. Eles estavam a caminho de Salvador para resolver o impasse da obra embargada, e eu odiava depender de terceiros, mesmo quando esses terceiros eram minha melhor equipe.Já era começo da noite quando Clara entrou na minha sala.— Doutor Ethan, estou indo. Já deu meu horário.Levantei os olhos por um segundo e apenas assenti com a cabeça. Clara já estava acostumada com minhas respostas curtas. Às vezes, um gesto meu valia mais do que mil palavras. Ela saiu sem esperar mais nada.Olhei para o relógio. Oito da noite e nenhuma posição concreta. Peguei o celular e enviei uma mensagem para Sophie.— Alguma novidade?A resposta veio quase instantaneamente.— Ainda estamos em reunião.Isso só aumentou minha inquietação. Reunião às oito da noite. Algo estava mais complicado do que previmos.
Sophie Narrando Saímos da reunião sem avanço algum. Nenhuma novidade, nenhuma definição, nenhum acordo. O clima era pesado, e mesmo o Pedro, que geralmente tenta suavizar o ambiente, parecia desanimado. Sr. Wilker já foi direto:— Ethan, não vai gostar nada de saber disso.Dei um passo à frente, mantendo a postura profissional, mas já um pouco incomodada com aquele clima de tensão.— O Sr. Ferraz me mandou mensagem durante a reunião, e eu preciso dar um posicionamento para ele.Sr. Wilker apenas me olhou com expressão cansada e disse:— Só diga que mais tarde eu ligo pra ele.Assenti. Assim que saímos do prédio, mandei a mensagem. Curta, objetiva, clara. E como de costume, a resposta dele veio do mesmo jeito: seca.“OK.”Sem pontuação, sem emoji, sem nenhuma pista de humor ou reação. Apenas aquilo. OK. Tão Ethan Ferraz.Seguimos para o hotel. Eu já estava subindo no elevador quando Sr. Wilker nos chamou.— Ei, vocês dois! Que tal jantar comigo? Tem um restaurante aqui perto, culinári
Ethan Narrando O som do despertador cortou o silêncio do quarto às 5:30 em ponto. Me levantei sem hesitar. Nunca gostei de perder tempo. Fiz minha rotina matinal com precisão: banho gelado, barba feita, terno impecável. Às 7h em ponto, desci para o café. A reunião estava marcada para as 9h, e eu precisava revisar, pela última vez, a proposta que elaborei na madrugada.Pedro e John chegaram quase juntos. Automaticamente procurei Sophie com os olhos, mas ela não estava ali.— Cadê a Sophie? — John perguntou enquanto se servia de café.Pedro deu de ombros.— Ainda não a vi. Posso mandar uma mensagem pra ela, se quiser.Balancei a cabeça.— Deixe ela descansar. Ela cumpriu muito bem o papel dela ontem à noite.Nos sentamos e começamos a comer. Conversávamos sobre os ajustes finais da proposta quando senti uma presença se aproximando. Levantei o olhar, e lá estava ela.Sophie entrou no restaurante com a postura impecável de uma secretária executiva, do tipo que faz homens perderem o foco
Sophie Narrando Aquele foi, sem dúvida, um dos cafés da manhã mais difíceis da minha vida. Eu sentia os olhos frios do Sr. Ferraz em cima de mim, analisando cada movimento meu como se eu fosse mais um relatório técnico a ser revisado. Ainda assim, comi em silêncio, enquanto eles conversavam sobre a obra, propostas, termos técnicos, conversa de engenheiro. Como não entendo muito do assunto, achei melhor ficar calada e apenas observar.Assim que terminamos de comer, o Sr. Ferraz abriu o notebook e já começou a mostrar a proposta para o Sr. Wilker e o Pedro. Fiz anotações dos pontos que considerei importantes, com base nas experiências que já tive. Grifei onde achei que deveríamos prestar mais atenção e até refiz um gráfico, destacando os itens que, na minha opinião, pareciam mais críticos naquele momento.Fomos para a sala de reuniões do hotel, a que havia sido reservada exclusivamente para esse encontro. O fiscal da prefeitura já estava lá. Era tão gentil e educado quanto o Sr. Ferraz
Ethan Narrando Passei a manhã inteira em minha suíte, concentrado nos relatórios do último trimestre dessa Obra, antes do embargo. O silêncio era necessário. Não suporto interrupções, especialmente quando estou imerso em números e decisões que movimentam milhões. Só desci para o almoço porque seria grosseiro demais faltar. Almoçamos eu, John, Sophie e Pedro. Conversas superficiais. Pedro falando de investimentos, John fazendo piadas, e Sophie, apenas observando. Ela tem esse jeito silencioso de analisar tudo ao redor, mas seus olhos entregam mais do que ela imagina.Assim que terminamos, voltei para minha suíte. Não pretendia ser interrompido novamente, mas, claro, John não entende limites.Ele apareceu como sempre, batendo até que eu abrisse.— Você tá pegando pesado com a Sophie — ele disse, cruzando os braços como se fosse meu juiz.— Isso é coisa da sua cabeça — respondi, seco. E voltei para a mesinha, onelde meu notebook estava aberto.— Não, Ethan. Eu te conheço. E você tá mex
Sophie Narrando Chegamos ao Rio de Janeiro no início da noite. O voo foi maravilhoso, consegui descansar um pouco depois de toda a tensão dos últimos dias. Foi tanta pressão, tanta correria, que esse momento de pausa nas alturas foi quase um alívio. Esses dois dias foram intensos, não apenas pela responsabilidade do projeto, mas também pela presença do senhor Ferraz, o Dono das ferraduras mais afiadas.Assim que desembarcamos, ele se virou para mim com sua expressão impassível de sempre e disse:— Posso te dar uma carona até sua casa.Assenti, um pouco surpresa com o gesto. Não era o tipo de coisa que eu esperava dele, mas confesso que estava exausta e aceitar foi um alívio. O motorista já nos aguardava do lado de fora do aeroporto. Ele pegou minha mala com rapidez e, após eu informar meu endereço, digitou no GPS sem dizer uma palavra.Durante o trajeto, mantivemos o silêncio por alguns minutos, até que, de forma inesperada, o senhor Ferraz quebrou a barreira invisível entre nós com
Ethan Narrando Cheguei na empresa às sete e quatro. Dois minutos fora do comum. Gosto de ser o primeiro a chegar, de sentir o silêncio que antecede o caos, de dominar o ambiente antes que ele tenha tempo de reagir. Assim que cruzei o saguão do andar da presidência, senti aquele perfume. Doce, com uma nota sutilmente de ameixa. Era ela. Sophie. Seu perfume sempre chega antes dela, uma mistura que remete à grossura da ameixa, intensa, quase impertinente, mas envolvente. Ela acha que é sutil. Não é. É memorável.Ignorei tudo ao redor, como de costume. Não há necessidade de cumprimentos protocolares quando se está na minha posição. Fui direto para minha sala, um espaço que reflete exatamente quem eu sou: vidro, aço escovado e silêncio. Em menos de dois minutos, como um relógio bem ajustado, a secretária entrou com o café. Fumegante, escuro como a noite sem lua, forte e amargo do jeito que eu gosto.Tomei o primeiro gole e senti a familiar queimação na garganta. Reconfortante.Logo em se
Ethan Narrando Não estava conseguindo dormir. Já passava das duas da manhã e, mesmo de olhos fechados, minha mente rodava como um relógio quebrado que insiste em funcionar, só que fora de ordem. Penélope. Onde ela estava naquela noite? A pergunta ecoava, martelando como se gritasse dentro da minha cabeça, me lembrando que a verdade podia estar debaixo do meu nariz, mas eu ainda não conseguia enxergar.Suspirei com força, irritado. Me virei mais uma vez na cama e, vencido pela inquietação, me levantei. Passei as mãos pelos cabelos, bagunçando os fios já desgrenhados pela falta de sono, e fui até o escritório. A luz suave do abajur lançava sombras nas estantes, mas não me senti acolhido ali. Não queria trabalhar. Também não queria beber, embora o uísque no canto parecesse me provocar, como se soubesse que eu estava à beira. Ignorei.Atravessei a casa em silêncio até a área externa. A piscina aquecida parecia o único lugar onde eu conseguiria respirar. Tirei a calça de moletom e mergulh