Ethan Narrando Cheguei na empresa às sete e quatro. Dois minutos fora do comum. Gosto de ser o primeiro a chegar, de sentir o silêncio que antecede o caos, de dominar o ambiente antes que ele tenha tempo de reagir. Assim que cruzei o saguão do andar da presidência, senti aquele perfume. Doce, com uma nota sutilmente de ameixa. Era ela. Sophie. Seu perfume sempre chega antes dela, uma mistura que remete à grossura da ameixa, intensa, quase impertinente, mas envolvente. Ela acha que é sutil. Não é. É memorável.Ignorei tudo ao redor, como de costume. Não há necessidade de cumprimentos protocolares quando se está na minha posição. Fui direto para minha sala, um espaço que reflete exatamente quem eu sou: vidro, aço escovado e silêncio. Em menos de dois minutos, como um relógio bem ajustado, a secretária entrou com o café. Fumegante, escuro como a noite sem lua, forte e amargo do jeito que eu gosto.Tomei o primeiro gole e senti a familiar queimação na garganta. Reconfortante.Logo em se
Ethan Narrando Não estava conseguindo dormir. Já passava das duas da manhã e, mesmo de olhos fechados, minha mente rodava como um relógio quebrado que insiste em funcionar, só que fora de ordem. Penélope. Onde ela estava naquela noite? A pergunta ecoava, martelando como se gritasse dentro da minha cabeça, me lembrando que a verdade podia estar debaixo do meu nariz, mas eu ainda não conseguia enxergar.Suspirei com força, irritado. Me virei mais uma vez na cama e, vencido pela inquietação, me levantei. Passei as mãos pelos cabelos, bagunçando os fios já desgrenhados pela falta de sono, e fui até o escritório. A luz suave do abajur lançava sombras nas estantes, mas não me senti acolhido ali. Não queria trabalhar. Também não queria beber, embora o uísque no canto parecesse me provocar, como se soubesse que eu estava à beira. Ignorei.Atravessei a casa em silêncio até a área externa. A piscina aquecida parecia o único lugar onde eu conseguiria respirar. Tirei a calça de moletom e mergulh
Sophie Narrando Cheguei à construtora às 6h50, como sempre. Estou me adaptando a chegar cedo, antes do movimento começar. O silêncio do escritório pela manhã tem algo reconfortante, é o único momento em que tudo ainda está em ordem, antes que o caos do dia me engula.A secretária executiva chegou junto comigo. Ela sorriu, e eu retribuí. Trocamos um bom dia educado, e seguimos nosso caminho. Passei direto para a copa e preparei o café do senhor Ferraz. Já aprendi do que ele gosta: forte, sem açúcar. Café forte e amargo, como ele. Despejei na caneca térmica personalizada e levei até sua sala, deixando-a cuidadosamente sobre a mesa de vidro. Ajustei ligeiramente o ângulo da caneca, ele gosta de tudo alinhado. Pequenos detalhes fazem diferença.Depois, fui para minha mesa na ante-sala e comecei a revisar a agenda do dia. Peguei minha caneta azul e comecei a grifar os compromissos mais críticos: reuniões com os investidores às dez, conferência com a equipe da filial do Sul às três, vistor
Ethan Narrando Saí do escritório mais cedo hoje. Coisa rara. Mas o motivo era nobre, ou ao menos socialmente aceitável. Um jantar beneficente no restaurante do Hotel Palace, daqueles que a alta sociedade adora frequentar para se sentir útil por algumas horas, entre uma taça de vinho caro e uma sobremesa assinada por algum chef renomado.Não que eu desgoste do evento em si. Tem sua importância, claro. Mas prefiro ajudar sem precisar posar para fotos ou participar de conversas vazias sobre o tempo e investimentos. Ainda assim, presença é influência, e influência move causas, então lá vou eu.Cheguei em casa pouco depois das 18:30h. A luz suave do fim da tarde entrava pelas janelas da sala, tingindo tudo com um tom dourado. Tirei o paletó e afrouxei a gravata antes mesmo de fechar a porta. Soltei um suspiro, daqueles que a gente solta sem nem perceber. O dia tinha sido longo.Fui direto ao bar, dispensei gelo e escolhi o melhor whisky que tinha ali. Servi uma dose generosa e encarei o
Sophie Narrando Eu estava exausta. A semana tinha sido puxada, reuniões intermináveis, aquela viagem nada tranquila e compromissos sem fim e ainda precisei acompanhar o Sr. Ferraz em um jantar. Respirei fundo antes de começar a me arrumar. Ainda bem que amanhã é sábado… finalmente um descanso.O evento será no restaurante do Palace Hotel, um dos mais sofisticados da cidade. Me vesti com calma, mesmo cansada. Escolhi um vestido elegante, mas discreto. Me maquiei com cuidado, e nos pés, um salto que provavelmente me faria arrepender no fim da noite. Quando saí do quarto, Elizandra, me lançou um olhar maroto.— Uau, você tá pronta pra acertar em cheio o coração do seu chefe, Sôso!Sorri, meio sem graça.— Que coração? — brinquei, fazendo-a rir também.Descemos juntas, e quando cheguei à frente do prédio, o carro já estava estacionado. O motorista do Sr. Ferraz estava ao lado da porta, me esperando. Me aproximei com um simples:— Boa noite.— Boa noite, Sophie — ele respondeu.O trajeto
Ethan Narrando Era para ser apenas mais um jantar beneficente. Mais um daqueles eventos de gala em que eu compareço por obrigação, uso o mesmo terno impecável, distribuo sorrisos calculados e falo sobre doações e projetos sociais com empresários que só estão ali para limpar a própria imagem. Mas essa noite, foi diferente.Ou melhor, alguém foi diferente.— Impressionante como você consegue deixar qualquer ambiente mais leve — disse, pegando uma taça de espumante.— E você impressiona por aparecer aqui sem aquele ar entediado de sempre. — Ela ergueu uma sobrancelha, provocando.— Talvez seja porque, pela primeira vez, eu realmente quero estar aqui.Ela riu, e aquele som despertou algo em mim. Algo adormecido. Algo esquecido.Durante o jantar, sentamos lado a lado na longa mesa decorada com flores brancas e velas elegantes. A comida era refinada, o serviço impecável, mas nada disso me interessava. A única coisa que realmente capturava minha atenção era a mulher ao meu lado.— Me diz um
Sophie Narrando A noite passada foi simplesmente maravilhosa. Daquelas que deixam um sorrisinho bobo no canto da boca e a sensação boa de que tudo foi mais do que esperava. Assim que entrei no meu apartamento, tirei os sapatos na porta, fui direto para o quarto, e sem pensar duas vezes, tomei um banho longo e quente. A água caía pelos meus ombros, levando consigo o cansaço e as lembranças que ainda dançavam na minha mente. Depois, me enrolei na toalha felpuda e me joguei na cama. Apaguei. Dormi como uma pedra.Acordei já passava do meio-dia. O sol invadia o quarto pelas frestas da persiana, e eu me sentia outra pessoa. Dormi profundamente, sem interrupções. Estava renovada, corpo e alma. Levantei devagar, espreguicei os braços e fui direto para o chuveiro outra vez. O banho matinal teve cheiro de sabonete de sálvia e som de música baixa vindo do meu celular.Enrolei os cabelos na toalha, vesti um shortinho de algodão e uma blusinha leve, e fui para a cozinha. Comecei a preparar o alm
Ethan Narrando A entrada VIP era discreta, do jeito que eu gosto. Passei sem dificuldade, cumprimentando apenas com um aceno os seguranças que já estavam instruídos. A música alta e o cheiro de álcool caro misturado com perfume doce me envolveram assim que atravessei a cortina de veludo. Eu não sou um habitué de boates, mas abria exceções para pessoas que realmente mereciam, e Davi é uma dessas raras exceções.Segui direto para o lounger reservado. Era uma área mais afastada, com poltronas de couro e vista estratégica para a pista de dança. Assim que vi Davi, fui até ele. Seu sorriso largo e o copo na mão denunciavam que já estava em clima de comemoração.— Parabéns, meu velho amigo — disse, entregando a pequena caixa preta com o relógio de ouro que mandei meu motorista comprar, de última hora.— Caralho, Ethan! — ele arregalou os olhos, rindo alto. — Isso aqui vale mais que meu carro.— Gosto de ser generoso com os poucos que merecem — respondi, mantendo meu tom calmo.Davi fez ques