Ethan Narrando Passei a manhã inteira em minha suíte, concentrado nos relatórios do último trimestre dessa Obra, antes do embargo. O silêncio era necessário. Não suporto interrupções, especialmente quando estou imerso em números e decisões que movimentam milhões. Só desci para o almoço porque seria grosseiro demais faltar. Almoçamos eu, John, Sophie e Pedro. Conversas superficiais. Pedro falando de investimentos, John fazendo piadas, e Sophie, apenas observando. Ela tem esse jeito silencioso de analisar tudo ao redor, mas seus olhos entregam mais do que ela imagina.Assim que terminamos, voltei para minha suíte. Não pretendia ser interrompido novamente, mas, claro, John não entende limites.Ele apareceu como sempre, batendo até que eu abrisse.— Você tá pegando pesado com a Sophie — ele disse, cruzando os braços como se fosse meu juiz.— Isso é coisa da sua cabeça — respondi, seco. E voltei para a mesinha, onelde meu notebook estava aberto.— Não, Ethan. Eu te conheço. E você tá mex
Sophie Narrando Chegamos ao Rio de Janeiro no início da noite. O voo foi maravilhoso, consegui descansar um pouco depois de toda a tensão dos últimos dias. Foi tanta pressão, tanta correria, que esse momento de pausa nas alturas foi quase um alívio. Esses dois dias foram intensos, não apenas pela responsabilidade do projeto, mas também pela presença do senhor Ferraz, o Dono das ferraduras mais afiadas.Assim que desembarcamos, ele se virou para mim com sua expressão impassível de sempre e disse:— Posso te dar uma carona até sua casa.Assenti, um pouco surpresa com o gesto. Não era o tipo de coisa que eu esperava dele, mas confesso que estava exausta e aceitar foi um alívio. O motorista já nos aguardava do lado de fora do aeroporto. Ele pegou minha mala com rapidez e, após eu informar meu endereço, digitou no GPS sem dizer uma palavra.Durante o trajeto, mantivemos o silêncio por alguns minutos, até que, de forma inesperada, o senhor Ferraz quebrou a barreira invisível entre nós com
Ethan Narrando Cheguei na empresa às sete e quatro. Dois minutos fora do comum. Gosto de ser o primeiro a chegar, de sentir o silêncio que antecede o caos, de dominar o ambiente antes que ele tenha tempo de reagir. Assim que cruzei o saguão do andar da presidência, senti aquele perfume. Doce, com uma nota sutilmente de ameixa. Era ela. Sophie. Seu perfume sempre chega antes dela, uma mistura que remete à grossura da ameixa, intensa, quase impertinente, mas envolvente. Ela acha que é sutil. Não é. É memorável.Ignorei tudo ao redor, como de costume. Não há necessidade de cumprimentos protocolares quando se está na minha posição. Fui direto para minha sala, um espaço que reflete exatamente quem eu sou: vidro, aço escovado e silêncio. Em menos de dois minutos, como um relógio bem ajustado, a secretária entrou com o café. Fumegante, escuro como a noite sem lua, forte e amargo do jeito que eu gosto.Tomei o primeiro gole e senti a familiar queimação na garganta. Reconfortante.Logo em se
Ethan Narrando Não estava conseguindo dormir. Já passava das duas da manhã e, mesmo de olhos fechados, minha mente rodava como um relógio quebrado que insiste em funcionar, só que fora de ordem. Penélope. Onde ela estava naquela noite? A pergunta ecoava, martelando como se gritasse dentro da minha cabeça, me lembrando que a verdade podia estar debaixo do meu nariz, mas eu ainda não conseguia enxergar.Suspirei com força, irritado. Me virei mais uma vez na cama e, vencido pela inquietação, me levantei. Passei as mãos pelos cabelos, bagunçando os fios já desgrenhados pela falta de sono, e fui até o escritório. A luz suave do abajur lançava sombras nas estantes, mas não me senti acolhido ali. Não queria trabalhar. Também não queria beber, embora o uísque no canto parecesse me provocar, como se soubesse que eu estava à beira. Ignorei.Atravessei a casa em silêncio até a área externa. A piscina aquecida parecia o único lugar onde eu conseguiria respirar. Tirei a calça de moletom e mergulh
Sophie Narrando Cheguei à construtora às 6h50, como sempre. Estou me adaptando a chegar cedo, antes do movimento começar. O silêncio do escritório pela manhã tem algo reconfortante, é o único momento em que tudo ainda está em ordem, antes que o caos do dia me engula.A secretária executiva chegou junto comigo. Ela sorriu, e eu retribuí. Trocamos um bom dia educado, e seguimos nosso caminho. Passei direto para a copa e preparei o café do senhor Ferraz. Já aprendi do que ele gosta: forte, sem açúcar. Café forte e amargo, como ele. Despejei na caneca térmica personalizada e levei até sua sala, deixando-a cuidadosamente sobre a mesa de vidro. Ajustei ligeiramente o ângulo da caneca, ele gosta de tudo alinhado. Pequenos detalhes fazem diferença.Depois, fui para minha mesa na ante-sala e comecei a revisar a agenda do dia. Peguei minha caneta azul e comecei a grifar os compromissos mais críticos: reuniões com os investidores às dez, conferência com a equipe da filial do Sul às três, vistor
Ethan Narrando Saí do escritório mais cedo hoje. Coisa rara. Mas o motivo era nobre, ou ao menos socialmente aceitável. Um jantar beneficente no restaurante do Hotel Palace, daqueles que a alta sociedade adora frequentar para se sentir útil por algumas horas, entre uma taça de vinho caro e uma sobremesa assinada por algum chef renomado.Não que eu desgoste do evento em si. Tem sua importância, claro. Mas prefiro ajudar sem precisar posar para fotos ou participar de conversas vazias sobre o tempo e investimentos. Ainda assim, presença é influência, e influência move causas, então lá vou eu.Cheguei em casa pouco depois das 18:30h. A luz suave do fim da tarde entrava pelas janelas da sala, tingindo tudo com um tom dourado. Tirei o paletó e afrouxei a gravata antes mesmo de fechar a porta. Soltei um suspiro, daqueles que a gente solta sem nem perceber. O dia tinha sido longo.Fui direto ao bar, dispensei gelo e escolhi o melhor whisky que tinha ali. Servi uma dose generosa e encarei o
Sophie Narrando Eu estava exausta. A semana tinha sido puxada, reuniões intermináveis, aquela viagem nada tranquila e compromissos sem fim e ainda precisei acompanhar o Sr. Ferraz em um jantar. Respirei fundo antes de começar a me arrumar. Ainda bem que amanhã é sábado… finalmente um descanso.O evento será no restaurante do Palace Hotel, um dos mais sofisticados da cidade. Me vesti com calma, mesmo cansada. Escolhi um vestido elegante, mas discreto. Me maquiei com cuidado, e nos pés, um salto que provavelmente me faria arrepender no fim da noite. Quando saí do quarto, Elizandra, me lançou um olhar maroto.— Uau, você tá pronta pra acertar em cheio o coração do seu chefe, Sôso!Sorri, meio sem graça.— Que coração? — brinquei, fazendo-a rir também.Descemos juntas, e quando cheguei à frente do prédio, o carro já estava estacionado. O motorista do Sr. Ferraz estava ao lado da porta, me esperando. Me aproximei com um simples:— Boa noite.— Boa noite, Sophie — ele respondeu.O trajeto
Ethan Narrando Era para ser apenas mais um jantar beneficente. Mais um daqueles eventos de gala em que eu compareço por obrigação, uso o mesmo terno impecável, distribuo sorrisos calculados e falo sobre doações e projetos sociais com empresários que só estão ali para limpar a própria imagem. Mas essa noite, foi diferente.Ou melhor, alguém foi diferente.— Impressionante como você consegue deixar qualquer ambiente mais leve — disse, pegando uma taça de espumante.— E você impressiona por aparecer aqui sem aquele ar entediado de sempre. — Ela ergueu uma sobrancelha, provocando.— Talvez seja porque, pela primeira vez, eu realmente quero estar aqui.Ela riu, e aquele som despertou algo em mim. Algo adormecido. Algo esquecido.Durante o jantar, sentamos lado a lado na longa mesa decorada com flores brancas e velas elegantes. A comida era refinada, o serviço impecável, mas nada disso me interessava. A única coisa que realmente capturava minha atenção era a mulher ao meu lado.— Me diz um