Ethan Narrando
A manhã foi bem produtiva. A nova assistente se mostrou tão competente quanto o currículo prometia. Segura, profissional, sabe a hora de se calar. Gosto dessas características, não tenho paciência para gente que fala demais ou se perde nos próprios passos. Assim que terminei minha última reunião do turno da manhã, saímos da sala de Conferência. — Vá almoçar, e volte no horário, não tolero atrasos, logo após o almoço, tenho um compromisso externo e quero que me acompanhe. — Sim, Senhor. Ela assentiu com um leve movimento de cabeça, saí andando, tenho um compromisso. Deixei a construtora, o restaurante ficava a duas quadras, onde o novo investigador me esperava. Escolhi um lugar discreto, nada muito chamativo. O assunto exigia discrição. Ele já estava sentado, consultando algo em uma pequena pasta. Se levantou assim que me viu. — Sr. Ferraz. Uma honra. — Sem formalidades — disse, apertando sua mão. — Pode me chamar de Ethan. Sentamos. Pedi meu prato habitual, ele fez o mesmo. Não estava ali para saborear nada, o que eu queria mesmo era respostas. — Você já deve ter lido o que mandei — comecei, direto ao ponto. — Mas há algo que não coloquei no relatório. Algo que me incomoda desde aquela noite. Ele me olhou, atento. — Minha esposa não estava sozinha quando sofreu o acidente. — Tem certeza disso? — Absoluta. O carro estava em uma estrada secundária. Não era um caminho de nenhum lugar que ela frequentasse. E o celular dela, desapareceu. A perícia nunca encontrou. Isso não é coincidência, nem sequer o chip, na bolsa Só estava os documentos e os cartões. — A polícia concluiu que foi um acidente causado pela chuva. Soltei um riso seco. — A polícia conclui o que é mais fácil encerrar. Mas eu conhecia a minha esposa. Ela dirigia bem. E não bebia. Alguém estava com ela. E eu quero descobrir quem. Ele folheou alguns papéis. — Eu posso começar verificando as câmeras próximas ao trajeto e refazer o passo a passo das últimas horas dela. Preciso de acesso ao que sobrou do carro e qualquer outro dado que o senhor tiver. — Vai ter tudo. E quero que você escave fundo. Se tiver alguém por trás disso, eu vou saber quem é. Ele assentiu com seriedade. — Vai saber. Prometo. Fechamos o acordo com um aperto de mãos. Saí do restaurante com a sensação de que, enfim, tinha dado o primeiro passo para descobrir a verdade. Voltei para a empresa sem pressa, mas com a cabeça fervendo, tudo se misturava. Eu precisava manter o controle. Assim que entrei no andar da presidência, meus olhos foram direto para a mesa da recepção. Sophie já estava ali. Postura impecável. Pontual. Isso é bom. Ela se levantou ao me ver. — Está pronta para sairmos? — perguntei, sem diminuir o passo. — Sim, senhor. Assenti. Talvez ela realmente fosse útil. E, nesse momento, me cercar de pessoas competentes era tudo que eu precisava. Visitar obras nunca foi um problema pra mim. É parte da rotina, e se tem uma coisa que eu prezo é estar por dentro de tudo que acontece, principalmente nos projetos mais caros. Hoje levei Sophie comigo. Queria observar como ela se comportaria fora do ambiente do escritório. Claro que não fomos diretamente pra construção. O local era de risco, não se leva uma assistente com salto fino pro meio de brita e poeira. Nos reunimos na base administrativa, dentro do contêiner equipado, onde o engenheiro responsável, Rafael, já nos aguardava. — Boa tarde, Sr. Ferraz — ele cumprimentou com um sorriso presunçoso. — Está tudo dentro do cronograma. Tivemos alguns ajustes nas fundações, mas nada fora do esperado. — Detalhe esses ajustes. — Cruzei os braços, mantendo minha postura rígida. Enquanto eu falava, percebi algo que me incomodou imediatamente: seu olhar não se fixava em mim, e sim em Sophie. Ela, por outro lado, manteve a compostura impecável. Olhava apenas pra mim, anotava o que considerava importante e sequer pareceu perceber os olhos do idiota a devorando. Me levantei da cadeira e fui até ela, ficando entre os dois. — Repita tudo o que acabei de dizer — pedi, encarando Rafael. Ele engasgou. Literalmente. — É... eu... como disse, houve um pequeno desnível... nas fundações... nada que não tenhamos corrigido já. — Olhe pra mim quando eu estiver falando. — Minha voz saiu mais cortante do que o necessário, mas não me importei. — Não olhe pra minha assistente. O homem ficou vermelho. Claramente envergonhado. Voltei ao meu lugar, ajeitei a cadeira e encostei com calma. — Assim é bem melhor. Terminamos a reunião em menos de vinte minutos. As informações estavam registradas, e Sophie não deixou passar um único detalhe. Quando saímos, caminhei em silêncio até o carro com ela ao meu lado. — Onde você mora? — perguntei, já ligando o motor. — Na rua Luiz Gama, número 56, Na barra. Dirigi até o local indicado. O bairro era tranquilo. Casas de classe média, tudo bem cuidado. Sophie se despediu com um leve sorriso e agradeceu pela carona. — Obrigada, senhor Ferraz. Assenti com a cabeça, observando-a entrar pelo portão do prédio. Voltei à empresa. Já estava no fim do expediente dela, de qualquer forma. Pelo menos por hoje, ela se demonstrou uma excelente profissional. Atenta, discreta, postura irrepreensível, e não se deixou intimidar com o olhar sujo daquele engenheiro medíocre. Se continuar assim, pode ser que eu a mantenha mais tempo do que pensei. Mas não estou aqui pra criar vínculos, só pra manter o que funciona. E por hoje, ela funcionou muito bem.Sophie Narrando Eu posso dizer que esse primeiro dia foi um verdadeiro teste. E, sinceramente? Acho que passei. Meu Deus, que homem difícil! Não que ele seja péssimo, longe disso. É educado, cortês até, mas é fechado, sério, sem expressão nenhuma. Quando abre a boca, parece que cada palavra é medida, e dita como se fosse um chicote estalando no ar. Apesar disso, preciso reconhecer: ele é extremamente profissional. Exigente, sim. Mas também justo. Durante a visita à obra, estávamos naquele container que funciona como escritório, apertado, abafado e com cheiro de café velho, quando algo inesperado aconteceu. O engenheiro responsável pela obra, um tal de Rafael Mendonça, me olhou de um jeito estranho. Daqueles olhares que fazem a gente querer sair correndo pra tomar banho e se livrar da sensação ruim. Arrepiei inteira. Tentei disfarçar, focar nos papéis, fingir que não percebi. Mas acho que o senhor Ferraz percebeu. Sem dizer uma palavra, ele se levantou da cadeira, veio até onde eu
Ethan Narrando O relógio marcava 5h30 quando o alarme tocou. Me levantei sem hesitar. Uma rotina rígida me acompanhava há anos, e hoje não seria diferente. Após uma corrida leve de trinta minutos na esteira, tomei um banho gelado, uma prática que mantinha minha mente alerta. O espelho embaçado do banheiro refletia meu semblante inexpressivo. Sequei o rosto, ajeitei o cabelo com precisão e vesti um terno cinza escuro alinhado, camisa branca impecável e gravata azul-marinho. No closet, ajustei o Rolex no pulso, calcei os sapatos italianos e conferi os documentos na pasta de couro. Um último olhar para o espelho. Postura reta. Olhar firme. Estava pronto. O carro me esperava na garagem. Durante o trajeto revisei relatórios no tablet, enquanto o motorista seguia em silêncio. Ao chegar à sede da Ferraz Engenharia, subi direto para o andar da presidência. Hoje o Jhon chega de suas férias, ele fez uma viagem internacional para descansar, mas conseguiu fechar um negócio milionário. Vamos c
Ethan Narrando O dia foi um verdadeiro pandemônio. Não parei nem por dez minutos. Entre reuniões, ligações e visitas inesperadas, a agenda parecia cada vez mais fora de controle. No meio do caos, liberei a Sophie na hora do almoço, mas pedi que, assim que terminasse de comer, voltasse direto para a empresa. Sua hora de almoço seria devidamente recompensada como hora extra. Ela não reclamou, como sempre, eficiente e profissional.Jhon, que andava por perto, se ofereceu para almoçar com ela, provavelmente numa tentativa de escapar da sala quente de reuniões, mas mandei ele entrar comigo no escritório. Pedi para a Sophie, antes de sair, solicitar dois pratos executivos e mandar entregar na empresa. Ela fez isso com a agilidade de sempre e, em poucos minutos, já estava fora.Fechei a porta, puxei a cadeira e encarei Jhon, que já tinha um caderno de anotações aberto na mesa.— Vamos direto ao ponto — comecei, soltando um suspiro cansado. — O projeto da filial em Salvador está travado. O e
Sophie Narrando Nunca imaginei que fosse fazer uma mala tão rápido. Mal tive tempo de entender que realmente ia viajar com o Sr. Wilker e outro engenheiro, e já estava com a cabeça a mil, segundo dia de trabalho, e já recebo essa missão tão importante. O Senhor Ferraz havia me mandado uma mensagem dizendo que o motorista estava a caminho da minha casa para me levar direto ao aeroporto. Não sabia se essa viagem seria rápida ou não, então joguei umas roupas básicas, documentos, meu tablet, o carregador, alguns itens de higiene e finalizei com um blazer, por precaução. Tomei um banho correndo, me arrumei com uma roupa confortável, porém apresentável, e desci com a mala de rodinhas na mão.Ainda deu tempo de mandar uma mensagem para Elizandra:— Liz, vou viajar a trabalho, o Sr. Ferraz me avisou de última hora. Te explico depois, beijo!Na portaria, fiquei esperando o motorista que chegou em menos de dez minutos. Entrei no carro e seguimos em direção ao aeroporto, em completo silêncio.
Ethan Narrando Trabalhei a tarde inteira, mas minha mente insistia em me trair. Por mais que tentasse focar nos relatórios, contratos e projeções, os rostos de Jhon, Pedro e Sophie me invadiam a cada minuto. Eles estavam a caminho de Salvador para resolver o impasse da obra embargada, e eu odiava depender de terceiros, mesmo quando esses terceiros eram minha melhor equipe.Já era começo da noite quando Clara entrou na minha sala.— Doutor Ethan, estou indo. Já deu meu horário.Levantei os olhos por um segundo e apenas assenti com a cabeça. Clara já estava acostumada com minhas respostas curtas. Às vezes, um gesto meu valia mais do que mil palavras. Ela saiu sem esperar mais nada.Olhei para o relógio. Oito da noite e nenhuma posição concreta. Peguei o celular e enviei uma mensagem para Sophie.— Alguma novidade?A resposta veio quase instantaneamente.— Ainda estamos em reunião.Isso só aumentou minha inquietação. Reunião às oito da noite. Algo estava mais complicado do que previmos.
Sophie Narrando Saímos da reunião sem avanço algum. Nenhuma novidade, nenhuma definição, nenhum acordo. O clima era pesado, e mesmo o Pedro, que geralmente tenta suavizar o ambiente, parecia desanimado. Sr. Wilker já foi direto:— Ethan, não vai gostar nada de saber disso.Dei um passo à frente, mantendo a postura profissional, mas já um pouco incomodada com aquele clima de tensão.— O Sr. Ferraz me mandou mensagem durante a reunião, e eu preciso dar um posicionamento para ele.Sr. Wilker apenas me olhou com expressão cansada e disse:— Só diga que mais tarde eu ligo pra ele.Assenti. Assim que saímos do prédio, mandei a mensagem. Curta, objetiva, clara. E como de costume, a resposta dele veio do mesmo jeito: seca.“OK.”Sem pontuação, sem emoji, sem nenhuma pista de humor ou reação. Apenas aquilo. OK. Tão Ethan Ferraz.Seguimos para o hotel. Eu já estava subindo no elevador quando Sr. Wilker nos chamou.— Ei, vocês dois! Que tal jantar comigo? Tem um restaurante aqui perto, culinári
Ethan Narrando O som do despertador cortou o silêncio do quarto às 5:30 em ponto. Me levantei sem hesitar. Nunca gostei de perder tempo. Fiz minha rotina matinal com precisão: banho gelado, barba feita, terno impecável. Às 7h em ponto, desci para o café. A reunião estava marcada para as 9h, e eu precisava revisar, pela última vez, a proposta que elaborei na madrugada.Pedro e John chegaram quase juntos. Automaticamente procurei Sophie com os olhos, mas ela não estava ali.— Cadê a Sophie? — John perguntou enquanto se servia de café.Pedro deu de ombros.— Ainda não a vi. Posso mandar uma mensagem pra ela, se quiser.Balancei a cabeça.— Deixe ela descansar. Ela cumpriu muito bem o papel dela ontem à noite.Nos sentamos e começamos a comer. Conversávamos sobre os ajustes finais da proposta quando senti uma presença se aproximando. Levantei o olhar, e lá estava ela.Sophie entrou no restaurante com a postura impecável de uma secretária executiva, do tipo que faz homens perderem o foco
Sophie Narrando Aquele foi, sem dúvida, um dos cafés da manhã mais difíceis da minha vida. Eu sentia os olhos frios do Sr. Ferraz em cima de mim, analisando cada movimento meu como se eu fosse mais um relatório técnico a ser revisado. Ainda assim, comi em silêncio, enquanto eles conversavam sobre a obra, propostas, termos técnicos, conversa de engenheiro. Como não entendo muito do assunto, achei melhor ficar calada e apenas observar.Assim que terminamos de comer, o Sr. Ferraz abriu o notebook e já começou a mostrar a proposta para o Sr. Wilker e o Pedro. Fiz anotações dos pontos que considerei importantes, com base nas experiências que já tive. Grifei onde achei que deveríamos prestar mais atenção e até refiz um gráfico, destacando os itens que, na minha opinião, pareciam mais críticos naquele momento.Fomos para a sala de reuniões do hotel, a que havia sido reservada exclusivamente para esse encontro. O fiscal da prefeitura já estava lá. Era tão gentil e educado quanto o Sr. Ferraz