Acordei às seis da manhã para mais um dia cansativo, entre tantos outros. Eu morava em uma mansão considerada perfeita, em um dos bairros mais exclusivos da Zona Sul do Rio de Janeiro, o Leblon. Cresci cercada por mansões luxuosas, prédios de alto padrão, celebridades e empresários influentes, e meus pais eram um deles.
— Manu, você tem que se arrumar. — Dulce apareceu em meu quarto e eu apenas a olhei.Dulce era uma das empregadas que trabalhavam aqui em casa. Ela me criava desde pequena, já que meus "pais" não cumpriam esse papel frequentemente. Minha mãe, Mirelle Montenegro, só pensava em moda, dinheiro e status. Meu pai era até amoroso em certos pontos, mas fazia todas as vontades da minha mãe e acabava se tornando fútil igual a ela.Certa vez, perguntei à minha mãe por que ela agia com tanto descaso comigo. "Por que, se eu não for dura com você, você vai ser uma ninguém, pobre e amargurada. É isso que você quer ser?", foram as palavras dela. Bom, não podia mudar de pais.— Já estou indo, Dulce. — disse, levantando-me com certa dificuldade. Não queria sair da cama quente.Levantei, abri o closet, peguei uma calça jeans de lavagem escura e o uniforme da escola, que, inclusive, era ridículo, e tomei um banho. Como eu pouco me importava com minha "aparência", apenas molhei meus cabelos e saí do banheiro. Me olhei no espelho e estava com uma aparência horrenda.Peguei minha mochila e desci até o andar de baixo, onde meus pais estavam tomando café da manhã, em silêncio como sempre.— Bom dia, quebrei o silêncio.— Bom dia. - responderam em uníssono.— Alex, podemos ir? - falei com o motorista da minha casa, que assentiu.— Não vai comer nada? - minha mãe falou sem me olhar.— Na escola, eu compro algo,tchau! - coloquei minha mochila nas costas e saí em direção ao carro. Eu estava no último ano do ensino médio, me atrasei um pouco nos estudos porque viajamos e passamos dois anos em NY, passeando. enfim, culpo a minha mãe por isso e na época eu achava o máximo, hoje ela cobra de mim como se pudesse dizer algo.Meus pais, como sempre, não me deram atenção, mas isso já não me afetava, quer dizer, só um pouco. Eu já estava acostumada com essa má relação com minha família. Só estávamos bem nos eventos, na mídia, ou seja, vivíamos de aparência.— Você não precisa me buscar, Alex. Irei para a casa da Paula ao sair do colégio.— Mas senhorita, eles sabem disso? — ele questionou.— Sabem. — assenti e saí do carro, entrando no colégio.Minha mãe tinha deixado, pois os pais da Paula eram ricos e influentes. Só podia ser.Recebi vários sorrisos e pessoas acenando para mim. Retribuí a todos e entrei com nariz empinado. Eu era muito popular nesse e em todos os colégios que já estudei.— Amiga. — Luísa e Paula falaram em uníssono, vindo em minha direção.— Oi, gatas. — demos um beijo de lado.Conversamos um pouco e, ao ouvir o sinal bater, entramos na sala de aula.As aulas passaram voando, até chegarmos na última de matemática. Era o professor mais chato, com a matéria mais chata. Meu Deus, eu odiava as aulas de sexta-feira!— Parece que essa droga de aula passou demoradamente, até que acabou. Ufa. Que alívio.Peguei minha mochila e fui em direção ao carro da Paula. Eu passaria a tarde e dormiria lá. Graças a Deus, ficaria pelo menos um dia livre da minha mãe.No caminho, Luísa e Paula continuaram conversando animadamente, e eu recebi uma mensagem do Léo, meu primo por parte de pai e meu melhor amigo, apesar de minha mãe não aprovar nossa aproximação. Muitos devem estar se perguntando o porquê, já que ele é meu primo.O pai de Léo, que é primo do meu pai, era rico, mas faliu devido a uma certa "corrupção" na empresa. Esse é o motivo pelo qual meus pais não querem que eu tenha amizade com meu próprio primo."Fazendo o quê, pequena?""Estou indo para a casa de uma amiga, Léo. Depois nos falamos, pode ser?""Pode sim, beijos. Estou ocupado também. Trabalho.""Besta, vai trabalhar."Guardei o celular e Paula continuou o caminho falando sobre como era bom ser rica e ter tudo o que queria, ser melhor do que todos, etc. Paula era minha amiga, mas às vezes era tão fútil!Chegamos à casa dela e, como sempre, os pais não estavam. Almoçamos e fomos para o quarto dela.— Manu, vou dar uma festa em um espaço incrível hoje.— Mas e seus pais, Paula?— Eles estão viajando, não precisarão saber de nada. — ela sorriu.— Já que você não vai estar aqui, eu vou para casa.— Nada disso, mocinha. Você vai!— Mas...— Nem "mas" nem "menos". Eu falo com sua mãe. — ela pegou meu celular e ligou para minha mãe.Minha mãe permitiu, e Paula sorriu vitoriosa. Minha mãe me deixaria ir até para o inferno se fosse com amigas ricas e de boa família.— Ah, tá bom. Eu não trouxe roupa para a festa! — disse cabisbaixa.— Ou eu te dou uma nova que eu nunca usei, ou vamos buscar na sua casa. — ela sugeriu.Fomos para minha casa e eu escolhi a roupa que iria usar. Optei por um vestido rosa com detalhes em renda e um salto preto. Pegamos a roupa, passamos na sorveteria e voltamos para a casa da Paula.Me arrumei, vesti meu vestido, que ficou super lindo valorizando meu corpo, e fiz alguns cachos nas pontas dos meus cabelos lisos. Fiz uma maquiagem um pouco mais intensa e, nossa, eu estava linda.— Uau, você está linda. — Paula me elogiou e eu sorri.— Você também não está de se jogar fora. — brinquei, e ela fez uma cara feia.— O que? Eu sou linda, meu bem.— Eu sei, amiga. Brincadeira. Vamos? — ela assentiu, e fomos para o carro.Eu estava indo para essa festa também para afrontar meus pais.Chegamos na festa que Paula organizou, e nossa, estava tudo lindo.Tinha vários jovens que aparentavam ser de classe alta, e algumas pessoas suspeitas, mas enfim. E algumas patricinhas esnobes, bem do tipo que Paula gostava de andar. Até Léo estava na festa com um rapaz que não parava de me olhar. Logo, Luísa chegou e me chamou para bebermos algo. Eu não gostava de beber, pois era muito fraca para bebidas.Mas bebi. Eu estava numa vibe bem louca quando eu esbarrei com um garoto, justamente o que estava com Léo. Ele era alto, moreno, quase chegando a ser negro, um negro muito bonito, tipo aqueles playboys, olhos verdes. Ele era muito lindo, não vou negar. Era do tipo de boy que gostava de me agarrar.— Oi, festa legal não é? - ele sorriu para mim.— Oi, sim- apenas sorri timidamente.—Meu nome é Felipe, e o seu? - ele me olhou de cima a baixo.— Manuela, mas prefiro ser chamada de Manu pelos íntimos - sorri, mostrando os dentes.— Hmm - ele sorriu.Bebemos e dançamos. Todo mundo estava curtindo, eu já estava muito alterada e ele também. Fui para perto das meninas e continuei dançando e trocando olhares com o garoto, eu de um lado, ele do outro. Não vou negar, ele estava afim de mim e eu também estava muito.O som cada vez ficava mais envolvente.—Manuela você está bebâda? - Léo passou por mim tentando me segurar pois eu estava cambaleando.— Ah Leonardo, me deixa, está até parecendo um fiscal. - me soltei dele indo em direção ao rapaz com quem estava flertando a festa quase inteira.Era nessas horas que eu me sentia livre, quando estava fora de mim, para não lembrar da merda que minha vida é.— Vamos ali, beber alguma coisa - ele cochichou em meu ouvido por conta do barulho.Fomos para o bar. Ele estava me dando mole, isso não posso negar, e eu também estava a fim.Procurei pelas meninas, mas não as achei, e agora como eu ia para casa? Resolvi pedir um uber, mas o tal do Felipe se ofereceu pra me levar pra casa. Aceitei, né. Melhor do que ir de uber.No caminho, o clima foi esquentando, e eu permiti os seus toques.—Vamos pra minha casa, aqui mesmo na zona sul - ele sussurrou, beijando meu pescoço.Apenas consenti.Chegamos em seu apartamento, eu não estava nada sóbria. Ele me levou até o lugar que suponho ser o seu quarto, e nós deitamos na cama.Eu não pensava em nada, apenas no beijo doce que ele me dava, nossas línguas se entrelaçaram como uma verdadeira dança.Ele pediu permissão para tirar meu vestido, e eu apenas assenti. Não estava ligando pras consequências e eu nem sabia o que estava acontecendo.Só senti ele entrar em mim, e gritei. Foi uma dor absurda, mas logo me acostumei. Rebolei por cima dele, arranhei suas costas.Só não sabia as consequências que estavam por vir.Acordei em uma casa completamente desconhecida e, ao olhar ao meu redor, tudo voltou à minha memória. Não consigo acreditar na besteira que fiz, meu Deus.Olhei debaixo do lençol e percebi que estava sem roupas. Levantei, cobrindo-me com o lençol, peguei minhas roupas do chão e me vesti, completamente atordoada.— Você ainda está aqui? — ele me olhou com desprezo e eu fiquei sem reação.— Já estou indo, não precisa me expulsar! O que eu estava pensando quando fiquei com você, seu idiota?— Ah, você veio aqui porque quis, garota, e nem mesmo disse que era virgem. — ele revirou os olhos.— Nojo de você. — lancei-lhe um olhar de desprezo, calcei meus saltos e saí do apartamento dele imediatamente. — Ontem você não parecia estar com nenhum nojo. Pelo contrário. — ele piscou para mim. Ódio, ódio. - pensei.Não posso acreditar no que fiz. Entreguei-me a um completo desconhecido. O que vão pensar de mim agora? Calma, Manuela, esqueça que isso aconteceu, retome sua vida e acabou. Eu só prec
Uma semana se passou desde aquele incidente terrível. Minha mãe não para de me controlar, ela confiscou meu celular e me proíbe de sair de casa. Agora, é apenas da escola para casa para mim.Eu não sei o que está acontecendo comigo, droga. Estou enjoada, me sentindo mal, meu estômago embrulha facilmente com qualquer coisa que como. Quer dizer, se eu conseguir comer.— Manuela? - meu pai se aproximou.— Oi, pai. - dei um sorriso forçado.— Posso saber o que está acontecendo?— O quê? - fingi não entender, realmente não estava entendendo.— O clima entre você e Mirelle.— É... Você sabe como é minha mãe, pai.— Ok, vou para a empresa, tchau. - ele deu um beijo no topo da minha cabeça e saiu.Meu pai era um bom homem, mas mal nos encontrávamos, pois ele trabalhava demais. E quando estava em casa, "minha mãe" enchia o saco.Hoje é sábado, pelo menos não tenho que ir para a escola. Depois de tudo isso, Paula e Luísa mal falam comigo, ou me evitam, ou apenas trocam palavras.**Duas semanas
Mais um dia de tortura indo para aquela escola, e eu não conseguia me concentrar em nada. Calcei um Vans branco com listras pretas, fiz um rabo de cavalo nos cabelos e passei uma maquiagem simples para tentar disfarçar minha cara de choro. Peguei os livros das respectivas matérias de hoje e desci.Meus pais já tinham ido para o trabalho, dei bom dia a Dulce e já ia saindo de casa quando ela me chamou para um canto.— Manu? Você tem que comer algo.— Dulce, desculpa, mas eu não quero comer. Não sinto vontade de fazer nada, só chorar.— Mas você tem que se alimentar. Isso faz mal.Ela tinha razão, e se eu estivesse grávida? E se passasse mal na escola, todos iriam saber do meu desprazer!Entrei no carro e fui em silêncio... Não tinha mais prazer em nada na vida. Por que? Por que tudo isso estava acontecendo comigo?Ao chegar no colégio, fiquei sentada mexendo no celular até que Paula chegou perto de mim.— O que você quer? — disse seca.— Eu vim te pedir desculpas!— Pelo quê mesmo? — f
Eu não quero ter esse bebê, não quero, mas ao mesmo tempo lembro do que Dulce me falou... É só uma criança. Mas estou com medo, triste e sem saber de nada. Estou grávida de um dono de morro. Deus, isso não pode ser verdade. Se já queria morrer, agora que sei que estou grávida de um traficante, piorou as consequências um milhão de vezes.Pensei em tirar essa criança, pensei em tirar a vida, pensei em tantas coisas... Mas nada disso parecia ser uma boa solução. Só besteiras. Toda vez que pensava em abortar, lembrava do que Dulce havia me dito. Eu sou tão jovem, não estou preparada para este fardo.Ou então, já sei, poderia pedir para minha mãe viajar, ter esse filho lá e entregá-lo para adoção bem longe de mim. Estou me sentindo péssima!— Alô? — atendi o telefone assim que tocou.— Oi, Manu, como cê tá? — era Léo.— Não posso dizer que estou bem, né. — suspirei. — Estou um caco.— Manu, fica calma. Eu estou com você, ouviu?!— Eu sei, Léo, eu te amo.— Também, loirinha. Eu tenho que i
Manuela narrandoCheguei na casa de Léo e interfonei com o senhor Rogério, que era o porteiro do apartamento de Léo. Como ele já me conhecia, me deixou subir sem problemas. Eu costumava vir aqui quando era mais nova.— Manu? Desculpa perguntar, mas você tá bem? - seu Rogério se aproximou e me perguntou.— Sim, senhor Rogério. Eu só poderia pedir para o senhor me ajudar com essas malas? Preciso colocá-las no elevador.— Claro que sim, ajudarei você. - ele colocou minhas malas no elevador, se despediu e voltou ao seu posto.É incrível como um porteiro com quem conversei apenas algumas vezes percebe que algo está errado, enquanto minha mãe e meu pai, que me deram a vida, estão pouco se lixando. Como eles puderam me expulsar, sabendo que estou grávida e sozinha no mundo, sem a mínima consideração pela menina que eles viram crescer.Apertei o andar de Léo até chegar a ele. Peguei meu celular e liguei para que ele abrisse a porta.— Leonardo, abre aí a sua porta.— Como assim, onde você est
Léo narrandoUma semana se passou desde que Manu chegou aqui, e eu estava me sentindo devastado por tudo o que estava acontecendo com minha prima. A dor em meu peito era insuportável.Eu a amo de todo o meu coração, cara. Não posso acreditar que deixei que isso acontecesse com ela. Mas eu e Felipe vamos ter uma conversa séria. Ah, com certeza vamos!Saí de casa bem cedo, deixando Manu dormindo, mas antes passei em seu quarto para dar uma olhada nela. Ela estava dormindo como um anjo, parecendo tão frágil e inocente, como se o mundo ao seu redor não estivesse desmoronando.Peguei a chave do meu carro, um veículo antigo, mas que ainda funcionava bem. Desde que meu pai "perdeu tudo", nunca mais pude desfrutar dos antigos luxos que tínhamos. Saí de casa e liguei para Felipe, avisando que já estava a caminho.— Felipe, estou indo aí, beleza?— Falou, Léo, mas como assim você nunca mais veio aqui no Vidigal? Agora decide me visitar? — ele falou com um tom de desconfiança em sua voz.— É um
**Felipe narrando:**Assim que sou soube que estava prestes a ser "papai", não consigo pensar em outras coisas.Me sentei no sofá da minha sala e fiquei usando maconha... A única coisa que me relaxa.De repente, vi a porta se abrindo rapidamente e dei de cara com o capiroto do PL, meu primo e um dos únicos parentes além de Galego, meu primo insuportável e arrombado.— Pô cofoi, vai invadir a propriedade do ladrão é? — falei revirando os olhos.— Eu que o diga, uma hora dessas você se drogando aí.— Ih, rouba a brisa não Paulo Lucas. — puxei a fumaça do cigarro.— Tá estressado é?— Tô, pra caralho. Mas veio fazer o quê aqui? Nem dez da manhã são ainda.— Alá, tá me expulsando, já vou. — fez-se de ofendido e ia saindo.— Ih, deixa de frete PL. Senta aí e bora fumar mais comigo.— Eu não sou igual a você, que se droga toda hora.— Nossa, me ofendeu. — dei um sorrisinho sarcástico.— O desgraçado do Galego tá provocando de novo.— Não suporto esse filho da puta! O que ele fez agora?
Manuela Hoje era o dia em que eu teria que ir para essa droga de lugar... Ai, que ódio. Queria poder fugir ou implorar para o Léo me deixar ficar aqui. Mas não dava. Vesti qualquer roupa, fiz um coque nos cabelos e calcei uma sapatilha. Para quê me arrumar para ir para essa favela de gente pobretona? — Vamos? — Léo me chamou. — Sim. — falei com desdém. Estava com ódio, muito ódio. Léo não podia me entregar a esse bandido assim, e se ele me matar? Entramos no carro, e eu fui o caminho todo enjoada. Esse bebê está me trazendo problemas... Andamos mais um pouquinho e fomos chegando à tal favela. Eu não sabia nada sobre favelas, nunca tinha pisado meus sapatos caríssimos em uma, mas sei que é um lugar onde tem criminalidade. Pelo menos é o que minha mãe dizia destas pessoas sempre que passava algo na tv. Não sei como Léo teve coragem de se envolver com esse pessoal.Minha vida se tornou um inferno! Tudo por causa desse infeliz, esse monstro, bandido, não tenho nem palavras para des