Mais um dia de tortura indo para aquela escola, e eu não conseguia me concentrar em nada. Calcei um Vans branco com listras pretas, fiz um rabo de cavalo nos cabelos e passei uma maquiagem simples para tentar disfarçar minha cara de choro. Peguei os livros das respectivas matérias de hoje e desci.
Meus pais já tinham ido para o trabalho, dei bom dia a Dulce e já ia saindo de casa quando ela me chamou para um canto.— Manu? Você tem que comer algo.— Dulce, desculpa, mas eu não quero comer. Não sinto vontade de fazer nada, só chorar.— Mas você tem que se alimentar. Isso faz mal.Ela tinha razão, e se eu estivesse grávida? E se passasse mal na escola, todos iriam saber do meu desprazer!Entrei no carro e fui em silêncio... Não tinha mais prazer em nada na vida. Por que? Por que tudo isso estava acontecendo comigo?Ao chegar no colégio, fiquei sentada mexendo no celular até que Paula chegou perto de mim.— O que você quer? — disse seca.— Eu vim te pedir desculpas!— Pelo quê mesmo? — fingi não me importar.— Minha mãe me proibiu de andar com você, Manuela. Disse que você é uma má influência.— Hmm, que bom para você. — sorri e saí do lugar, indo em direção à sala.As aulas passaram rápido, se é que eu consegui prestar atenção em algo.Saí esbaforada do colégio e fui em direção à sorveteria onde marquei de encontrar o Léo, que ficava perto do colégio. Mandei uma mensagem para ele, e logo ele respondeu dizendo que já estava chegando.Me sentei em uma das mesas da sorveteria e fiquei esperando o Léo, com o coração na mão.— Pequena? — ele chegou por trás de mim, me dando um pequeno susto.— Ai que susto, Léo.— Desculpa, não era minha intenção. Mas e aí, como você está?— Bem mal. — suspirei. Eu quero morrer, Léo.— Não fala isso nem de brincadeira. Não vou deixar isso acontecer. Você está bem? Está pálida.— Tudo bem. Só estou enjoada e um pouco nervosa também.— Abre a mochila, que vou te entregar o negócio. — ele tirou o teste de gravidez da sacola e me entregou discretamente por debaixo da mesa.— Obrigada. Está parecendo que você está me passando drogas. — sorri. E agora, o que eu faço? — perguntei sem entender, nunca havia utilizado um teste de gravidez antes.— Eu também não sei como fazer isso, mas tem as instruções.— Léo... E se eu realmente estiver esperando um filho?— Se for, Manu, você vai ter que enfrentar e falar com o Felipe. Ele precisará assumir as responsabilidades de pai. Mas você precisa saber de algo antes.— O quê? — minha curiosidade foi despertada.— Olha, esquece. Só faz o teste e me conta imediatamente o resultado, tá? Estou de folga hoje, estou disponível a qualquer hora para você. Te amo, prima.— Valeu, eu vou indo. Estou nervosa, sinto como se meu coração fosse pular pela boca.— Vai dar tudo certo, e se não der, vamos dar um jeito. — ele me beijou no rosto, e eu peguei um táxi para ir para casa.Cheguei em casa, e minha mãe estava almoçando. Meu pai não estava em casa, provavelmente tinha tido uma reunião de negócios urgente. Passei pela grande sala de jantar sem falar com ela, mas foi inútil.— Oi pra você também, Manuela. — ela disse de forma grosseira.— Oi, mãe. — respondi sem graça.— Vou sair. Tenho um desfile super importante para ir hoje. Deixei pessoas de vigia. Nem pense em sair de casa.— Hm. Legal. — dei de ombros e subi.Era incrível, ela só se importava com trabalho, reuniões, desfiles... Droga, a vida não era só isso. A vida era amor, era cuidar dos filhos, era ter uma família. Coisas que eu nunca saberia o que significavam.Fui até o quarto rapidamente, tranquei a porta do banheiro e tirei o teste da mochila.— Vamos lá, Manuela, vai dar negativo, você vai ver. — pensei em voz alta.Fiz como indicava ali, mais trêmula do que qualquer coisa, fiz xixi no teste e fiquei ainda mais nervosa ao ler na bula que o resultado apareceria entre 3 e 5 minutos...Esperei os "dolorosos" minutos que mais pareciam uma eternidade até que o resultado apareceu, e...Dois tracinhos? Não, não podia ser. Meu Deus, não podia ser. Uma noite havia estragado toda a minha vida. O que seria de mim agora? Eu estava literalmente "lascada".Minha única reação foi ligar para contar ao Léo.— Léo? — falei com a voz falhada.— Fez o teste? — ele parecia nervoso.— Vem aqui, por favor. — disse isso e desliguei o telefone.Não tinha reação para nada, me abaixei e fiquei ali no chão do banheiro, calada. Nem chorar eu conseguia, as lágrimas não saíam. Só conseguia sentir uma dor na alma, uma pontada no coração. A negação tomava conta de mim. por mais que eu já fosse de maior eu não tinha nada, nem a escola eu conclui ainda.— Manu? — Léo me chamou, mas eu não conseguia responder, só conseguia chorar. — Manuela, me responde!— Estou aqui. — falei baixinho.— O teste deu positivo?— Olha... — mostrei o teste para ele, ainda chorando.— Positivo. — ele suspirou, e eu assenti, ainda chorando. — Caralho, fica calma. — ele me abraçou.— Como você quer que eu fique calma? — me levantei e me debrucei sobre a pia.— Minha mãe vai me matar vai tirar tudo de mim.— Você tem que ser forte, Manu. Olha pra mim. — ele virou meu rosto. — O que eu vou te contar é uma barra. Me desculpa, eu devia estar te vigiando naquela festa, se fosse por mim, isso não teria acontecido. — ele esmurrou a parede.— A culpa não foi sua. Minha mãe tem razão, eu sou uma qualquer. Eu que quis ficar com ele, eu caí no primeiro cara que me apareceu. — chorei ainda mais.— Ei, você não é uma qualquer! Olha pra mim. — olhei para ele com os olhos vermelhos. — Eu vou te contar uma coisa, mas não estou conseguindo contar.— O quê, Léo? Fala logo, por favor. Pior não pode ser. — disse entre soluços.— Felipe, ele... — ele respirou fundo.— Ele é casado? O que é?— Pior que isso! Ele é o... Dono do morro da Vidigal. — ele falou rapidamente, como se tivesse se livrado de um peso.— Não. Pelo amor de Deus, diz que isso não é verdade, Leonardo. Por favor.Meu mundo caiu ali em instantes. Eu não sabia o que fazer dali em diante.Eu não quero ter esse bebê, não quero, mas ao mesmo tempo lembro do que Dulce me falou... É só uma criança. Mas estou com medo, triste e sem saber de nada. Estou grávida de um dono de morro. Deus, isso não pode ser verdade. Se já queria morrer, agora que sei que estou grávida de um traficante, piorou as consequências um milhão de vezes.Pensei em tirar essa criança, pensei em tirar a vida, pensei em tantas coisas... Mas nada disso parecia ser uma boa solução. Só besteiras. Toda vez que pensava em abortar, lembrava do que Dulce havia me dito. Eu sou tão jovem, não estou preparada para este fardo.Ou então, já sei, poderia pedir para minha mãe viajar, ter esse filho lá e entregá-lo para adoção bem longe de mim. Estou me sentindo péssima!— Alô? — atendi o telefone assim que tocou.— Oi, Manu, como cê tá? — era Léo.— Não posso dizer que estou bem, né. — suspirei. — Estou um caco.— Manu, fica calma. Eu estou com você, ouviu?!— Eu sei, Léo, eu te amo.— Também, loirinha. Eu tenho que i
Manuela narrandoCheguei na casa de Léo e interfonei com o senhor Rogério, que era o porteiro do apartamento de Léo. Como ele já me conhecia, me deixou subir sem problemas. Eu costumava vir aqui quando era mais nova.— Manu? Desculpa perguntar, mas você tá bem? - seu Rogério se aproximou e me perguntou.— Sim, senhor Rogério. Eu só poderia pedir para o senhor me ajudar com essas malas? Preciso colocá-las no elevador.— Claro que sim, ajudarei você. - ele colocou minhas malas no elevador, se despediu e voltou ao seu posto.É incrível como um porteiro com quem conversei apenas algumas vezes percebe que algo está errado, enquanto minha mãe e meu pai, que me deram a vida, estão pouco se lixando. Como eles puderam me expulsar, sabendo que estou grávida e sozinha no mundo, sem a mínima consideração pela menina que eles viram crescer.Apertei o andar de Léo até chegar a ele. Peguei meu celular e liguei para que ele abrisse a porta.— Leonardo, abre aí a sua porta.— Como assim, onde você est
Léo narrandoUma semana se passou desde que Manu chegou aqui, e eu estava me sentindo devastado por tudo o que estava acontecendo com minha prima. A dor em meu peito era insuportável.Eu a amo de todo o meu coração, cara. Não posso acreditar que deixei que isso acontecesse com ela. Mas eu e Felipe vamos ter uma conversa séria. Ah, com certeza vamos!Saí de casa bem cedo, deixando Manu dormindo, mas antes passei em seu quarto para dar uma olhada nela. Ela estava dormindo como um anjo, parecendo tão frágil e inocente, como se o mundo ao seu redor não estivesse desmoronando.Peguei a chave do meu carro, um veículo antigo, mas que ainda funcionava bem. Desde que meu pai "perdeu tudo", nunca mais pude desfrutar dos antigos luxos que tínhamos. Saí de casa e liguei para Felipe, avisando que já estava a caminho.— Felipe, estou indo aí, beleza?— Falou, Léo, mas como assim você nunca mais veio aqui no Vidigal? Agora decide me visitar? — ele falou com um tom de desconfiança em sua voz.— É um
**Felipe narrando:**Assim que sou soube que estava prestes a ser "papai", não consigo pensar em outras coisas.Me sentei no sofá da minha sala e fiquei usando maconha... A única coisa que me relaxa.De repente, vi a porta se abrindo rapidamente e dei de cara com o capiroto do PL, meu primo e um dos únicos parentes além de Galego, meu primo insuportável e arrombado.— Pô cofoi, vai invadir a propriedade do ladrão é? — falei revirando os olhos.— Eu que o diga, uma hora dessas você se drogando aí.— Ih, rouba a brisa não Paulo Lucas. — puxei a fumaça do cigarro.— Tá estressado é?— Tô, pra caralho. Mas veio fazer o quê aqui? Nem dez da manhã são ainda.— Alá, tá me expulsando, já vou. — fez-se de ofendido e ia saindo.— Ih, deixa de frete PL. Senta aí e bora fumar mais comigo.— Eu não sou igual a você, que se droga toda hora.— Nossa, me ofendeu. — dei um sorrisinho sarcástico.— O desgraçado do Galego tá provocando de novo.— Não suporto esse filho da puta! O que ele fez agora?
Manuela Hoje era o dia em que eu teria que ir para essa droga de lugar... Ai, que ódio. Queria poder fugir ou implorar para o Léo me deixar ficar aqui. Mas não dava. Vesti qualquer roupa, fiz um coque nos cabelos e calcei uma sapatilha. Para quê me arrumar para ir para essa favela de gente pobretona? — Vamos? — Léo me chamou. — Sim. — falei com desdém. Estava com ódio, muito ódio. Léo não podia me entregar a esse bandido assim, e se ele me matar? Entramos no carro, e eu fui o caminho todo enjoada. Esse bebê está me trazendo problemas... Andamos mais um pouquinho e fomos chegando à tal favela. Eu não sabia nada sobre favelas, nunca tinha pisado meus sapatos caríssimos em uma, mas sei que é um lugar onde tem criminalidade. Pelo menos é o que minha mãe dizia destas pessoas sempre que passava algo na tv. Não sei como Léo teve coragem de se envolver com esse pessoal.Minha vida se tornou um inferno! Tudo por causa desse infeliz, esse monstro, bandido, não tenho nem palavras para des
Felipe narrando: Essa patricinha tá me enchendo o saco, falar sério. Nem chegou aqui direito e já tá me esculhambando, ai Felipe como você foi idiota de não ter se cuidado. Acordei meio sonolento, essa vida de dono de morro é foda, mano. Tem que acordar cedo porque se deixar pra os moleques resolverem as paradas, eles só fazem merda. Tomei um banho rápido e frio pra despertar, vesti uma bermuda jeans, uma camisa da Oakley e calcei minha Kenner. Coloquei minhas correntes de ouro, me olhei no espelho e tô palozo pra caralho. Saí do meu quarto e passei no corredor, cheguei na frente dela e passei em frente à porta da entojada lá. Continuei andando, mas me bateu uma curiosidade e eu voltei lá. Abri a porta devagar e ela está lá deitada em posição fetal, dormindo. Ela até parece um anjo. Seus cabelos loiros estão bagunçados, mas mesmo assim, ela ainda continua bonita. Ah, pensamentos ridículos. Me sinto confuso com tudo isso. Como foi que acabamos nessa situação? Eu nunca imaginei qu
Felipe. Destravei a glock e mirei no alvo. É sempre bom treinar meu tiro...— Já vai Fp? — Magno perguntou enquanto eu tirava o colete à prova de balas.— Já parceiro, tô cheio de coisas pra fazer.— Tipo o quê?— Dormir e comer. — disse dando risada.— Queria ter essa vida boa tua aí.— Que vida boa cara? Vida mó difícil a minha. Só hoje que tô de folga.— Pior que é, essa vida de bandido é difícil...— Até porque se o crime fosse fácil, não existiria trabalhador. — pisquei pra ele e saí.Não vim de moto hoje, porque minha bebê tá no conserto. Poderia vir com outra, mas prefiro mil vezes a minha que está consertando.Desci o morro tranquilamente, várias pessoas me dando moral, cumprimentando... As putas quase se jogando pra mim, mas só como quem eu quero.Já estava quase chegando em casa quando Bárbara me parou no meio da rua.— Felipe, precisamos conversar! — parou em minha frente.— Que é, Bárbara? Sai da minha frente, caralho. Nossa conversa só é na cama.— Que história é essa, Fe
Flávia narrandoEra hoje. O dia em que eu voltaria ao Vidigal, finalmente, para rever meu irmão, que eu nem me lembrava direito de sua face, só nos vemos por Skype.Estou no auge dos meus 16 anos, e não que eu me ache, tá ligado? Fui criada com minha tia e sempre tive liberdade para fazer o que me desse na telha. Agora decidi voltar para o morro, para rever Felipe e viver no Vidigal.Muitas pessoas falam do morro, que lá só é lugar de crime, dizem que o morro é lugar de bandido, matador, mas não é nada disso. Pelo que minha tia sempre me contou, minha mãe largou tudo para viver com meu pai. Ela era filha de ricos da zona sul e abandonou tudo para morar na favela. Sinto muito orgulho da minha mãe e do meu pai.— Tchau, tia, eu te amo... E pode ter certeza que eu volto aqui pra te visitar! — disse, pegando minhas malas.— Eu vou sentir saudades, Fla... — minha tia me deu um abraço apertado.— Eu também. A senhora é a mãe que eu não tive.— Vai logo. Não gosto de despedidas. Me ligue tod