Capítulo 09

Guardei algumas camisas, calças, calcinhas na mala, faltava apenas as meias que estavam na máquina e meu computador. Aysha observava me movimentando pelo quarto atrás do que faltava, a primeira coisa que ela disse após eu dizer que iria viajar para Nashville foi: "vadia, você está louca?", ela sabia de tudo que aconteceu antes de nós conhecemos na universidade; odiava minha irmã sem nem conhecê-la, não a julgava por isso.

— Acha que deveria levar? — Coloco o óculos de grau no rosto, a vejo fazer careta. — Não consigo ler nada sem eles.

— Acho que você não deveria ir.

Olho para ela pelo rabo do olho.

— Sério mesmo, quer ver sua irmã perfeita se gabando da vida perfeita e do futuro marido perfeito dela? — Ela se senta na cama largando a revista.

— Sei como lidar com egocentrismo da minha irmã, afinal trabalho para a Miranda. — Observo o óculos fundo de garrafa, definitivamente não. Coloco de volta na mesa de cabeceira.

Pego alguns livros jogando na mala também, olho para Aysha, com as mãos na cintura me perguntando se esqueci de algo, ela estava observando a foto do Nial com um sorriso malicioso.

— Vai levar seu gatão na mala também? — Brincou ela. — E a camisa que voce usa pra dormir todas as noites também vai?

Pego a foto das suas mãos colocando de volta na mesa.

— Você não tinha um encontro agora a noite?

— Ah, verdade. — Ela levanta da cama, mas antes de sair olha para mim — vai ficar bem com ele te olhando assim?

Apontou com o queixo para foto, empurro a porta na cara dela, a mesma saiu rindo.

Meu sorriso vai murchando a medida que percebo que estou sozinha, olho ao redor, meu quarto iluminado por uma fita de led cor rosa, algumas plantas de plástico e a varanda que dava visão a estátua da liberdade, mesmo distante eu podia vê-la claramente. Foi justamente o motivo que me fez alugar esse lugar, além do preço bom, tinha aquele belíssimo monumento lembrando-me que eu era livre.

Respiro fundo.

Pego a foto do Nial, me jogo na cama observando-o, meu coração acelerava só de ver seu sorriso cheio de dentes perfeitos e uma covinha para completar a beleza. Ele estava bem mais novo naquela foto, talvez fosse da época de faculdade, mas era perfeito demais para ser verdade.

Pelos céus, eu tinha 26 anos, como poderia estar apaixonada por um homem que vi uma única vez? Era loucura sentir que nossa conexão foi diferente, com certeza eu tenha sido mais uma das suas muitas, mas meu coração preferia acreditar que realmente fui especial.

Levo a foto até meus lábios depositando um beijo. Der repente sou levada para aquela noite, com seus dedos tocando meu corpo frágil e a boca voraz entre as minhas pernas. Minha mão caminha até minha intimidade, por mais que tentasse, jamais seria a mesma sensação que ele me trouxe, mas meus dedos eram a única forma de alcançar prazer nesse momento.

Acariciei meus seios como se fosse ele, pude sentir sua boca quente ao redor das minhas aureolas.

Após a explosão dentro de mim, me senti mais preparada para encarar o casamento da minha irmã e todo meu passado.

No dia seguinte Aysha me levou até o aeroporto, ficamos conversando sobre coisas aleatório até a chamada do meu voo, meu coração errou as batidas por alguns segundos.

— Se cuide, não deixe ninguém te subestimar! — Disse ela entre meus cabelos. — Qualquer coisa me mande mensagem que eu vou pra lá.

— Certo, obrigada.

Ela desfaz o abraço e olha para meus olhos.

— Promete que vai ficar bem?

Assenti com força, me convencendo também.

Sair dos braços dela foi a coisa mais difícil que fiz nos últimos anos, deixar Nova York após prometer nunca mais sair foi doloroso.

No avião, enquanto enfrentamos uma turbulência, desejei aos céus que o avião caísse, mas o clima se estabilizou me deixando ainda mais ansiosa.

Quando passamos, decidi que não iria desembarcar, olhei pela escotilha, Nashville parecia ter um ar pesado, a gravidade aqui era áspera.

Juntei os pingos da minha dignidade e levantei com a minha bagagem de mão após a aeromoça pedir que eu saísse.

Aquele foi o desembarque mais demorado da minha vida, segurava firme minha mão no corpo para não roer as unhas.

Olhava para as pessoas andando no portão de desembarque, nenhuma delas era minha mãe ou a Amands, até que avistei seus grandes olhos azuis, pele bronzeada artificialmente, ela abriu um largo sorriso quando me viu e correu na minha direção com nossa mãe vindo logo atrás, usava um vestido com estampa floral e uma jaqueta de manta rosinha, seu estilo nunca mudou.

— Cassandra! — Gritou ela enquanto me abraçava, demorei algum tempo para retribuir. — Caramba, quanto tempo.

Minhas bochechas ardiam por estar forçando um sorriso.

— Querida... — Minha mãe me puxa para um abraço, ela ainda tinha cheiro de biscoito, seus cabelos agora continham muitos fios brancos em meio aos escuros, mas os olhos azuis continuavam os mesmos azuis. — Sentimos tanto sua falta.

— É bom ver vocês depois de todo esse tempo. — Digo timidamente.

Amanda me olha dos pés a cabeça com os lábios em formato de "o".

— Você tá linda, Nova York te fez muito bem. — Ela diz, em seguida passa seu braço ao redor do meu. — Temos tanta coisa para conversar.

Minha mãe coloca sua mão na minha costa nos empurrando para o estacionamento. Amanda abriu o porta-malas para mim e me ajudou a guardar as malas. Minha mãe sentou no banco do motorista, Amanda ao seu lado e eu logo atrás. O carro deu partida, não tinha mais volta.

Ela olhou para mim no banco de trás.

— Como andam as coisas por lá, Jacarezinho?

Travo a mandíbula.

— Ninguém me chama mais assim. — Falo entre dentes.

— Ah, é verdade, você tirou o aparelho. — Fez um gesto com a mão. — Mas esse é o seu apelido carinhoso.

— Tirei, quando tinha vinte anos. — Informo.

— Seus dentes ficaram perfeitos, nem parece que eram tortos daquele jeito.

Mamãe olha para trás.

— É tão bom ver minhas duas meninas juntas de novo. — Indagou ovacionada.

Olhei para a janela, ainda lembrava perfeitamente o caminho para a nossa casa, a cidade era pequena, não tinha como não saber. Passamos pela nossa antiga escola Glencliff High, podia ouvir as risadas, os meninos me chamando de gorda e os professores me olhando com pena.

— Cassandra? — Amanda me chama, olho para ela atônita. — Lembra da escola? Nossos melhores anos.

Assenti sutilmente. Como ela podia dizer aquilo? Ela estava lá, era uma das pessoas que disseram: "Agh, é só uma brincadeira, onde está seu senso de humor?" ou durante todos aqueles anos de um bulliyng infernal.

Saí do transe quando o carro parou em frente de casa, ficava em um condomínio em uma parte ligeiramente nobre, apesar da cidade ser pacata. tinha uma cerca branca ao redor, dois pisos e uma garagem grande o bastante para caber dois carros. Desci do carro ainda zonza, olhando para a minha antiga casa, ela estava do mesmo jeito de antes.

Amanda me ajudou novamente com as malas e me puxou para dentro, da sala já podia sentir o cheiro do cachimbo do meu avô.

— Cassandra! — Ouvi sua voz rouca vindo da poltrona, não contive, fui correndo até lá abraçá-lo. — Quanto tempo, minha netinha.

— Senti sua falta, vovô. — Olho para seu rosto deteriorado pelo tempo, seu nariz cresceu de tamanho e a barriga estava maior assim como seu bigode. — Trouxe uma coisinha para você.

— Puxa, o que seria?

Procuro o globo de neve com a estátua da liberdade que comprei antes de embarcar, ele foi mal embalado pela Aysha, mas ver o sorriso do meu avô me fez crer que aquele era o presente perfeito.

— Muito obrigado, minha querida. — Ele abraçou o globo como se fosse a coisa mais importante da sua vida.

— Onde está o papai? - Pergunto olhando para minha mãe.

— Ele teve que resolver uns problemas com os barcos com o Nj, mas vai voltar o mais rápido que puder. — Minha mãe olha para Amanda — Ajude a sua irmã a ir para o quarto, vou terminar de preparar o jantar!

Amanda me guiou até a parte de cima como se eu não soubesse onde estava. Os quadros da época de escola permaneciam na parede, mais especificamente os dela segurando os pompons e usando roupas de líder de torcida estupidamente curtas. Lembro que queimei todas as minhas fotografias em um surto de raiva após a formatura.

Fomos até a porta do meu antigo quarto, um certo sentimento de nostalgia me acertou em cheio ao olhar e perceber que tudo estava com eu deixei anos atrás.

— Meu quarto... parece que vocês manteram ele. — Seguro na maçaneta.

Amanda abre um sorriso amarelo.

— Bem, em partes. Tive que guardar coisas do casamento aí dentro, então coloquei em caixas alguns dos seus pertences. — Meu queixo caiu. — Mas, está tudo no sótão, em perfeito estado.

— No mesmo sótão onde haviam mais ratos que teias de aranhas?

Ela gesticula com a mão.

— Tenho certeza que está tudo em perfeita ordem.

Abri a porta, as caixas tomavam conta de metade do espaço total do quarto, pelo menos a cama estava feita.

— Prometo que vou arrumar tudo quando as coisas voltarem ao normal. — Ela diz atrás de mim, percebendo meu desconforto.

— Não tem problema, nem moro mais aqui. — Respondo dando de ombros. — Então, me fala sobre seu noivo.

Os olhos dela brilham. Ela caminha até a cama e senta na borda.

— Ele é maravilhoso, filho de um homem super importante em algum lugar da Europa, tem o sorriso mais bonito do mundo. — Ela mal respirava com toda essa ansiedade para falar. — Nos conhecemos em uma viagem para Miami, depois de um ano me pediu em noivado.  Vamos nos casar naquela capela que fica na cidade, ele quer algo simples para não chamar muita atenção.

Ela mostrou o anel brilhante no dedo.

— É lindo. — Digo analisando a pedra.

— Sim, eu sei.

Olhei para seus olhos.

— Você tem sorte.

— Não é maluco? Você ia se casar anos atrás, agora sou eu. — Ela falou de forma tão espontânea que nem pareceu uma ofensa. — Desculpe.

Ficamos alguns segundos em completo silêncio.

— Quer ver uma foto dele? — Perguntou ela com uma expressão de malícia, quebrando o silêncio.

— Mais tarde — bocejo — , preciso descansar até a hora do jantar.

Amanda saiu do quarto me deixando a sós, o completo silêncio criou um zumbido nos meus ouvidos, mas esqueci de como era confortável. Olhei para a cama, era a mesma que eu chorava todas as noites antes de dormir, nas prateleiras ainda tinha minhas medalhas do campeonato de soletrar ou as de melhor história, tudo empoeirado, quase perdendo a cor.

Parecia que eles esqueceram que eu existia, assim como pedi.

Tomei um bom banho antes do jantar, lavei os cabelos na tentativa de tirar aqueles sentimentos, convencendo-me mais uma vez que agora as coisas seriam diferentes, eu não era a garotinha de antes.

Penteei os cabelos molhados olhando meus olhos borrados de rímel, tirei o excesso.

Duas batidas na porta me despertaram.

— Cassandra, pode descer um instante? — Ouço a voz do meu pai atrás da porta.

Sorri fraco, caminhei até a porta, assim que abri vi seu sorriso doce nos lábios. O abracei, a última vez que nos vimos foi há 4 anos, quando ele foi resolver coisas de trabalho e aproveitou para me visitar.

— Me perdoe por não ter ido buscá-la. Não deixou que elas te engolissem, certo?

Balancei a cabeça, sorrindo.

— Venha, vamos lá pra baixo.

Ele segurou na minha mão e descemos a escada conversando até as vozes na sala de jantar serem mais altas, dentre elas havia uma, grave e suave, estranhamente familiar, um zumbido apareceu no meu ouvido.

Chegamos na sala de jantar, o zumbido aumentou, a voz se calou quase instantaneamente, seus olhos cinzas encontraram os meus, ambos ficamos estáticos, talvez se perguntando se aquilo realmente era real.

Nial estava aqui, mais especificamente com Amanda pendurada no seu braço, mais especificamente com uma aliança do tamanho de um portão no dedo.

Minha boca abriu sozinha.

— Nial? — Minha voz saiu abafada, parecia que falei para dentro.

— Cass?

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