Enrico

Enrico Narrando

Sou Enrico D'Angelo, Tenho 42 anos, e sou Brasileiro.

Ser bem-sucedido é um fardo que poucos conseguem carregar.

O mundo me vê como um homem realizado. O CEO impecável, com uma empresa sólida e negócios lucrativos com a Petrobrás. Importamos e exportamos minérios e petróleo para diversos países, lidamos com os mais altos padrões de qualidade e exigência do mercado. Meu nome está associado à excelência, minha presença é requisitada nos maiores eventos do setor, e minha imagem estampa revistas de grandes CEOs.

Mas ninguém sabe o que acontece quando as cortinas se fecham.

— Senhor D’Angelo, seu próximo compromisso será no final da tarde. Uma conferência com investidores chineses — avisa minha assistente, sempre impecável.

— Certo, Clara. Alguma atualização sobre o relatório da exportação de minério para o Oriente Médio?

— Já está na sua mesa.

Assinto com um aceno curto, dispensando-a. Trabalho, trabalho e mais trabalho. Essa tem sido minha vida nos últimos anos. A empresa é tudo o que tenho.

E, de certa forma, sempre foi.

Meu avô me deixou uma companhia falida, à beira da ruína, e sem qualquer estrutura para concorrer no mercado internacional. Se hoje a D’Angelo Import & Export está entre as gigantes do setor, é porque suei para reconstruí-la do zero.

Não fiz isso sozinho. Dante esteve ao meu lado desde o início.

— A reunião de hoje promete ser um pé no saco — ele diz, se jogando no sofá da minha sala.

Sorrio de lado. Dante nunca perde essa mania de falar o que pensa, independentemente da formalidade do ambiente.

— O que foi? Você sabe que é verdade. Esses investidores só querem ouvir promessas de lucro rápido.

— E estamos aqui para dar isso a eles.

Ele solta um riso curto, mas logo seu olhar se torna analítico.

— Você tem dormido?

— O suficiente.

— Besteira. Conheço você melhor do que ninguém, Enrico. Já faz tempo que está afundado nessa rotina insuportável e sem sentido.

Cruzo os braços, desviando o olhar para a vista panorâmica da cidade através da parede de vidro.

— O que quer que eu faça, Dante? Esse é o único caminho que conheço.

Ele suspira, e o silêncio se instala por alguns segundos antes de ele voltar a falar:

— Você precisa de algo que te faça sentir vivo de novo.

Engulo seco. Vivo.

Minha esposa morreu na mesa de cirurgia tentando me dar um herdeiro. Depois de incontáveis procedimentos, ela não resistiu a mais uma tentativa fracassada. Foram anos de casamento e tudo o que restou foi um vazio impossível de preencher.

Nada me anima. Nenhum evento, nenhum contrato milionário, nenhuma viagem de negócios.

Sou um homem de família. Ao menos, sempre quis ser. Mas a única família que tenho são meus irmãos, sobrinhos, cunhados… pessoas que vivem ao meu redor, algumas trabalham para mim, mas que não conseguem compreender o que sinto.

Dante é o único em quem confio de verdade. Meu melhor amigo, meu braço direito. Ele me ajudou a transformar um legado falido em um império.

Mas nem ele pode preencher esse buraco dentro de mim.

— Você precisa de algo novo. Algo que tire esse peso dos seus ombros — Dante insiste.

Rio sem humor.

— E o que seria isso? Um novo hobby? Um amor inesperado?

Ele dá de ombros.

— Quem sabe?

Balanço a cabeça.

— Você e essas ideias. O trabalho é tudo o que tenho.

— E é exatamente isso que me preocupa, irmão.

Dante me observa por alguns segundos, como se quisesse dizer algo mais, mas desiste.

A verdade é que não há nada a ser dito.

A reunião acontece sem surpresas. Os investidores fazem perguntas previsíveis, e eu dou as respostas que eles querem ouvir. Mais um contrato fechado, mais alguns milhões adicionados ao faturamento anual.

E no fim do dia, volto para casa.

Uma mansão grande demais, fria demais.

Tiro o paletó, afrouxo a gravata e me sirvo de um uísque, encarando o reflexo no vidro da sacada. A cidade brilha abaixo de mim, mas não me sinto parte dela.

Afinal, o que é o sucesso quando não há ninguém para compartilhar?

O copo pousa na mesa com um barulho seco, e eu respiro fundo.

O vazio continua ali. Sempre ali.

Hoje acordei cedo, como de costume. A rotina faz parte da minha disciplina, e eu sigo à risca. Comecei o dia com um treino intenso de artes marciais, algo que pratico há anos para manter meu corpo e mente afiados. Depois de uma hora de luta, finalizei com musculação e um alongamento. Alguns dias da semana complemento com natação, mas hoje não era um desses dias.

Manter o físico não é apenas uma questão de estética, é necessidade. O estresse de ser CEO de uma empresa que lida com exportação de petróleo e minérios para mercados internacionais exige resistência. Vivemos em um mundo de urubus engravatados. Não pode haver erros, se não você vira comida de Urubu. Está um passo a frente e a cabeça no lugar é nescessário para esse meio.

Depois do treino, um banho gelado para despertar de vez. Enquanto me vestia, já conferia minha agenda eletrônica. O dia seria cheio, como sempre.

Desci para tomar café e logo saí em direção à empresa. Quando cheguei, Dante estava me esperando na entrada.

Ele sorria de uma forma que raramente vejo.

— Que cara é essa? Parece que ganhou na loteria — comentei, franzindo o cenho.

— Melhor que isso, Enrico! — Ele bateu no meu ombro. — Thayla está voltando para o Brasil!

A informação me pegou de surpresa.

— Thayla?

— Sim! Cinco anos fora, desde que foi para a Flórida não véi nenhuma vez. Finalmente se formou e está voltando para casa.

Assenti, lembrando da garota que vi nascer e crescer. O tempo passou rápido.

— Deve estar uma moça linda.

Dante sorriu com orgulho.

— Com certeza. E estou ansioso para abraçar minha princesa, Antonella mandou te intimar, jantar lá em Casa, as nove. Thayla chega às sete.

Eu apenas assenti, observando a felicidade dele. Dante sempre foi um ótimo pai, e vê-lo tão animado me trouxe uma pontada de nostalgia.

A vida passa rápido demais.

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