Enrico Narrando
A chuva caía em gotas finas sobre a cidade, encharcando o asfalto e refletindo as luzes dos postes. Eu encarava o vidro da janela do meu escritório, segurando um copo de uísque com a mão firme, mas o olhar perdido em meio às lembranças. A noite estava fria, mas o vazio no meu peito era ainda mais gélido. Nunca imaginei que a vida me pregaria uma peça tão cruel. Quando conheci Madeleine na faculdade, me apaixonei de imediato. Ela tinha uma beleza estonteante e uma leveza no olhar que fazia o mundo parecer menos pesado. Eu sabia, desde o primeiro momento, que queria passar o resto da vida ao lado dela. O casamento foi natural, um passo certo, e por um tempo, tudo pareceu perfeito. Até que os laudos médicos caíram sobre nós como uma sentença. — Eu não posso te dar um filho, Enrico… — a voz dela ainda ecoa na minha mente como um sussurro distante. Ela segurava os exames com as mãos trêmulas, os olhos marejados. A chance de engravidar naturalmente era mínima. Para Madeleine, aquilo foi um golpe cruel. Eu sempre quis ser pai, sim, mas nunca ao ponto de fazer disso um fardo. Disse a ela que a amava, que podíamos encontrar outras formas. Mas ela não quis ouvir. No início, os tratamentos pareciam inofensivos, apenas consultas e exames. Depois, vieram as mudanças na rotina, as doses de hormônio, a ansiedade crescente. Logo, a obsessão tomou conta. Enquanto eu lutava para salvar a empresa que herdara do meu avô, Madeleine mergulhava num mundo onde só aquele sonho importava. Eu passava longas noites no escritório ao lado de Dante, meu melhor amigo, tentando reerguer o império da família. O sucesso veio com o tempo. Mas, em casa, tudo desmoronava. — Por que você não me toca mais? — ela me acusou, certa noite. Suspirei, cansado. — Do que está falando? — Você já desistiu de mim, não é? Acha que sou um caso perdido! Fechei os olhos por um instante, tentando conter a frustração. — Madeleine, eu só quero que você seja feliz. Não podemos viver assim, escravos de algo que pode nunca acontecer. Podemos adotar… — Não! — ela gritou. — Eu quero um filho seu! Meu! Nosso! Eu tentei. Tentei mostrar que o nosso amor não deveria ser definido por uma gravidez, mas nada adiantou. Cada tratamento falho só a tornava mais instável, mais amarga. Até que veio a decisão mais arriscada. — O médico disse que há um novo procedimento… Se der certo, eu finalmente ficarei grávida. Meu coração pesou. Eu já não confiava naqueles tratamentos, mas vi nos olhos dela um brilho que não via há anos. — Amor… tem certeza de que vale a pena correr esse risco? — Se funcionar, valerá cada segundo. No dia da cirurgia, caminhei pelos corredores do hospital, sentindo um aperto no peito que eu não sabia explicar. Quando o médico apareceu com a expressão séria, eu soube. — Senhor D’Angelo… sinto muito. O tempo parou. O ar se esvaiu dos meus pulmões. Madeleine se foi. E nada poderia trazê-la de volta. Agora, olhando a cidade pela janela, eu me sentia um homem quebrado. Tinha poder, dinheiro, sucesso. Mas o preço que paguei foi alto demais. Ergui o copo de uísque e bebi em um único gole. A vida seguiu. Mas eu nunca mais fui o mesmo. Sempre fui um homem rodeado de pessoas, mas a solidão se tornou minha sombra. Desde a morte de Madeleine, me fechei no trabalho, em uma rotina impecável que me impedia de pensar no que perdi. Meu único refúgio era a amizade de Dante. Ele esteve ao meu lado em todos os momentos, sem julgamentos. Antes do meu casamento, Dante se casou com Antonella, uma mulher doce e vibrante, o oposto da amargura que Madeleine cultivou nos últimos anos de vida. Fui padrinho do casamento dele, e ele do meu. Quando Madeleine descobriu a infertilidade, foi justamente quando a pequena Thayla nasceu. Uma menina linda, de olhos azuis brilhantes e cabelos dourados como raios de sol. Madeleine nunca aceitou Antonella, muito menos o fato de que ela tinha tudo o que lhe fora negado. Nunca esquecerei o olhar carregado de inveja quando soube da gravidez da amiga. E quando Dante e Antonella me convidaram para ser padrinho da menina, recusei. Não porque não amasse a criança, mas porque sabia que aquilo despertaria ainda mais rancor em Madeleine. Foi uma decisão que magoou Dante profundamente. Pedi desculpas inúmeras vezes, mas ele compreendia que o problema não era dele. Era dela. Os anos passaram, e eu vi Thayla crescer. Era impossível não me encantar com a doçura e alegria que ela espalhava. Um dia, observando-a, sorri e brinquei: — Sorte do homem que conquistar o coração dessa princesa. Mal sabia eu que, para Thayla, aquele coração já me pertencia. Como um sonho impossível, um sentimento que nasceu silencioso, intenso e, para ambos, inimaginável.Enrico Narrando Sou Enrico D'Angelo, Tenho 42 anos, e sou Brasileiro.Ser bem-sucedido é um fardo que poucos conseguem carregar.O mundo me vê como um homem realizado. O CEO impecável, com uma empresa sólida e negócios lucrativos com a Petrobrás. Importamos e exportamos minérios e petróleo para diversos países, lidamos com os mais altos padrões de qualidade e exigência do mercado. Meu nome está associado à excelência, minha presença é requisitada nos maiores eventos do setor, e minha imagem estampa revistas de grandes CEOs.Mas ninguém sabe o que acontece quando as cortinas se fecham.— Senhor D’Angelo, seu próximo compromisso será no final da tarde. Uma conferência com investidores chineses — avisa minha assistente, sempre impecável.— Certo, Clara. Alguma atualização sobre o relatório da exportação de minério para o Oriente Médio?— Já está na sua mesa.Assinto com um aceno curto, dispensando-a. Trabalho, trabalho e mais trabalho. Essa tem sido minha vida nos últimos anos. A empres
Thayla Narrando Meu nome é Thayla Varela, tenho 23 anos e recentemente me formei em Administração com ênfase em Ciências Contábeis. Passei na University of Central Florida (UCF), uma das maiores universidades dos Estados Unidos. O dia em que vi meu nome na lista de aprovados foi o mais feliz da minha vida, mas também o mais triste. Era a realização de um sonho, mas significava deixar para trás minha família no Brasil: meus pais, meu irmão, minha casa, tudo que sempre conheci.A adaptação à nova vida nos Estados Unidos não foi fácil. No começo, me sentia sozinha, perdida em um país novo, cercada por pessoas que falavam uma língua que, embora eu entendesse, ainda soava estranha no dia a dia. Mas com o tempo, fiz amizades, aprendi a amar aquele lugar e construí uma rotina. Mesmo assim, havia algo que nunca mudou: minha saudade do Brasil e, principalmente, de uma pessoa muito especial.E agora, vou contar um segredo para vocês. Mas antes, quero deixar claro que não me importo se me julga
Thayla Narrando Saí da boate exausta, mas satisfeita. O ar fresco da madrugada me envolveu, e senti um alívio ao finalmente estar longe da música alta e das luzes piscantes. Meu corpo ainda vibrava com a adrenalina da noite, e quando ouvi a voz rouca de Logan me chamando, um sorriso brincou em meus lábios.— Vai embora sem se despedir? — Ele perguntou, encostado na parede do lado de fora.Logan era um pedaço de mal caminho. Moreno, alto, corpo definido, aquele sotaque português carregado que fazia qualquer palavra soar como sedução. Já tínhamos transado algumas vezes, sempre sem compromisso, sem expectativas. Mas agora que eu estava indo embora, talvez fosse a última vez.— Uma despedida, então? — Respondi, arqueando a sobrancelha.Ele sorriu de lado e puxou minha mão, me guiando até o táxi que nos levaria ao apartamento dele. Logan dividia o lugar com dois amigos, mas naquela noite o espaço era só nosso.O desejo se inflamou assim que a porta se fechou. Sem hesitação, ele me empurro
Enrico Narrando O dia foi cheio de compromissos, reuniões e documentos para assinar. Uma rotina comum, na vida de um CEO.Dante saiu mais cedo do escritório hoje. Ele estava animado ia buscar a Thayla no aeroporto, mas antes de sair, passou pela minha sala e fez questão de me lembrar do jantar de boas-vindas.— Não esquece do jantar hoje, Enrico. Vai ser importante pra Thayla se sentir acolhida.— Eu sei, Dante. Estarei lá.Ele assentiu e saiu apressado, claramente ansioso para ver a garota. Eu ainda tinha uma última reunião antes de encerrar o expediente. Resolvi focar nisso antes de pensar no jantar.A reunião foi produtiva, mas um pouco cansativa. Assuntos burocráticos sempre tiravam minha paciência. Quando finalmente acabou, fui direto para casa. Uma ducha rápida ajudou a aliviar o cansaço do dia, e então escolhi algo mais casual para vestir. Nada formal, apenas uma calça jeans e uma camisa de algodão. Não era uma ocasião para ternos e gravatas, afinal.Dante mora a apenas uma qu
Thayla Narrando Depois do jantar, e dos flertes com o Enrico, mas claro, sempre observando se não tinha ninguém prestando atenção em nós, não quero estragar algo antes de conseguir o que quero. Depois que todos foram embora, dei um beijo de boa noite nos meus pais e agradeci pelo jantar maravilhoso. Subi para o meu quarto, tomei um banho relaxante e vesti um pijama confortável.Deitei na cama, mas meu corpo estava inquieto. O banho relaxante não foi suficiente para acalmar meus pensamentos. O jantar foi delicioso, mas o que realmente mexeu comigo foram os olhares e as trocas sutis de flerte com Enrico. Cada vez que nossos olhares se encontravam, uma faísca acendia dentro de mim. Eu percebia que ele tentava manter a compostura, sempre desviando o olhar rapidamente, mas eu via além disso. Ele sentia minha presença, da mesma forma que eu sentia a dele.Virei para o lado, puxei o cobertor sobre o corpo e suspirei. Meu coração ainda batia acelerado só de lembrar da maneira como ele ajeito
Enrico Narrando Meu Deus, o que eu tô fazendo da minha vida?Respondi a Thayla com provocações, e agora tô aqui, precisando de um banho gelado pra tentar apagar as imagens que minha mente insiste em reproduzir. A água fria escorria pelo meu corpo, mas não era suficiente para aliviar a tensão que eu mesmo criei. Ela tem um jeito que me instiga, me desafia. E eu, um homem feito, me vejo reagindo como um garoto inexperiente.Me deitei na cama, mas o sono não veio fácil. Só consegui dormir quando o cansaço venceu a batalha contra meus pensamentos.Na manhã seguinte, acordei com o despertador tocando. Sem preguiça, coloquei meu tênis e saí para o treino. Comecei com um cardio intenso, seguido de exercícios de ombros e costas. Depois, nadei por quarenta minutos, sentindo a resistência da água me ajudar a colocar as ideias no lugar. A disciplina sempre foi minha aliada, e hoje não seria diferente.Quando terminei, já estava disposto para encarar o dia. Tomei um banho, vesti um terno impecáv
Thayla Narrando Matheus começou a apresentar os pontos que estavam tornando o processo administrativo mais lento. Ele tinha um levantamento interessante, com dados concretos e observações válidas. Enrico escutava em silêncio, mas eu percebi que sua expressão ficava cada vez mais fechada.Eu mesma fiz algumas anotações e observações, mas quem realmente fez uma análise crítica foram Enrico e meu pai. Não era surpresa. Os dois estão há mais de vinte anos no ramo administrativo e têm experiência de sobra. Eu os observava atentamente, absorvendo cada detalhe.Mas algo me chamou a atenção: o olhar de Enrico para Matheus estava excessivamente carregado. Não era só profissionalismo. Sempre que Matheus falava, Enrico reagia como se fosse uma afronta, mesmo quando o assunto era puramente técnico.Meu pai também percebeu.— Matheus, Thayla, podem nos dar um minuto? Quero falar com Enrico a sós.Enrico me lançou um olhar significativo. Parecia um aviso. Algo como “fica esperta, garota”.Saí da s
Enrico Narrando Eu não estava mais conseguindo me segurar com a Thayla ao meu lado. Caminhávamos pelos corredores da empresa, analisando tudo, observando as operações, mas tudo que eu conseguia perceber era a proximidade dela, o perfume doce que invadia minhas narinas e me fazia sentir mais vivo.O jogo de provocações entre nós já tinha passado dos limites. Os olhares demorados, os sorrisos cheios de segundas intenções, as palavras que pareciam inofensivas para os outros, mas que carregavam um peso enorme para nós dois.Para piorar, eu precisava lidar com Matheus e com os funcionários mais jovens que lançavam olhares carregados de desejo para ela. Meu sangue fervia. Eu queria agarrá-la, passar minha mão pelos ombros dela, puxá-la pela cintura e deixar claro que ela não estava disponível. Mas eu não posso.Não somos nada além da filha do meu melhor amigo e do homem que sempre esteve presente na vida dela. Ninguém tinha falado nada, mas os olhares diziam muito.— Está difícil se concen