O aperto no peito se intensifica.
— Mãe, chega desse vídeo! Que tal um cafezinho? — tento mudar o foco, precisando de uma pausa dessa mistura de saudade e dor.
— Vou fazer — responde minha mãe, enxugando os olhos marejados enquanto troca um olhar com meu pai, que permanece em silêncio. Algo na atitude dela me deixa alerta.
— Precisamos conversar. Sente-se — diz meu pai com uma expressão séria.
Meu coração dispara. Quando ele assume esse tom, sei que vem algo importante, e geralmente não é coisa boa.
— O que foi? — pergunto, tentando parecer tranquila, mas já sentindo o peso da ansiedade.
— Há uma semana, Omar nos ligou.
Fico perplexa ao ouvir o nome do meu ex-namorado sair dos lábios de meu pai.
— Pai! Deus! Esquece esse homem. E daí que ele ligou? Por que está me contando isso agora?
Meu pai suspira profundamente, ignorando minha reação.
— Não seja dura com ele.
— Dura com ele? Por que essa conversa agora? Ele está do outro lado do mundo. Nem se lembra mais de nós!
— Filha! Ouça.
Eu reviro os olhos, mas cruzo os braços e me recosto no sofá.
— Tudo bem, pai, mas fala logo. Combinei com Leonardo de sair.
— Leonardo? O mecânico?
Ah, não... Essa implicância! Eu detesto isso! E daí que o cara é mecânico?
— Sim, pai. Ele mesmo.
— Eu convidei Omar para passar o Natal conosco.
Sinto um baque no peito, como se tivesse levado um soco.
— Como?
— E ele aceitou.
As palavras ecoam na minha cabeça, misturadas a uma confusão de emoções que mal consigo processar.
— Pai, como o senhor convida Omar para o Natal sem me consultar?
Minha voz quase falha.
Tudo parece injusto ultimamente.
Primeiro Tiago. Meu irmão morreu há alguns meses com uma bala perdida e minha mãe entrou em depressão e está difícil sair dela.
—Pai! Você não podia ter feito isso! —Choramingo.
— Ele é como um filho para mim e para sua mãe — meu pai insiste, a voz carregada de emoção.
Eu respiro fundo soltando o ar com um ultrajado furor.
— Pai... Tiago se foi. O senhor não percebe o que está fazendo? Está colocando Omar no lugar dele.
— Não é nada disso! — meu pai eleva o tom, irritado. — Eu gosto de Omar e ele sempre gostou da gente.
— Tanto que nunca mais apareceu — retruco, com amargura.
— Ele ligou todo os meses para saber de nós e de você.
Engulo em seco, processando a revelação.
— Ele ligou? E o senhor nunca me disse nada?!
— Ele não permitiu que eu te contasse.
Uma mistura de raiva e confusão me invade.
— Então ele virá?
— Sim, ele chega hoje dos Emirados. Na verdade...ele nos visitará hoje.
O quê?
O mundo parece sair de eixo por um momento, mas antes que eu possa reagir, ouço uma voz familiar.
— Boa tarde a todos.
Deus! Meu pulso acelera quando eu ouço a voz tão familiar com aquele sotaque forte.
Eu me viro lentamente e dou com Omar parado na soleira da porta. Minha frequência cardíaca aumenta e a todo custo tento manter minha respiração sob controle.
Agradeço aos céus por meus lindos olhos azul-esverdeados estarem escondidos atrás dos óculos de sol e ele não conseguir enxergar a intensidade do meu olhar para ele.
Reparo na sua barba semicerrada com nenhum fio fora do lugar. Contrariada admito sua aparência só melhora com o passar dos anos. Os cabelos castanho-escuros estão bem penteados para trás. Seu físico continua perfeito. A roupa esporte elegante deixa claro isso.
Tiro o óculos escuros e olho para o meu pai aturdida.
Deus! Claro!
Meu sabia que ele estaria aqui hoje. Foi tudo combinado entre eles. O vídeo foi só para ele conseguir tocar no assunto. Volto meus olhos para o homem que amei durante tanto tempo e que colocou sua carreira acima do nosso relacionamento.
— Desculpa ter entrado assim, mas o portão estava aberto — diz Omar em tom leve e despreocupado.
Típico dele. Sempre aparecendo de surpresa, sem aviso. Não consigo evitar que memórias de nós dois invadam minha mente, mas rapidamente as descarto. Isso é passado.
— Omar. Imagina, você é de casa — diz meu pai, emocionado, abraçando-o calorosamente.
— Obrigado. O senhor também está muito bem — responde Omar, sorrindo, antes de erguer os olhos para mim. — Oi, Sofia.
A amargura me domina, lembrando-me de todas as mágoas que carreguei desde que ele escolheu sua carreira em vez de nós.
— Oi, Omar — respondo friamente, erguendo o queixo.
Meu pai percebe o clima tenso e tenta intervir:
— Sente-se. Eleonora está fazendo um cafezinho. Está sentindo o cheirinho?
— Eu aceito uma xícara — diz Omar, sorrindo novamente.
Ouço a buzina lá fora e me levanto, agarrando essa oportunidade.
— Bem, fique à vontade. Eu estou de saída.
Antes que eu possa dar outro passo, Omar diz, com firmeza:
— Não vá. Fique.
Engulo em seco, sentindo uma onda de emoções conflitantes.
— Não posso. Tenho um compromisso.
—Filha, sente-se. Omar quer conversar com todos. Escute-o.
Eu pisco.
—Pai, eu não posso, eu já disse. Tenho...
Minha mãe aparece carregando a bandeja com as xícaras.
— Sofia! — Ela me interrompe com um tom firme, e eu sei que não há como escapar.
Jogando-me de volta no sofá, cruzo os braços, impotente.
— Omar, é um prazer em te ver aqui. Sente-se! — Ela diz, mais calma, carregando a bandeja com o bule e as xícaras.
Três xícaras. Sim, ela sabia que ele viria.
Omar caminha em direção à minha mãe com uma leveza que quase parece desumana. Ele pega a bandeja das mãos dela com um gesto tão natural, tão cheio de uma elegância imperturbável, que a cena se estende no tempo, como se o movimento fosse feito para ser admirado. Ele a coloca suavemente sobre a mesa de centro, seus dedos roçando a madeira com uma precisão que eu quase posso sentir na minha própria pele. Então, ele se serve de uma xícara, os dedos envoltos em volta da porcelana com uma calma que me provoca. Eu o observo em silêncio, absorvendo cada detalhe do seu físico. Ele está visivelmente mais magro, a face mais definida, como se a vida o tivesse esculpido com pressa, um reflexo de dias longos sob o comando do tal Sheik. Uma onda de estranheza se espalha por mim, como se ele tivesse se distanciado de quem foi, e ao mesmo tempo, algo no fundo de mim ainda o reconhecesse.Meu celular vibra e, sem pensar muito, pego-o na mão. As palavras para Leo saem rápidas, como se a escrita fosse a
Deus! Ele que terminou comigo! Saiu da minha vida de um jeito intempestivo. Ficou quase dois anos longe e agora volta e quer mudar o meu Natal?— Desculpem-me, mas eu não vou. Eu já tenho o meu Natal planejado. — As palavras saem de mim com mais força do que eu esperava.Meu pai endurece o olhar, mas não recua.— Pois eu e sua mãe queremos ir e gostaríamos muito que você fosse conosco.Minha mãe chora ao lado de meu pai, abraçando-o como se isso fosse algum tipo de despedida. Um golpe baixo, um apelo. Eu sinto a raiva ferver, a impotência me corroer.— Pode ser nosso último Natal, ninguém sabe o que pode acontecer... — Minha mãe diz, chorando com a fragilidade de quem não consegue mais esconder a dor.Deus, isso é torturante.Eu encaro Omar. Ele está lá, parado, com o semblante sério, seus olhos fixos em mim. Há algo em seu olhar que me ferve por dentro, uma espécie de calor que eu não quero sentir. Mas é impossível não notar.Meus pensamentos voltam ao passado, ao momento em que ele
— Por que a demora? Aconteceu alguma coisa? — Ele pergunta, a voz grave, buscando entender o que aconteceu, a preocupação evidente nos seus olhos.Eu forço um sorriso triste, tentando disfarçar a confusão.— Problemas familiares. — Respondo, minha voz falha, mas não posso dizer mais.De repente, a voz de Omar me chama da porta.— Sofia! — Ele grita, e o meu estômago dá um nó tão forte que m@l consigo respirar. Não olho para ele. Não posso. Não quero.Em um impulso desesperado, avanço sobre Leonardo, agarrando-o como se a minha vida dependesse disso. Sinto os seus músculos se enrijecerem sob o meu toque, a hesitação tomando conta dele por um instante antes que os seus braços, firmes e quentes, se fechem ao meu redor. E, meu Deus, o cheiro dele… uma mistura inebriante de algo familiar e perigoso, invade os meus sentidos, apagando tudo ao redor.Sem pensar, as minhas mãos alcançam a sua nuca, puxando-o para mais perto. Os meus lábios encontram os dele com urgência, um choque elétrico que
Leonardo vira o rosto na minha direção, e sua expressão me atinge como um soco. Ele está fechado, os seus olhos apertados numa carranca que não consigo decifrar. É como se eu tivesse cruzado um limite invisível, e a ideia de tê-lo perdido de alguma forma me rasga por dentro.— Esse aí é o seu ex? — Ele pergunta, a voz baixa, mas tão fria que parece cortar o ar entre nós. Ele hesita, a sua mandíbula se movendo como se mastigasse as palavras antes de soltá-las. — E quando ele me chamou... — Ele para por um momento, desviando o olhar. — Você me enxergou como a sua tábua de salvação?As palavras dele são como um golpe certeiro. Sinto o ar escapar dos meus pulmões, e meu peito se aperta, a culpa crescendo como uma sombra dentro de mim. Não era isso. Não foi isso! Tento formular uma resposta, mas tudo parece errado, insuficiente. Não sei como explicar o que sinto, porque nem eu entendo completamente. Como posso dizer que sim, em algum momento, procurei nele um porto seguro, mas que ele é ma
O céu lá fora está tingido de vermelho, o pôr do sol lançando sombras dançantes sobre o seu rosto. Os olhos verdes dele, iluminados pelo reflexo da luz, parecem brilhar ainda mais intensamente, mas não há calor neles. Apenas uma intensidade quase cruel, penetrante, que me faz querer desviar o olhar, mas eu não consigo.— O que ele queria? — A pergunta vem de repente, quebrando o silêncio, mas a voz dele continua baixa, carregada de algo que não consigo decifrar.A minha boca se abre e fecha, hesitante. Sinto o meu estômago dar um nó, e as palavras parecem presas, como se a minha garganta tivesse sido tomada por espinhos. Finalmente, eu respiro fundo e deixo escapar:— Nos convidar para passar a semana do Natal até o Ano Novo na casa dele. — a minha voz sai fraca, quase um sussurro. A confissão é um peso que me sufoca, uma verdade que eu preferia não dizer.Leonardo vira a cabeça, os seus olhos encontrando os meus por um instante. É como se ele estivesse tentando ler os meus pensamento
Ele me encara por um instante, os seus olhos fixos nos meus com uma intensidade que quase me faz recuar. Sinto como se ele estivesse prestes a explodir, mas ao invés disso, ele desvia o olhar para o trânsito, deixando-me sozinha com os meus pensamentos.— Você gosta dele. — As palavras saem de repente, carregadas de um desafio que me pega de surpresa.Meu coração dispara, e eu viro-me para encará-lo. Ele sabe o que está fazendo, sabe exatamente como me desestabilizar.— Eu já disse que não gosto dele! — Minha voz sobe, carregada de uma raiva que esconde a minha própria confusão. É como se, ao dizer isso, eu estivesse tentando me convencer tanto quanto a ele.Ele não parece convencido. O seu olhar é sério, quase implacável, como se estivesse esperando que eu finalmente confessasse algo.— Confesse. — Ele insiste, sua voz firme, mas carregada de algo mais, algo que não consigo identificar.Respiro fundo, balançando a cabeça, recusando-me a ceder.— Não, não gosto. Mas se eu gostasse, é
Eu engulo em seco, sem saber se o calor no meu rosto é devido à proximidade ou pela tensão da situação. Olho para suas costas largas e sinto uma onda de prazer involuntária se espalhando pelo meu corpo. Tento focar nos olhos dele, aqueles olhos verdes que têm o poder de me hipnotizar. Ele me observa com um olhar atento, quase como se estivesse me desnudando com os olhos.— Meu Uno está com problemas no freio de mão. Em descidas, preciso engatá-lo e girar a roda para a guia. Só assim ele não desce rua abaixo. Posso deixá-lo aqui para você dar uma olhada? — Eu falo rapidamente, tentando manter a calma, mas a verdade é que quero sair correndo e não consigo.Ele não diz nada imediatamente, mas seu olhar se fixa ainda mais nos meus, e parece que o tempo para. Eu me vejo refletida nele, e tudo em mim diz para ficar, para não me afastar. Ele quebra finalmente o silêncio, seu tom agora mais suave, mas carregado de uma confiança indiscutível.— Claro. — Ele responde, quase como se estivesse se
Nessas minhas idas frequentes, Estela foi se achegando, acho que por insegurança de me ver sempre lá. Se o carro não tinha algo, inconscientemente eu arrumava algo para ele fazer, tipo trocar a palheta do limpa vidro, dar uma olhada no óleo...Deus! Agora eu percebo que só foram pretextos para ir à oficina de Leo. Que vergonha...Por isso Estela começou a sair do escritório e marcar presença, e conversar comigo enquanto ele me atendia. Ela está certa, se eu tivesse um homem como Leo, eu agiria da mesma maneira.A semana passada foi um divisor de águas. O destino, como sempre, me pregando peças, fez com que eu cruzasse com Leo fora do contexto que já conhecia. Eu estava no meu intervalo, havia acabado de almoçar, e lá estava ele, na rua, com aquele olhar irresistível. O convite foi simples, direto, e, de alguma forma, casual, como se a ideia de sair para um sorvete fosse tão natural quanto respirar. Aceitei sem pensar duas vezes, apesar de saber que normalmente sou rígida com a minh