Deus! Ele que terminou comigo! Saiu da minha vida de um jeito intempestivo. Ficou quase dois anos longe e agora volta e quer mudar o meu Natal?
— Desculpem-me, mas eu não vou. Eu já tenho o meu Natal planejado. — As palavras saem de mim com mais força do que eu esperava.
Meu pai endurece o olhar, mas não recua.
— Pois eu e sua mãe queremos ir e gostaríamos muito que você fosse conosco.
Minha mãe chora ao lado de meu pai, abraçando-o como se isso fosse algum tipo de despedida. Um golpe baixo, um apelo. Eu sinto a raiva ferver, a impotência me corroer.
— Pode ser nosso último Natal, ninguém sabe o que pode acontecer... — Minha mãe diz, chorando com a fragilidade de quem não consegue mais esconder a dor.
Deus, isso é torturante.
Eu encaro Omar. Ele está lá, parado, com o semblante sério, seus olhos fixos em mim. Há algo em seu olhar que me ferve por dentro, uma espécie de calor que eu não quero sentir. Mas é impossível não notar.
Meus pensamentos voltam ao passado, ao momento em que ele se afastou de mim sem mais nem menos. E ali estava ele, cinco anos depois, tentando me forçar a reviver algo que eu já havia superado.
Conheci Omar num dia de chuva pesada, numa tarde de novembro, ela manchava as ruas de Floripa com um brilho prateado. Minha bicicleta range a cada empurrão, as rodas deslizam com dificuldade sobre o asfalto molhado. Estou completamente encharcada, e o uniforme do McDonald’s que uso gruda na pele como uma segunda camada incômoda. Mal consigo enxergar, os pingos grossos atrapalham a minha visão.
De repente, uma caminhonete preta para ao meu lado. O som do motor parece alto demais no silêncio cortado apenas pelo tamborilar da chuva. O vidro escuro desce, revelando um homem com um sorriso caloroso e um rosto que imediatamente reconheço: o vizinho bonitão que sempre vejo de manhã, saindo de terno e gravata.
— Ei, você precisa de ajuda? — ele pergunta, inclinando-se ligeiramente para fora da janela.
Eu hesito, envergonhada pela minha aparência, mas não posso recusar. — Minha bicicleta quebrou. Estou tentando levá-la para casa, mas ainda falta um bom caminho.
Ele desce do carro sem pensar duas vezes, ignorando a chuva que agora também molha o seu terno impecável. Com facilidade, levanta a bicicleta e a coloca na traseira da caminhonete. — Vamos, eu te levo. Não faz sentido você se molhar mais ainda.
Durante o curto trajeto, ele se apresenta como Omar, um analista de comércio exterior em ascensão. Seus olhos são intensos, e seu sotaque levemente exótico dá ênfase a cada palavra. Descubro que ele é marroquino, mas vive no Brasil desde os 12 anos. Conversamos pouco, mas o suficiente para que algo nele desperte minha curiosidade.
Ao chegarmos em casa, ele desce novamente e me ajuda a tirar a bicicleta da caminhonete. Quando agradeço, envergonhada, ele apenas sorri. — Foi um prazer, Sofia. Quem sabe a gente se vê de novo?
E nos vemos. No dia seguinte, recebo uma mensagem dele no F******k. A partir dali, conversamos todos os dias, construindo uma ponte que logo se transformou em algo mais. Omar era o tipo de homem que parecia saber o que queria e por algum tempo achei que também saber o que queria: ele.
Eu volto ao presente.
É mas graças a Deus ele não me afeta mais.
Incrível...
Acho que estou curada.
Eu retiro meus olhos dos dele e encaro meus pais.
—Tudo bem, pelo jeito estava tudo planejado entre vocês. Eu apenas fui a última a saber, porque vocês me tratam como se eu fosse uma menininha. E menininhas não opinam.
— Sofia. — Ele chama meu nome suavemente, mas as palavras me atingem como uma lâmina. Ele se levanta, aproximando-se de mim, e eu ergo o olhar, encarando-o com todo o desprezo que consigo reunir.
— Não veja tudo isso pelo lado ruim. — Ele tenta, mas é tarde demais. — O lugar é agradável, tranquilo... você vai gostar. A praia é linda.
Não?
Eles só planejaram tudo pelas minhas costas.
Minha garganta se aperta, e, por um momento, tudo que eu sinto é um desejo profundo de sair daquela sala. Eu queria que ele fosse embora. Já.
— Tudo bem. Vocês venceram. E agora? Posso ir? — Eu aceno, minha voz quebrando sob a tensão.
— Omar, tem algo a acrescentar? — Meu pai pergunta, mas a inquietação já está estampada em seu rosto.
— Não. — A resposta de Omar é simples, mas carrega um peso que não consigo mais suportar.
—E aonde você vai?
—Vou sair com Leonardo. Eu já te disse isso.
—O mecânico?
—Sim. Eu já te respondi isso.
Meu pai meneia a cabeça com um sorrisinho do tipo "isso não vai pra frente".
Claro que ele vai puxar a sardinha para o cara que ficou rico ao trabalhar para Sheik negociando barris de petróleo com o mundo e não para o mecânico que conheci e me convidou para sair e que aliás, é um gato, pena que é comprometido.
— Boa noite a todos. — Me levanto, sentindo um alívio estranho. O peso de Omar, do passado, já não me incomoda tanto. O que estava atrás, agora está onde deve estar: no passado.
Lá fora, Leonardo está recostado no carro, sua postura relaxada, mas ao mesmo tempo cheia de uma força silenciosa. A perna esquerda está cruzada sobre a outra, um gesto tão simples e, ao mesmo tempo, tão enigmático.
Sim, Leonardo é bonito. Bonito de um jeito que me tira o fôlego. Ele é forte, mas não de um jeito exagerado, tem o corpo definido, e isso fica claro através da camisa branca que se ajusta perfeitamente aos seus ombros largos e à cintura estreita. A calça jeans escura ressalta ainda mais sua presença imponente. E, Deus, aquela bunda... Eu nunca vi nada igual.
E quando ele me olha com seus olhos verdes, curiosos e profundos, meu coração acelera sem pedir permissão. Relutante, dou um passo em sua direção. Uma mistura de medo e excitação toma conta de mim. Esta é a primeira vez que saímos, mas não estamos sozinhos. Leo tem namorada. E, sinceramente, não sei o que estou fazendo, mas o desejo de estar com ele, mesmo que por alguns momentos, me consome.
— Obrigada por ter me esperado — digo, tentando manter a calma enquanto me aproximo.
— Por que a demora? Aconteceu alguma coisa? — Ele pergunta, a voz grave, buscando entender o que aconteceu, a preocupação evidente nos seus olhos.Eu forço um sorriso triste, tentando disfarçar a confusão.— Problemas familiares. — Respondo, minha voz falha, mas não posso dizer mais.De repente, a voz de Omar me chama da porta.— Sofia! — Ele grita, e o meu estômago dá um nó tão forte que m@l consigo respirar. Não olho para ele. Não posso. Não quero.Em um impulso desesperado, avanço sobre Leonardo, agarrando-o como se a minha vida dependesse disso. Sinto os seus músculos se enrijecerem sob o meu toque, a hesitação tomando conta dele por um instante antes que os seus braços, firmes e quentes, se fechem ao meu redor. E, meu Deus, o cheiro dele… uma mistura inebriante de algo familiar e perigoso, invade os meus sentidos, apagando tudo ao redor.Sem pensar, as minhas mãos alcançam a sua nuca, puxando-o para mais perto. Os meus lábios encontram os dele com urgência, um choque elétrico que
Leonardo vira o rosto na minha direção, e sua expressão me atinge como um soco. Ele está fechado, os seus olhos apertados numa carranca que não consigo decifrar. É como se eu tivesse cruzado um limite invisível, e a ideia de tê-lo perdido de alguma forma me rasga por dentro.— Esse aí é o seu ex? — Ele pergunta, a voz baixa, mas tão fria que parece cortar o ar entre nós. Ele hesita, a sua mandíbula se movendo como se mastigasse as palavras antes de soltá-las. — E quando ele me chamou... — Ele para por um momento, desviando o olhar. — Você me enxergou como a sua tábua de salvação?As palavras dele são como um golpe certeiro. Sinto o ar escapar dos meus pulmões, e meu peito se aperta, a culpa crescendo como uma sombra dentro de mim. Não era isso. Não foi isso! Tento formular uma resposta, mas tudo parece errado, insuficiente. Não sei como explicar o que sinto, porque nem eu entendo completamente. Como posso dizer que sim, em algum momento, procurei nele um porto seguro, mas que ele é ma
O céu lá fora está tingido de vermelho, o pôr do sol lançando sombras dançantes sobre o seu rosto. Os olhos verdes dele, iluminados pelo reflexo da luz, parecem brilhar ainda mais intensamente, mas não há calor neles. Apenas uma intensidade quase cruel, penetrante, que me faz querer desviar o olhar, mas eu não consigo.— O que ele queria? — A pergunta vem de repente, quebrando o silêncio, mas a voz dele continua baixa, carregada de algo que não consigo decifrar.A minha boca se abre e fecha, hesitante. Sinto o meu estômago dar um nó, e as palavras parecem presas, como se a minha garganta tivesse sido tomada por espinhos. Finalmente, eu respiro fundo e deixo escapar:— Nos convidar para passar a semana do Natal até o Ano Novo na casa dele. — a minha voz sai fraca, quase um sussurro. A confissão é um peso que me sufoca, uma verdade que eu preferia não dizer.Leonardo vira a cabeça, os seus olhos encontrando os meus por um instante. É como se ele estivesse tentando ler os meus pensamento
Ele me encara por um instante, os seus olhos fixos nos meus com uma intensidade que quase me faz recuar. Sinto como se ele estivesse prestes a explodir, mas ao invés disso, ele desvia o olhar para o trânsito, deixando-me sozinha com os meus pensamentos.— Você gosta dele. — As palavras saem de repente, carregadas de um desafio que me pega de surpresa.Meu coração dispara, e eu viro-me para encará-lo. Ele sabe o que está fazendo, sabe exatamente como me desestabilizar.— Eu já disse que não gosto dele! — Minha voz sobe, carregada de uma raiva que esconde a minha própria confusão. É como se, ao dizer isso, eu estivesse tentando me convencer tanto quanto a ele.Ele não parece convencido. O seu olhar é sério, quase implacável, como se estivesse esperando que eu finalmente confessasse algo.— Confesse. — Ele insiste, sua voz firme, mas carregada de algo mais, algo que não consigo identificar.Respiro fundo, balançando a cabeça, recusando-me a ceder.— Não, não gosto. Mas se eu gostasse, é
Eu engulo em seco, sem saber se o calor no meu rosto é devido à proximidade ou pela tensão da situação. Olho para suas costas largas e sinto uma onda de prazer involuntária se espalhando pelo meu corpo. Tento focar nos olhos dele, aqueles olhos verdes que têm o poder de me hipnotizar. Ele me observa com um olhar atento, quase como se estivesse me desnudando com os olhos.— Meu Uno está com problemas no freio de mão. Em descidas, preciso engatá-lo e girar a roda para a guia. Só assim ele não desce rua abaixo. Posso deixá-lo aqui para você dar uma olhada? — Eu falo rapidamente, tentando manter a calma, mas a verdade é que quero sair correndo e não consigo.Ele não diz nada imediatamente, mas seu olhar se fixa ainda mais nos meus, e parece que o tempo para. Eu me vejo refletida nele, e tudo em mim diz para ficar, para não me afastar. Ele quebra finalmente o silêncio, seu tom agora mais suave, mas carregado de uma confiança indiscutível.— Claro. — Ele responde, quase como se estivesse se
Nessas minhas idas frequentes, Estela foi se achegando, acho que por insegurança de me ver sempre lá. Se o carro não tinha algo, inconscientemente eu arrumava algo para ele fazer, tipo trocar a palheta do limpa vidro, dar uma olhada no óleo...Deus! Agora eu percebo que só foram pretextos para ir à oficina de Leo. Que vergonha...Por isso Estela começou a sair do escritório e marcar presença, e conversar comigo enquanto ele me atendia. Ela está certa, se eu tivesse um homem como Leo, eu agiria da mesma maneira.A semana passada foi um divisor de águas. O destino, como sempre, me pregando peças, fez com que eu cruzasse com Leo fora do contexto que já conhecia. Eu estava no meu intervalo, havia acabado de almoçar, e lá estava ele, na rua, com aquele olhar irresistível. O convite foi simples, direto, e, de alguma forma, casual, como se a ideia de sair para um sorvete fosse tão natural quanto respirar. Aceitei sem pensar duas vezes, apesar de saber que normalmente sou rígida com a minh
O silêncio entre nós pesa e, de repente, noto que o carro já está estacionado em frente ao casarão onde Estela mora. É uma mansão imensa, num bairro nobre, com vista para o parque Municipal do Córrego. Tudo começa a fazer sentido. Leo me pegou antes porque ele queria me deixar aqui.A mente começa a girar, a fazer perguntas. Como é possível que Estela e ele, tão diferentes, tenham se encontrado e se mantido juntos por tanto tempo? A diferença social entre eles é clara.Mas, estranhamente, Estela o aceitou. Me sinto meio desconectada do que vejo. Um sentimento ruim se infiltra em meu peito, algo muito parecido com ciúmes. Mas eu tento afastar isso. Pare com isso, não tem razão para sentir assim.Decido sair do carro antes que ela chegue, sem querer dar motivos para uma situação desconfortável. Abro a porta e vou para o banco de trás, não por ser algo errado, mas por saber muito bem qual é o meu lugar ali. E aquele lugar ao lado dele não é o meu. Infelizmente.Estela surge do portão, ra
— E você, Sofia? Não sai da linha, nunca? Pizza de couve-flor, coca diet. — Estela provoca, com um sorriso malicioso.Eu a encaro, e, apesar do desconforto que sinto, consigo manter a calma. Solto o ar com mais força e evito olhar para Leo.— Não. Eu gosto de me sentir bem com meu corpo. E já me acostumei, não sinto falta de gulodices. Claro que, de vez em quando, saio da linha. Eu gosto muito de chocolate. Não deixo de comer, mas só o de 70% cacau. — Respondo, orgulhosa, lembrando-me do quanto mudei desde os tempos em que eu me sentia insegura.— Você faz exercícios? — Ela pergunta, curiosa.— Eu corro antes de ir ao trabalho. — Respondo, com um sorriso.— Não é de se admirar. Por isso que você tem esse corpão. — Estela diz, de maneira quase reverente.Eu pisco para ela, entrando na realidade novamente.— Sim, mas eu já fui gordinha. Por isso, eu me cuido.O garçom começa a servir as pizzas na mesa ao lado. O cheiro está delicioso, e por um momento, a tentação é grande, mas continuo