Omar caminha em direção à minha mãe com uma leveza que quase parece desumana. Ele pega a bandeja das mãos dela com um gesto tão natural, tão cheio de uma elegância imperturbável, que a cena se estende no tempo, como se o movimento fosse feito para ser admirado. Ele a coloca suavemente sobre a mesa de centro, seus dedos roçando a madeira com uma precisão que eu quase posso sentir na minha própria pele. Então, ele se serve de uma xícara, os dedos envoltos em volta da porcelana com uma calma que me provoca. Eu o observo em silêncio, absorvendo cada detalhe do seu físico. Ele está visivelmente mais magro, a face mais definida, como se a vida o tivesse esculpido com pressa, um reflexo de dias longos sob o comando do tal Sheik. Uma onda de estranheza se espalha por mim, como se ele tivesse se distanciado de quem foi, e ao mesmo tempo, algo no fundo de mim ainda o reconhecesse.
Meu celular vibra e, sem pensar muito, pego-o na mão. As palavras para Leo saem rápidas, como se a escrita fosse a única coisa que poderia me afastar dessa tensão crescente que está no ar.
"Vou demorar um pouquinho, você me espera?" "Se quiser desistir, tudo bem."
Eu envio a mensagem, sentindo que talvez esse pequeno afastamento fosse o que eu mais precisasse agora. Preciso de um respiro... de uma desculpa, de um tempo longe, até de mim mesma.
— Filha, quer café? — minha mãe pergunta, com uma gentileza que me irrita sem razão aparente. Eu nego com um aceno rápido. Já estou irritada, e nem sei bem por quê.
O celular ainda na minha mão, leio a resposta que me vem de Leo.
"Eu te espero."
A resposta de Leonardo me tranquiliza um pouco mais. Eu respiro fundo. A cada segundo, minha irritação se intensifica, e não sei mais aonde ela vai me levar e meu pai, como sempre, tenta suavizar o ambiente. Ele convida Omar a se sentar.
— Sente-se, Omar. — Ele diz com a mesma expressão acolhedora de sempre.
Omar, sem hesitar, se acomoda ao meu lado. Eu, ainda sem desviar os olhos do celular, movo o corpo com uma leveza calculada, me afastando o máximo que consigo do homem ao meu lado. A distância física parece ser a única coisa que me mantém minimamente em controle.
“Obrigada Leonardo”
Meu pai puxa o celular da minha mão e me entrega.
—Guarda isso. — diz me encarando. Sua expressão se fechando cada vez mais.
Omar limpa a garganta.
—Eu quero dizer que estou muito feliz em rever vocês. —ele então olha para mim. —Todos vocês. Como sabem, os considero como se fossem minha família.
Omar sempre gostou de meus pais. Isso sempre foi muito evidente. Ele nunca forçou uma situação para agradá-los. Era muito natural isso nele. Ele está sendo sincero quando diz isso.
Eu solto o ar entediada, pois isso não tem mais nada a ver comigo. Desvio meus olhos dos dele e olho o relógio me sentindo impaciente.
—Você é como um filho para nós...—meu pai diz com um sorriso emocionado.
Eu encaro meu pai. Ele enxuga algumas lágrimas. Minha mãe chora também se sentando ao lado do meu pai.
Omar por perto será uma espécie de consolo para eles.
Deus!
Encaro Omar. Ele está com o semblante carregado. Seus olhos procuram os meus e ele me dá um sorriso triste.
— Como sabem, fiquei chocado com a notícia. Eu gostava muito do Tiago. — As palavras de Omar saem baixas, como se ele realmente tivesse sentido a perda.
— Ele também gostava muito de você. — Minha mãe, com os olhos marejados, não consegue esconder a dor.
E então, com a suavidade que só ele parece ter, Omar lança a pergunta que vai mudar tudo.
— Bem, mas não vamos falar de coisas tristes. O senhor contou do meu convite para passar o feriado?
Eu me volto para meu pai, tentando entender aonde ele quer chegar com isso. Sábado, estou em casa desde o começo do dia, e ele não teve a chance de me contar nada? Uma pontada de confusão me atinge. Como isso está acontecendo agora?
—Eleonora sabe, mas eu não tive oportunidade para contar para Sofia.
Hoje é Sábado, eu fiquei em casa praticamente o dia inteiro, só saí para minha corrida matinal e ele não teve oportunidade?
— Eu comprei uma propriedade aqui em Floripa. — Omar diz com um sorriso discreto, mas cheio de um orgulho que transparece em cada palavra.
Eu congelo por um segundo. O quê? Uma propriedade?
Pisco, tentando entender, mas tudo parece se embaralhar. Eu encaro meu pai, que agora sorri, esperando minha reação. Encaro Omar.
— E? — A palavra sai mais ríspida do que eu pretendia.
Omar não se deixa abalar. Sua calma é quase irritante. Ele faz uma pausa, como se se preparasse para anunciar algo ainda mais absurdo.
— Vocês irão passar o Natal comigo, na minha nova propriedade.
Eu me levanto sem pensar, meu corpo reacionário em sua negação instantânea.
— Que história é essa de passar o Natal longe de casa? — Eu encaro meu pai primeiro, depois minha mãe, e finalmente, fixo meus olhos em Omar. — E você não comemora o Natal! Você nem é cristão!
Deus! O circo tá armado. E eu estou sentindo uma marionete nessa história.
—Sofia! —meu pai diz impaciente. —Sente-se!
Omar, no entanto, só sorri. Seu sorriso triste, quase imune à minha raiva, me incomoda profundamente.
— Longe de casa? A Barra da Lagoa fica a trinta e um minutos daqui, pela Rodovia Admar Gonzaga. E, realmente. Natal para mim é uma data comum, mas isso não me impede de oferecer dias agradáveis a todos vocês.
Eu mordo o lábio. Dias? Eles manejaram tudo pelas minhas costas. Eu não sou mais parte desse círculo, não sou mais a menininha que aceita tudo sem questionar.
— Sim, vocês passarão a semana comigo, do Natal até o Ano Novo. — Ele insiste, como se suas palavras tivessem algum tipo de mágica.
Deus! Ele que terminou comigo! Saiu da minha vida de um jeito intempestivo. Ficou quase dois anos longe e agora volta e quer mudar o meu Natal?— Desculpem-me, mas eu não vou. Eu já tenho o meu Natal planejado. — As palavras saem de mim com mais força do que eu esperava.Meu pai endurece o olhar, mas não recua.— Pois eu e sua mãe queremos ir e gostaríamos muito que você fosse conosco.Minha mãe chora ao lado de meu pai, abraçando-o como se isso fosse algum tipo de despedida. Um golpe baixo, um apelo. Eu sinto a raiva ferver, a impotência me corroer.— Pode ser nosso último Natal, ninguém sabe o que pode acontecer... — Minha mãe diz, chorando com a fragilidade de quem não consegue mais esconder a dor.Deus, isso é torturante.Eu encaro Omar. Ele está lá, parado, com o semblante sério, seus olhos fixos em mim. Há algo em seu olhar que me ferve por dentro, uma espécie de calor que eu não quero sentir. Mas é impossível não notar.Meus pensamentos voltam ao passado, ao momento em que ele
— Por que a demora? Aconteceu alguma coisa? — Ele pergunta, a voz grave, buscando entender o que aconteceu, a preocupação evidente nos seus olhos.Eu forço um sorriso triste, tentando disfarçar a confusão.— Problemas familiares. — Respondo, minha voz falha, mas não posso dizer mais.De repente, a voz de Omar me chama da porta.— Sofia! — Ele grita, e o meu estômago dá um nó tão forte que m@l consigo respirar. Não olho para ele. Não posso. Não quero.Em um impulso desesperado, avanço sobre Leonardo, agarrando-o como se a minha vida dependesse disso. Sinto os seus músculos se enrijecerem sob o meu toque, a hesitação tomando conta dele por um instante antes que os seus braços, firmes e quentes, se fechem ao meu redor. E, meu Deus, o cheiro dele… uma mistura inebriante de algo familiar e perigoso, invade os meus sentidos, apagando tudo ao redor.Sem pensar, as minhas mãos alcançam a sua nuca, puxando-o para mais perto. Os meus lábios encontram os dele com urgência, um choque elétrico que
Leonardo vira o rosto na minha direção, e sua expressão me atinge como um soco. Ele está fechado, os seus olhos apertados numa carranca que não consigo decifrar. É como se eu tivesse cruzado um limite invisível, e a ideia de tê-lo perdido de alguma forma me rasga por dentro.— Esse aí é o seu ex? — Ele pergunta, a voz baixa, mas tão fria que parece cortar o ar entre nós. Ele hesita, a sua mandíbula se movendo como se mastigasse as palavras antes de soltá-las. — E quando ele me chamou... — Ele para por um momento, desviando o olhar. — Você me enxergou como a sua tábua de salvação?As palavras dele são como um golpe certeiro. Sinto o ar escapar dos meus pulmões, e meu peito se aperta, a culpa crescendo como uma sombra dentro de mim. Não era isso. Não foi isso! Tento formular uma resposta, mas tudo parece errado, insuficiente. Não sei como explicar o que sinto, porque nem eu entendo completamente. Como posso dizer que sim, em algum momento, procurei nele um porto seguro, mas que ele é ma
O céu lá fora está tingido de vermelho, o pôr do sol lançando sombras dançantes sobre o seu rosto. Os olhos verdes dele, iluminados pelo reflexo da luz, parecem brilhar ainda mais intensamente, mas não há calor neles. Apenas uma intensidade quase cruel, penetrante, que me faz querer desviar o olhar, mas eu não consigo.— O que ele queria? — A pergunta vem de repente, quebrando o silêncio, mas a voz dele continua baixa, carregada de algo que não consigo decifrar.A minha boca se abre e fecha, hesitante. Sinto o meu estômago dar um nó, e as palavras parecem presas, como se a minha garganta tivesse sido tomada por espinhos. Finalmente, eu respiro fundo e deixo escapar:— Nos convidar para passar a semana do Natal até o Ano Novo na casa dele. — a minha voz sai fraca, quase um sussurro. A confissão é um peso que me sufoca, uma verdade que eu preferia não dizer.Leonardo vira a cabeça, os seus olhos encontrando os meus por um instante. É como se ele estivesse tentando ler os meus pensamento
Ele me encara por um instante, os seus olhos fixos nos meus com uma intensidade que quase me faz recuar. Sinto como se ele estivesse prestes a explodir, mas ao invés disso, ele desvia o olhar para o trânsito, deixando-me sozinha com os meus pensamentos.— Você gosta dele. — As palavras saem de repente, carregadas de um desafio que me pega de surpresa.Meu coração dispara, e eu viro-me para encará-lo. Ele sabe o que está fazendo, sabe exatamente como me desestabilizar.— Eu já disse que não gosto dele! — Minha voz sobe, carregada de uma raiva que esconde a minha própria confusão. É como se, ao dizer isso, eu estivesse tentando me convencer tanto quanto a ele.Ele não parece convencido. O seu olhar é sério, quase implacável, como se estivesse esperando que eu finalmente confessasse algo.— Confesse. — Ele insiste, sua voz firme, mas carregada de algo mais, algo que não consigo identificar.Respiro fundo, balançando a cabeça, recusando-me a ceder.— Não, não gosto. Mas se eu gostasse, é
Eu engulo em seco, sem saber se o calor no meu rosto é devido à proximidade ou pela tensão da situação. Olho para suas costas largas e sinto uma onda de prazer involuntária se espalhando pelo meu corpo. Tento focar nos olhos dele, aqueles olhos verdes que têm o poder de me hipnotizar. Ele me observa com um olhar atento, quase como se estivesse me desnudando com os olhos.— Meu Uno está com problemas no freio de mão. Em descidas, preciso engatá-lo e girar a roda para a guia. Só assim ele não desce rua abaixo. Posso deixá-lo aqui para você dar uma olhada? — Eu falo rapidamente, tentando manter a calma, mas a verdade é que quero sair correndo e não consigo.Ele não diz nada imediatamente, mas seu olhar se fixa ainda mais nos meus, e parece que o tempo para. Eu me vejo refletida nele, e tudo em mim diz para ficar, para não me afastar. Ele quebra finalmente o silêncio, seu tom agora mais suave, mas carregado de uma confiança indiscutível.— Claro. — Ele responde, quase como se estivesse se
Nessas minhas idas frequentes, Estela foi se achegando, acho que por insegurança de me ver sempre lá. Se o carro não tinha algo, inconscientemente eu arrumava algo para ele fazer, tipo trocar a palheta do limpa vidro, dar uma olhada no óleo...Deus! Agora eu percebo que só foram pretextos para ir à oficina de Leo. Que vergonha...Por isso Estela começou a sair do escritório e marcar presença, e conversar comigo enquanto ele me atendia. Ela está certa, se eu tivesse um homem como Leo, eu agiria da mesma maneira.A semana passada foi um divisor de águas. O destino, como sempre, me pregando peças, fez com que eu cruzasse com Leo fora do contexto que já conhecia. Eu estava no meu intervalo, havia acabado de almoçar, e lá estava ele, na rua, com aquele olhar irresistível. O convite foi simples, direto, e, de alguma forma, casual, como se a ideia de sair para um sorvete fosse tão natural quanto respirar. Aceitei sem pensar duas vezes, apesar de saber que normalmente sou rígida com a minh
O silêncio entre nós pesa e, de repente, noto que o carro já está estacionado em frente ao casarão onde Estela mora. É uma mansão imensa, num bairro nobre, com vista para o parque Municipal do Córrego. Tudo começa a fazer sentido. Leo me pegou antes porque ele queria me deixar aqui.A mente começa a girar, a fazer perguntas. Como é possível que Estela e ele, tão diferentes, tenham se encontrado e se mantido juntos por tanto tempo? A diferença social entre eles é clara.Mas, estranhamente, Estela o aceitou. Me sinto meio desconectada do que vejo. Um sentimento ruim se infiltra em meu peito, algo muito parecido com ciúmes. Mas eu tento afastar isso. Pare com isso, não tem razão para sentir assim.Decido sair do carro antes que ela chegue, sem querer dar motivos para uma situação desconfortável. Abro a porta e vou para o banco de trás, não por ser algo errado, mas por saber muito bem qual é o meu lugar ali. E aquele lugar ao lado dele não é o meu. Infelizmente.Estela surge do portão, ra