O silêncio entre nós pesa e, de repente, noto que o carro já está estacionado em frente ao casarão onde Estela mora. É uma mansão imensa, num bairro nobre, com vista para o parque Municipal do Córrego. Tudo começa a fazer sentido. Leo me pegou antes porque ele queria me deixar aqui.A mente começa a girar, a fazer perguntas. Como é possível que Estela e ele, tão diferentes, tenham se encontrado e se mantido juntos por tanto tempo? A diferença social entre eles é clara.Mas, estranhamente, Estela o aceitou. Me sinto meio desconectada do que vejo. Um sentimento ruim se infiltra em meu peito, algo muito parecido com ciúmes. Mas eu tento afastar isso. Pare com isso, não tem razão para sentir assim.Decido sair do carro antes que ela chegue, sem querer dar motivos para uma situação desconfortável. Abro a porta e vou para o banco de trás, não por ser algo errado, mas por saber muito bem qual é o meu lugar ali. E aquele lugar ao lado dele não é o meu. Infelizmente.Estela surge do portão, ra
— E você, Sofia? Não sai da linha, nunca? Pizza de couve-flor, coca diet. — Estela provoca, com um sorriso malicioso.Eu a encaro, e, apesar do desconforto que sinto, consigo manter a calma. Solto o ar com mais força e evito olhar para Leo.— Não. Eu gosto de me sentir bem com meu corpo. E já me acostumei, não sinto falta de gulodices. Claro que, de vez em quando, saio da linha. Eu gosto muito de chocolate. Não deixo de comer, mas só o de 70% cacau. — Respondo, orgulhosa, lembrando-me do quanto mudei desde os tempos em que eu me sentia insegura.— Você faz exercícios? — Ela pergunta, curiosa.— Eu corro antes de ir ao trabalho. — Respondo, com um sorriso.— Não é de se admirar. Por isso que você tem esse corpão. — Estela diz, de maneira quase reverente.Eu pisco para ela, entrando na realidade novamente.— Sim, mas eu já fui gordinha. Por isso, eu me cuido.O garçom começa a servir as pizzas na mesa ao lado. O cheiro está delicioso, e por um momento, a tentação é grande, mas continuo
O silêncio no carro é absoluto, quase ensurdecedor. Cada minuto parece durar uma eternidade enquanto assisto, impotente, Leo deixar Estela em sua casa. Meu estômago se aperta ao ver o beijo longo, profundo, que eles trocam. Eu não deveria me importar, mas a dor é tão forte que quase consigo tocá-la.Deus! Longo mesmo!Eu me viro rapidamente para o vidro da janela, tentando esconder a revolta e a tristeza que crescem dentro de mim. Uma sensação de incompletude me invade. Eu não faço parte disso. Eles são um mundo à parte, e tudo o que eu tenho são essas horas intermináveis ao lado de Leo, sem saber o que ele realmente pensa sobre mim.—Amanhã passo na sua oficina. —ela diz com um sorriso bobo no rosto, ainda visivelmente encantada com ele.—Que horas? —Leo questiona.—Uma hora da tarde.—Tudo bem. —Leo diz e recebe mais um beijo longo na boca. Deus! Longo mesmo!Oi, eu estou aquiii!Incomodada viro minha cara para o vidro. Estela desce do carro. Leo acena para ela antes de ela entrar
Eu fico sem palavras, e tudo o que consigo fazer é respirar fundo, tentando não ceder. Tento não ser uma tola, tento não me entregar a essa mentira que ele está me propondo.— Eu não preciso provar nada para você. — Eu digo, tentando me manter firme.Leo sorri com desdém, como se estivesse me estudando, mas o que eu vejo em seus olhos é mais complexo do que qualquer sorriso.— Vocês universitárias são todas iguais. Querem o cara bonito do lado, mas é só. — Ele diz, e essas palavras parecem me cortar. Mais do que eu gostaria de admitir.As palavras dele ecoam na minha mente, como lâminas afiadas, cortando mais do que eu imaginava ser possível. "Vocês universitárias são todas iguais. Querem o cara bonito do lado, mas é só." Aquelas palavras queimam, deixam um gosto amargo na minha boca. Mais do que eu gostaria de admitir, elas me atingem em cheio. Como se ele estivesse me julgando, me reduzindo a uma simples menina que só se interessa pelo superficial, pelo que está na aparência. — O
— Agora pode ir. — Ele diz, com um sorriso debochado, mas seus olhos continuam carregados de algo que eu não entendo completamente.Eu fico ali, tentando recobrar os sentidos, meu corpo ainda tremendo, a mente em guerra.O que estamos fazendo? O que isso significa?— Isso não pode se repetir — eu digo, ofegante, a minha mente ainda girando pela intensidade do que aconteceu. O meu corpo ainda responde a ele, mas eu não posso me deixar levar assim. — Foi só agora. Na casa, vamos andar de mãos dadas, essas coisas que namorados fazem, sem beijinhos...Leo me olha, e o seu sorriso volta, mas com um toque de humor nos olhos. Ele se inclina um pouco, o canto dos lábios curvando-se para cima.— Beijinhos? Acho que não caprichei!Eu reviro os olhos, tentando ignorar a sensação de calor que explode em meu peito. Ele tem essa maneira de brincar com as palavras, de me tirar do sério com um simples sorriso. Mas eu não posso me entregar mais.— Para, Leonardo!O sorriso dele desaparece, e a expres
Entro no banheiro, ligo o chuveiro e deixo que a água quente escorra pelo meu corpo, despertando cada centímetro de mim. A sensação é revigorante, quase terapêutica. Depois de me secar, escolho uma saia lápis que abraça minha cintura e uma camisa leve, perfeita para o calor que o dia promete trazer. Saio do banheiro ainda secando o cabelo com pressa, sabendo que meu pai já deve estar na cozinha, como sempre.Minutos depois, encontro-o exatamente onde imaginei. Ele está diante do fogão, mexendo na cafeteira, os gestos automáticos de quem repete esse ritual há anos. O cheiro de café fresco se espalha pelo ambiente, acolhedor e familiar. Assim que entro, ele me lança um olhar rápido antes de voltar à sua tarefa.— Bom dia, pai. — Digo, pegando a xícara que ele já deixou pronta para mim. Forte, encorpado, exatamente como gosto.— Bom dia, Sofia. — Ele responde, mas sua expressão pensativa me intriga. — Tem algo importante para conversar? Por que está me olhando desse jeito?Me apoio na ba
O expediente está puxado. O clima nas agências bancárias é sempre intenso perto das festas, e hoje não seria diferente. Todo mundo resolveu correr para o banco antes de se perder nas comemorações. Eu, pessoalmente, mal posso esperar para ver o final do dia chegar. Graças a Deus, amanhã começa o meu período de férias. Eu já estou planejando, mentalmente, o que vou fazer. A primeira coisa que quero é dar uma repaginada no visual. Preciso urgentemente de um corte de cabelo, e umas unhas feitas para me sentir renovada. Quero estar o mais apresentável possível para Leo. Ele vai gostar da mudança, tenho certeza.Faltando pouco para o fim do expediente, finalmente consigo ligar para Leo. Desde aquele dia, não conseguimos mais conversar. Fico um pouco ansiosa, esperando que ele atenda. Ele demora, o que me deixa ainda mais nervosa.— Leo.A voz dele do outro lado vem séria, mas tranquila.— Oi.A insegurança toma conta de mim, mas tento disfarçar. Não sei se Estela está por perto, ou como ele
Ele sorri, com aquele olhar de quem está prestes a fazer algo incrível, e começa a trabalhar. Ele me diz algumas palavras de incentivo, elogia meu rosto, dizendo que tem um formato angelical, que não tem como eu ficar feia. Rafael é ótimo em fazer as pessoas se sentirem bem consigo mesmas, e seu elogio aquece meu coração.— Você tem um rosto lindo, angelical — ele continua, enquanto começa a cortar. — Não sei por que tanta insegurança. Seus cabelos são volumosos, com bastante textura. Cabelos ondulados como o seu são difíceis de errar nesse corte. As camadas que vou criar vão dar mais harmonia ao seu cabelo. Ele está pesado hoje, sem vida. Mas logo, logo, vai ter todo o movimento que você merece.— Ok, já gostei — respondo, sentindo uma confiança crescente.À medida que ele vai ajustando as camadas, sinto que a transformação vai além do meu cabelo. Algo dentro de mim também está mudando, e eu estou pronta para abraçar isso de coração aberto. O corte será o primeiro passo, mas as mudan