Antes das cinco da madrugada, eu já tinha arrumado a cama, tomado um banho quente e reconfortante que parecia ter dissolvido, ainda que temporariamente, a inquietude que me consumia. Visto-me com cuidado, cada gesto carregado de uma tensão silenciosa. Minha rotina matinal, quase automática, oferece um pequeno conforto diante do caos que pulsa dentro de mim.— Pronto — murmuro para o espelho, enquanto aplico um batom cor de telha. Ele aviva a tonalidade natural dos meus lábios, o suficiente para dar vida à minha expressão sem ser exagerado.Sorrio para minha própria imagem, uma tentativa de convencer a mim mesma de que a noite passada, consumida pela insônia, não deixou marcas visíveis. Mas sei a verdade: dormi mal, prisioneira de pensamentos desordenados sobre Leo, tentando entender a tensão inexplicável que ele provoca em mim. Meu rosto pode não refletir cansaço, mas meu corpo grita por descanso.Dou um passo para longe do espelho, mas não consigo evitar olhar novamente. O reflexo me
Eu pisco, surpresa com a pergunta. Esperava um elogio, uma palavra gentil que alimentasse a chama que insisto em apagar. Mas, em vez disso, ele questiona minha mudança. Fico sem palavras. O que posso dizer? Ele ainda está com Estela. Preciso me lembrar disso, como um mantra que me prende à realidade. Não posso me entregar a essa atração com tanta facilidade.Quero que ele perceba. Quero que veja a diferença entre mim e ela, que entenda o abismo que separa nossos mundos. Somos de realidades opostas, mas, mesmo assim, algo em mim anseia por ser notada, por ser vista de verdade.Meu Deus! Espero que ele perceba. Mesmo que não seja para ficar comigo, que ao menos saiba o quanto estou tentando protegê-lo, evitando que sofra. Não quero ser a causa de sua dor. Nunca. Mas, se ele souber... Se ao menos entender o que estou tentando fazer, talvez torne tudo isso mais suportável. Para mim. E para ele.— Não gostou? — Pergunto, um pouco aturdida com como ele me observa, a expressão dele quase des
Abro a porta da sala, e lá estamos, eu e Leo, prontos para enfrentar o que quer que venha. O cheiro do café no ar, vindo da cozinha, me lembra que nada disso está realmente sob controle. A minha mãe fez o café, como sempre, esse aroma familiar me acalma, mesmo em meio a tanta tensão.— Pai. Esse é Leonardo. — Eu digo, um pouco nervosa, mas tentando parecer tranquila.Meu pai, com a expressão séria, estende a mão para Leo, e, sem hesitar, Leo a aperta com firmeza, sua postura ainda imponente.— Jonas. — o meu pai diz, sem sorrir, mas de maneira educada.Leo o cumprimenta com um aperto forte, o que me faz sentir uma onda de orgulho, como se ele estivesse provando algo, mesmo que ninguém tenha pedido para ele fazer isso.— Prazer em conhecê-lo. — Leo diz, com uma voz que transmite respeito, mas também uma certa autoridade.— Leo, essa é minha mãe, Eleonora. — Eu falo, tentando dar o tom certo à apresentação, embora eu saiba que ela não está tão disposta a agradá-lo quanto eu gostaria.El
— Isso passa. Eles gostam de Omar, mas quando eles enxergarem que acabou, irão tirar isso da cabeça. — Mudo de assunto, tentando dar leveza à conversa. E de repente, minha voz soa mais suave, mais relaxada. Eu tento controlar meu ritmo, meu tom, para não deixar transparecer a insegurança que sinto. — O que você costuma comer de manhã?Ele me olha por um momento, pensativo, antes de responder, sua expressão séria, mas gentil.— Só café puro.Eu rio, a surpresa me pegando de surpresa, e então os meus olhos deslizam por seus braços fortes, notando o contraste entre sua força e o hábito simples que ele menciona.— Um homem desse tamanho só com café puro? — Digo, sorrindo e tentando brincar com ele, mas meu tom esconde uma curiosidade genuína. — Não acredito! Temos pão integral, geleia, manteiga, queijo, presunto. Se quiser, eu faço uma tapioca?Leonardo sorri, e o brilho nos seus olhos quase me faz derreter. Aquele sorriso... um daqueles que fazem tudo ao redor desaparecer. Eu fico sem pa
Minha mente tenta decifrar a resposta, mas me resigno. Apenas aceno com a cabeça, mantendo a expressão séria. Por dentro, no entanto, meu coração dispara, cheio de esperança e expectativa pelo que pode acontecer.O trânsito está incrivelmente tranquilo, e poucos carros cruzam nosso caminho. A viagem segue sem interrupções, e o cenário vai ficando mais rural conforme nos aproximamos do destino.— Seu ex sabe que eu irei com você? — Leo pergunta de repente, quebrando o silêncio que havia se instalado.Eu o encaro, surpresa com a pergunta, mas logo balanço a cabeça, procurando a resposta certa.— Não sei. Deve saber.Leo sorri de canto, despreocupado, mas com um brilho no olhar.— Se ele não sabe, será uma surpresa e tanto.Dou de ombros, fingindo indiferença, mas minha mente vai longe. Olho novamente pela janela, focando em conter as minhas emoções. Não é por Omar, não é medo de enfrentá-lo. É por Leo. Saber que ele está solteiro me dá um pouco de tranquilidade, como se, agora, houvesse
—É pra já —digo, inclinando-me para me apoiar em Leo enquanto começo a tirar as sandálias.O calor de suas mãos firmes em meus braços me traz uma sensação de segurança que parece natural demais, como se eu pertencesse ali. Ele me segura com cuidado, seus dedos fortes, porém gentis, garantindo que eu não perca o equilíbrio até terminar.Um sorriso surge em seu rosto, aquele sorriso aberto e genuíno que tanto amo. É o Leo que conheço, o Leo que transforma cada momento simples em algo especial.Ele se abaixa e começa a tirar os próprios sapatos, suas mãos ágeis mas sem pressa. Quando os deixamos juntos num canto da varanda, sinto algo inexplicável ao vê-los lado a lado, como se fossem uma pequena promessa de algo maior.Leo ajeita a barra das calças, dobrando-a com movimentos precisos. Quando ele se ergue, seus músculos nas pernas são revelados, fortes e cobertos por pelos dourados que brilham sob a luz suave da manhã. Meu olhar desliza sobre ele sem que eu consiga evitar, e há algo tão
—Ótimo —digo feliz, enquanto entrelaço os dedos aos de Leo.Ele me envolve pela cintura, e seguimos com passos calmos, nossas sombras projetadas pela luz suave da manhã sobre a areia. A mão dele, firme e quente em minha cintura, transmite uma sensação de segurança que só ele parece ser capaz de oferecer. É como se o toque dele fosse uma âncora, mantendo-me firme enquanto o mundo ao nosso redor parece se dissolver na tranquilidade do momento.Caminhamos assim, próximos, como se o universo tivesse nos criado para ocupar aquele espaço juntos. A conversa flui naturalmente, e nossos assuntos variam de filmes que marcaram nossas vidas a músicas que nos fazem sorrir. É leve, mas cada palavra, cada risada, parece construir uma base sólida para algo muito maior do que qualquer um de nós ousaria admitir em voz alta.No fundo, sabemos que estamos escrevendo os primeiros capítulos de uma história.Olho para ele enquanto caminhamos, observando seu perfil iluminado pelo sol. Os olhos verdes de Leo
Olho para o relógio. Passa um pouco das oito horas. Eu e Leo entramos de mãos dadas na casa, e nossos passos ecoam levemente pelo espaço amplo. A sala, iluminada por uma luz suave, emoldura meus pais sentados no sofá, conversando com Omar. Há uma rigidez na postura deles que me coloca imediatamente em alerta.Os rostos tensos, os olhares fixos. Tento captar mais detalhes do diálogo e, então, ouço meu pai pronunciar a palavra "dívida". O som da palavra, isolado e carregado de peso, reverbera como um alarme silencioso. Assim que me nota, ele interrompe a frase abruptamente, como se minha presença exigisse segredo.Omar, sentado em uma poltrona próxima, ergue o olhar para nós. Seus olhos, escuros e profundos, carregam algo difícil de decifrar, um peso que ele tenta mascarar atrás de uma fachada de formalidade. Mas é impossível não perceber.Por um instante, o silêncio toma conta da sala, tenso e carregado de significados não ditos. Omar nos observa, como se calculasse suas próximas palav