Sophia
Entro na sala e vejo os meus pais assistindo a um filme caseiro de três anos atrás. Eles estão rindo de uma cena minha com Omar, quando ele me surpreende, jogando-me nos seus ombros e correndo comigo em direção ao mar. Na filmagem, o meu bumbum aparece para cima enquanto eu bato as pernas em protesto, rindo e gritando.
Passo a mão pelos meus cabelos castanhos, longos e pesados, sentindo um incômodo imediato. Detesto essa situação. Tento manter uma expressão neutra enquanto a minha mãe comenta casualmente:
— Quem diria que Omar trabalharia para um Sheik...
Forço um sorriso para disfarçar o desconforto, mas meu coração pesa ao olhar para o vídeo. A cena muda, mostrando nós dois rindo como crianças depois que ele me j**a na água. Meu coração acelera, mas não por causa de Omar. É por Tiago que aparece na sequência. Que droga... Perdê-lo foi um golpe avassalador.
Fecho os olhos me lembrando de uma cena com o meu amigo, meu irmão....
A luz dourada do fim de tarde atravessa as janelas do quarto de Tiago, refletindo no chão de madeira desgastada e criando sombras suaves nas paredes. O cheiro do perfume amadeirado que ele sempre usava ainda parece estar impregnado no ar, misturando-se com a lembrança de suas risadas que preenchiam cada canto da casa. Sento-me na sua cama desarrumada, encarando a guitarra encostada no canto, ainda com as cordas desafinadas da última vez que ele tocou.
Tiago era a alma da nossa casa. Aonde quer que fosse, levava uma energia que contagiava todo mundo. Ele tinha uma facilidade em transformar qualquer momento simples em algo memorável. Lembro-me de uma tarde específica, pouco antes do último Natal que passamos juntos.
— Vamos, Sofi! Anda logo! — ele gritava da porta da sala, segurando uma bola de vôlei em uma mão e um par de raquetes de frescobol na outra.
— Não acredito que você quer fazer tudo isso em uma tarde! — respondo, rindo, enquanto calço os tênis. Ele sempre planejava coisas demais, como se cada dia precisasse ser uma aventura inesquecível.
Descemos para a praia juntos, rindo e brigando como sempre. Ele insistia que eu era péssima no vôlei, e eu rebatia dizendo que ele não tinha paciência para ensinar. Naquele dia, fizemos uma aposta: se eu conseguisse marcar dez pontos consecutivos, ele me compraria um sorvete. No final, ele comprou o sorvete de qualquer maneira, porque "era impossível dizer não para uma vitória tão sofrida".
De volta para casa, ele apareceu no meu quarto com um violão em mãos.
— Escrevi uma coisa. Me diz o que acha. — Ele sentou-se na beira da cama e começou a tocar. A melodia era simples, mas a letra era tão profunda que me fez chorar. Era sobre nós. Sobre como ele me via como a pessoa que sempre estaria lá, mesmo quando o mundo desabasse.
— Você é brega, Tiago. — Digo, tentando esconder as lágrimas, mas ele só ri e bagunça o meu cabelo.
Flashbacks como esses me invadem constantemente. Pedaços de memórias que aparecem nos momentos mais inesperados: o cheiro do mar, o som de uma guitarra, ou até mesmo a risada de alguém na rua que soa como a dele. Cada detalhe me faz lembrar do irmão que era meu melhor amigo, meu confidente, meu parceiro em todas as aventuras.
Estamos na cozinha, onde o aroma doce do brigadeiro recém-feito preenche o ambiente. Tiago está sentado à mesa, a expressão mais séria do que de costume, enquanto mexe o doce na panela com movimentos deliberados.
— Sofia, posso lhe fazer uma pergunta? — Ele rompe o silêncio com a voz baixa, mas firme.
Levanto os olhos, surpresa com o tom. Tiago raramente adota esse ar tão introspectivo.
— Claro, diga. — Respondo, tentando não transparecer a minha curiosidade crescente.
— Já parou para pensar no que pretende fazer após a faculdade? — Ele indaga, o olhar fixo em mim como se buscasse algo além de uma resposta superficial.
Desvio o olhar, rindo de leve para amenizar o desconforto.
— Não exatamente. Prefiro ver como as coisas se desenrolam. Sabe como é, nem sempre dá para planejar tudo com antecedência.
Ele assente lentamente, mas seu semblante permanece sério.
— Entendo. Mas a vida nem sempre espera. — Ele faz uma pausa, como se escolhesse cuidadosamente as palavras. — Não quero soar impertinente, mas tenho receio de que você se acomode no conforto da incerteza.
As palavras atingem-me de forma inesperada. Sinto um leve incômodo, não porque ele esteja errado, mas porque ele tocou em algo que evito admitir até para mim mesma.
— Não acho que seja acomodação, Tiago. Só não gosto de me prender a planos rígidos. Prefiro manter as possibilidades abertas. — Tento explicar, mas percebo que ele não está totalmente convencido.
— Possibilidades são importantes, sim, mas elas precisam de direção, Sofia. — Ele diz isso com um tom suave, mas incisivo. — Só não quero que você olhe para trás um dia e perceba que deixou passar oportunidades por hesitar.
Fico em silêncio por alguns instantes, mexendo na colher do brigadeiro apenas para ter algo com o que ocupar as mãos. Tiago sempre teve essa capacidade de me fazer refletir sobre assuntos que eu preferia ignorar.
— E quanto a você? Já tem seus planos definidos? — Pergunto, na tentativa de desviar o foco.
Ele solta uma risada curta, quase melancólica.
— Estou longe de ter todas as respostas. Talvez seja por isso que insisto tanto com você. — Ele me encara por um momento, o olhar cheio de significados que não consigo decifrar.
De repente, o silêncio na cozinha parece mais denso, carregado de sentimentos que não precisam ser ditos. Essa conversa, embora desconfortável, ecoaria na minha mente por muito tempo. E, como sempre, Tiago encontrou uma maneira de deixar a sua marca.
Perder Tiago foi como perder uma parte de mim mesma. A casa ficou silenciosa, o ar pesado. Os meus pais mudaram, eu mudei. E por mais que os dias continuem a passar, a falta dele nunca diminui. Cada decisão, cada momento importante, eu ainda me pego pensando no que ele diria, no que ele faria.
Agora, enquanto enfrento as incertezas da minha vida, Omar, Leo, minha carreira, tudo parece mais confuso sem Tiago para me ajudar a clarear os pensamentos. Ele era meu norte. E, sem ele, estou constantemente tentando me encontrar novamente.
Encaro o vídeo novamente e um arrepio percorre a minha espinha quando Omar sai do mar e caminha em direção à câmera com um sorriso que costumava ser tão familiar. Ele pega a câmera das mãos de Tiago e começa a filmar, enquanto meu irmão corre para o mar, juntando-se a mim.
O aperto no peito se intensifica.— Mãe, chega desse vídeo! Que tal um cafezinho? — tento mudar o foco, precisando de uma pausa dessa mistura de saudade e dor.— Vou fazer — responde minha mãe, enxugando os olhos marejados enquanto troca um olhar com meu pai, que permanece em silêncio. Algo na atitude dela me deixa alerta.— Precisamos conversar. Sente-se — diz meu pai com uma expressão séria.Meu coração dispara. Quando ele assume esse tom, sei que vem algo importante, e geralmente não é coisa boa.— O que foi? — pergunto, tentando parecer tranquila, mas já sentindo o peso da ansiedade.— Há uma semana, Omar nos ligou.Fico perplexa ao ouvir o nome do meu ex-namorado sair dos lábios de meu pai.— Pai! Deus! Esquece esse homem. E daí que ele ligou? Por que está me contando isso agora?Meu pai suspira profundamente, ignorando minha reação.— Não seja dura com ele.— Dura com ele? Por que essa conversa agora? Ele está do outro lado do mundo. Nem se lembra mais de nós!— Filha! Ouça.Eu
Omar caminha em direção à minha mãe com uma leveza que quase parece desumana. Ele pega a bandeja das mãos dela com um gesto tão natural, tão cheio de uma elegância imperturbável, que a cena se estende no tempo, como se o movimento fosse feito para ser admirado. Ele a coloca suavemente sobre a mesa de centro, seus dedos roçando a madeira com uma precisão que eu quase posso sentir na minha própria pele. Então, ele se serve de uma xícara, os dedos envoltos em volta da porcelana com uma calma que me provoca. Eu o observo em silêncio, absorvendo cada detalhe do seu físico. Ele está visivelmente mais magro, a face mais definida, como se a vida o tivesse esculpido com pressa, um reflexo de dias longos sob o comando do tal Sheik. Uma onda de estranheza se espalha por mim, como se ele tivesse se distanciado de quem foi, e ao mesmo tempo, algo no fundo de mim ainda o reconhecesse.Meu celular vibra e, sem pensar muito, pego-o na mão. As palavras para Leo saem rápidas, como se a escrita fosse a
Deus! Ele que terminou comigo! Saiu da minha vida de um jeito intempestivo. Ficou quase dois anos longe e agora volta e quer mudar o meu Natal?— Desculpem-me, mas eu não vou. Eu já tenho o meu Natal planejado. — As palavras saem de mim com mais força do que eu esperava.Meu pai endurece o olhar, mas não recua.— Pois eu e sua mãe queremos ir e gostaríamos muito que você fosse conosco.Minha mãe chora ao lado de meu pai, abraçando-o como se isso fosse algum tipo de despedida. Um golpe baixo, um apelo. Eu sinto a raiva ferver, a impotência me corroer.— Pode ser nosso último Natal, ninguém sabe o que pode acontecer... — Minha mãe diz, chorando com a fragilidade de quem não consegue mais esconder a dor.Deus, isso é torturante.Eu encaro Omar. Ele está lá, parado, com o semblante sério, seus olhos fixos em mim. Há algo em seu olhar que me ferve por dentro, uma espécie de calor que eu não quero sentir. Mas é impossível não notar.Meus pensamentos voltam ao passado, ao momento em que ele
— Por que a demora? Aconteceu alguma coisa? — Ele pergunta, a voz grave, buscando entender o que aconteceu, a preocupação evidente nos seus olhos.Eu forço um sorriso triste, tentando disfarçar a confusão.— Problemas familiares. — Respondo, minha voz falha, mas não posso dizer mais.De repente, a voz de Omar me chama da porta.— Sofia! — Ele grita, e o meu estômago dá um nó tão forte que m@l consigo respirar. Não olho para ele. Não posso. Não quero.Em um impulso desesperado, avanço sobre Leonardo, agarrando-o como se a minha vida dependesse disso. Sinto os seus músculos se enrijecerem sob o meu toque, a hesitação tomando conta dele por um instante antes que os seus braços, firmes e quentes, se fechem ao meu redor. E, meu Deus, o cheiro dele… uma mistura inebriante de algo familiar e perigoso, invade os meus sentidos, apagando tudo ao redor.Sem pensar, as minhas mãos alcançam a sua nuca, puxando-o para mais perto. Os meus lábios encontram os dele com urgência, um choque elétrico que
Leonardo vira o rosto na minha direção, e sua expressão me atinge como um soco. Ele está fechado, os seus olhos apertados numa carranca que não consigo decifrar. É como se eu tivesse cruzado um limite invisível, e a ideia de tê-lo perdido de alguma forma me rasga por dentro.— Esse aí é o seu ex? — Ele pergunta, a voz baixa, mas tão fria que parece cortar o ar entre nós. Ele hesita, a sua mandíbula se movendo como se mastigasse as palavras antes de soltá-las. — E quando ele me chamou... — Ele para por um momento, desviando o olhar. — Você me enxergou como a sua tábua de salvação?As palavras dele são como um golpe certeiro. Sinto o ar escapar dos meus pulmões, e meu peito se aperta, a culpa crescendo como uma sombra dentro de mim. Não era isso. Não foi isso! Tento formular uma resposta, mas tudo parece errado, insuficiente. Não sei como explicar o que sinto, porque nem eu entendo completamente. Como posso dizer que sim, em algum momento, procurei nele um porto seguro, mas que ele é ma
O céu lá fora está tingido de vermelho, o pôr do sol lançando sombras dançantes sobre o seu rosto. Os olhos verdes dele, iluminados pelo reflexo da luz, parecem brilhar ainda mais intensamente, mas não há calor neles. Apenas uma intensidade quase cruel, penetrante, que me faz querer desviar o olhar, mas eu não consigo.— O que ele queria? — A pergunta vem de repente, quebrando o silêncio, mas a voz dele continua baixa, carregada de algo que não consigo decifrar.A minha boca se abre e fecha, hesitante. Sinto o meu estômago dar um nó, e as palavras parecem presas, como se a minha garganta tivesse sido tomada por espinhos. Finalmente, eu respiro fundo e deixo escapar:— Nos convidar para passar a semana do Natal até o Ano Novo na casa dele. — a minha voz sai fraca, quase um sussurro. A confissão é um peso que me sufoca, uma verdade que eu preferia não dizer.Leonardo vira a cabeça, os seus olhos encontrando os meus por um instante. É como se ele estivesse tentando ler os meus pensamento
Ele me encara por um instante, os seus olhos fixos nos meus com uma intensidade que quase me faz recuar. Sinto como se ele estivesse prestes a explodir, mas ao invés disso, ele desvia o olhar para o trânsito, deixando-me sozinha com os meus pensamentos.— Você gosta dele. — As palavras saem de repente, carregadas de um desafio que me pega de surpresa.Meu coração dispara, e eu viro-me para encará-lo. Ele sabe o que está fazendo, sabe exatamente como me desestabilizar.— Eu já disse que não gosto dele! — Minha voz sobe, carregada de uma raiva que esconde a minha própria confusão. É como se, ao dizer isso, eu estivesse tentando me convencer tanto quanto a ele.Ele não parece convencido. O seu olhar é sério, quase implacável, como se estivesse esperando que eu finalmente confessasse algo.— Confesse. — Ele insiste, sua voz firme, mas carregada de algo mais, algo que não consigo identificar.Respiro fundo, balançando a cabeça, recusando-me a ceder.— Não, não gosto. Mas se eu gostasse, é
Eu engulo em seco, sem saber se o calor no meu rosto é devido à proximidade ou pela tensão da situação. Olho para suas costas largas e sinto uma onda de prazer involuntária se espalhando pelo meu corpo. Tento focar nos olhos dele, aqueles olhos verdes que têm o poder de me hipnotizar. Ele me observa com um olhar atento, quase como se estivesse me desnudando com os olhos.— Meu Uno está com problemas no freio de mão. Em descidas, preciso engatá-lo e girar a roda para a guia. Só assim ele não desce rua abaixo. Posso deixá-lo aqui para você dar uma olhada? — Eu falo rapidamente, tentando manter a calma, mas a verdade é que quero sair correndo e não consigo.Ele não diz nada imediatamente, mas seu olhar se fixa ainda mais nos meus, e parece que o tempo para. Eu me vejo refletida nele, e tudo em mim diz para ficar, para não me afastar. Ele quebra finalmente o silêncio, seu tom agora mais suave, mas carregado de uma confiança indiscutível.— Claro. — Ele responde, quase como se estivesse se