A estranha perfeita

Dias depois...

Espera aí,  o que..o que você está fazendo na minha casa??-Jordan se depara com sua secretária de pijama, bem na sua cozinha.

—Desculpe senhor Jordan, não lhe vi entrar!!- Tereza quase derrama a papinha que preparava.— Éh...é que a babá se demitiu ontem cedo; sua mãe ficou com a Beatrice até eu chegar.-Maria Tereza enrola os longos cachos negros em suas mãos fazendo um coque, ela está nervosa.

—Continue, Tereza!

 —É que sua irmã me ligou  pedindo para vir até o senhor voltar de viagem..

—E desde quando você obedece a tonta da Fabíola? Devia ter me comunicado.- Jordan pega uma xícara no armário, servindo-se de café.

—É que ela ...ah, senhor Jordan;  sua irmã me disse que lhe avisaria. Me perdoe!- Ouve-se um choro vindo do quarto, a babá eletrônica é acionada.—É sua filha, vou vê-la.

Tereza sai correndo levando consigo uma tijela com a papinha para Beatrice. Jordan continua na cozinha tomando seu café, ele ri ao lembrar do estampado na pijama cheio de abelhinhas.

—Ao menos ela sabe fazer um café espetacular!- ele fala enquanto segue para o quarto observando da entrada sem que ela perceba.

—Prontinho Trice, a tia já trouxe seu café da manhã.

—Papai está aí, tia.

—Sim, ele acabou de chegar, está na cozinha.

—Nãao, ele está bem alí.-

—Onde, eu não o vejo?- Jordan está do lado de fora; a menina percebeu sua presença.- Ele decide retornar à cozinha aguardando a secretária..

—Tereza, não é correto confundir a cabeça da Beatrice deixando-a chamar de tia.

—Sim senhor, não permitirei que me chame mais, foi um descuido.- Tereza volta ao quarto.

—Espere! -ela vira-se lentamente mas não o encara.

—Está com raiva?

—De modo algum!

—Então por que não olha nos olhos? Não gosto de falar quando alguém me ignora. -Tereza o encara de modo a deixá-lo sem graça.

—Também não precisa me olhar assim. Sei o que está pensando sobre mim. Que sou um monstro, um inquisidor, um pai inadequado...

—Senhor Jordan, -ela se aproxima. —Eu não estou pensando nada. Só quero ajudar. Posso voltar ao quarto?-Ele não sabe o motivo, mas ela o incomoda.

—Pode, já devia está lá. Nunca a deixe sozinha.

—Ela voltou a dormir. Com licença!

Jordan liga imediatamente para Fabíola, ela estava se preparando para sua viagem. Ele descarrega nela todos seus dragões enquanto sua irmã do outro lado da linha fecha sua mala dizendo apenas poucas palavras:

—Jordan, você vai sobreviver! Tchau meu irmão, estou atrasada para meu vôo.

—Fabíola... FABÍOLA!! Não acredito! Ela desligou o celular. – Jordan olha em direção ao quarto da filha—O que farei se essa garota for embora? Estarei ferrado!

[...]

Algumas horas depois....

—Com licença , eu já posso ir?

—Para onde?

—Para casa.

—Mas você precisa mesmo ir? Quer dizer... não veio para me auxiliar com a Beatrice até segunda?

—Não senhor, na verdade, eu vim em caráter emergencial.

—Mas... não sabe que estou sem babá? Como vou me virar sozinho? Eu tenho relatórios para estudar, não sei trocar fraldas, muito menos brincar com ela.-Jordan está mesmo enrascado.

—É.. que..eu... bem, não gosto de misturar as coisas no trabalho.

—Tipo o quê??

—Ser babá e secretária do meu chefe.

—Mas não é minha babá, digo; não é babá da Beatrice também. Só preciso de ajuda nesse fim de semana. Estamos entendidos?

—Tudo bem senhor; farei isso por ela. Mas procure uma agência de babás urgente, sua filha vai precisar.

—Então,busque você mesma alguém, eu não saberia fazer isso.

—Mas eu...

—Por favor Maria Tereza, eu não quero nem mais nem menos. - Ele a olha seriamente movendo o maxilar.

Tereza vai até o quarto, a menina brinca sozinha; não passa  de uma criança órfã precisando de alguém que se preocupe com ela. Por outro lado, seu chefe arrogante está querendo usá-la em proveito pessoal.

Beatrice é uma criança esperta, mesmo só tendo dois anos, seu intelecto é avançado para sua idade. Ela só precisa de alguém que a incentive, que lhe dê atenção e confiança.

Durante a noite, Jordan sai finalmente do seu quarto, Tereza é surpreendida com um convite para saírem pra jantar. Ela corre ao quarto para vestir Beatrice e se arrumar.

—EI, SE APRESSE MARIA TEREZA, NÓS NÃO VAMOS A UM BAILE! -Jordan grita da sala.

Para sua surpresa, Tereza aparece vestida num tubinho preto discreto acentuando suas curvas nada generosas. Seus cabelos estão soltos e sua pele  bronzeada a deixa naturalmente bela. Jordan fica admirado ao vê-la segurando as mãos da pequena Beatrice que  está parecendo uma princesinha com seu vestido rosa e suas lindas chiquinhas; a menina está  comportada; o que é inédito.

— Papai, a Trice está linda!- a garotinha está girando enquanto segura na saia do vestido. – Jordan a corrige.

—Não se fala : a Trice está linda, e sim: Eu estou linda papai!- Beatrice tem uma capacidade para o aprendizado impressionante.

—Está bem papai. Eu estou linda. O papai está lindo, a Terê está linda!

—Terê?-Jordan franze o cenho. —Por que vocês gostam de usar diminutivos em seus nomes ? Acho tão deselegante!

—O senhor nunca teve apelidos?

—Mas é lógico que não! Essa idéia de chama-la de Trice, é coisa da Fabíola. Eu não gosto!

—Papai, vamos logo, Trice quer comer.

—Já disse como se deve falar. Repita:

—Papai, eu quero jantar. Esse é o modo correto mocinha.

—Ela só tem dois anos Sr. Jordan.

—É de pequena que se instrui. Não admito minha filha falando como uma ignorante. – Tereza se cala, ela entendeu o recado do chefe.

O jantar foi silencioso, a não ser pelo barulho da batata frita sendo triturada pela pequena Trice. Jordan não tirava os olhos do celular, era como se não houvesse mais ninguém alí. Tereza o observava; como seria difícil para uma menina crescer sem uma estrutura familiar adequada.

Após o jantar eles chegaram ao apt., Beatrice dormia nos braços da Tereza que à abraçava de modo acalentador no elevador; Jordan presta atenção no modo cuidadoso que carregava a menina. Por alguns segundos se lembrou da Clarice, de como seria lindo tê-la alí agora bem à sua frente; mas o que lhe restará era uma desconhecida se fazendo de babá para segurar o emprego de secretária. No seu íntimo pensou: “é apenas mais uma oportunista querendo passar uma imagem do que não é. Logo vai mostrar suas garras e eu a demitirei como as outras. “

A porta do elevador se abre. A pequena Beatrice acorda, olha para o rosto da Tereza e abre um sorriso largo de satisfação como se nunca mais a perderia de vista, e volta a dormir. Tereza sente no seu íntimo a mesma sensação, não a queria perder, como há dois anos precisou tomar uma decisão dolorosa, porém justa em outra situação. Mas desta vez, aquela menina arco íris era uma ponte para ela passar por sua dor com menos sofrimento.

[...]

—Maria Tereza,  a Beatrice continua dormindo?- Jordan está sentado na cozinha.

—Sim, eu a coloquei na cama e contei uma rápida história ou ela estaria prestes a sair pulando pela casa inteira.-ela sorri; ele nota as lindas covinhas na face e um sorriso encantador..

—Que bom. Ela parece se dar bem com você. -Ele ainda não consegui tirar os olhos daqueles lábios. —Posso lhe pedir um favor?

—Sim, claro !

—Faria um café para nós dois? Gostaria de saber mais sobre você.- Tereza consente pondo água na cafeteira.

—O que gostaria de saber, além das minhas aptidões como secretária?

—Bem, normalmente não saio investigando a vida de funcionários. O RH sabe bem que não tolero mentiras, favorecimentos; ma como você está dentro da minha casa, vindo através de minha irmã, gostaria de entender como ela tornou essa atitude.- Tereza responde enquanto prepara o café para servi-lo.

—Senhor Jordan, eu venho de uma família pobre no México, mas precisamente chihuahua. Sou jovem, mas estudei desde cedo para chegar aonde estou.

—Eu vi seu currículo pessoalmente. Mas não acreditei muito.-ele pega de suas mãos a xícara fumegante de café, o cheiro invade o ambiente.

—Sim, eu me esforcei muito para valorizar o que meu pai me proporcionou, sendo ele um trabalhador honesto. Minha mãe morreu quando eu tinha quatorze anos. Não sobrou muito tempo para curtir minha adolescência porque ela deixou mais três irmãos.

—Jura? Você tem mais três irmãos?

—Sim, um casal de gêmeos e uma menina menor. Todos ainda são adolescentes. Mas estão amparados com papai e duas tias. Eu sempre os ajudei, mesmo estando distante, agora trabalhando com o senhor as coisas vão melhorar pelo salário.

Jordan a olha com ternura. Nunca havia visto alguém tão sincera e ao mesmo tempo bonita.

—Então você está aqui nos EUA lutando para sustentar seus irmãos...!

—Não exatamente. Eu estou aqui porque tenho uma vida a construir, mas minha família também faz parte do processo.

—Hum, então deseja construir família, se casar, ter filhos.

—Pode parecer estranho senhor, mas eu já fui mãe.

—Mãe?? Mas ...onde está seu filho ou filha?!

—Bem, é um assunto que na verdade não devo comentar, pois não sou tutora verdadeira da criança. Ela nunca viverá comigo.

—Eu não entendo...mas se não pode falar ... tudo bem. Desde quando não afete seu profissionalismo...

—Não se preocupe. Só mencionei porque não gosto de mentiras.

—Faz um café excelente! Deveria abrir uma cafeteria.

—Não está nos meus planos abrir uma cafeteria. Quero ser como o senhor. Para isso me preparei.

—Além de sincera sabe o que quer. É um ponto favorável!

—Devemos saber o que queremos senhor, ou a vida não passará de um ônibus sem parada certa.

Jordan olha para o fundo da xícara vazia. Ele a olha por alguns segundos, o que há nesta jovem que o faz se preocupar com detalhes antes tão corriqueiros?! Tereza o encara como se esperasse mais alguma pergunta. Ele agradece o café e desejar-lhe boa noite. Tereza debruça sobre a mesa inspirando ao ver sua imagem sumir de seus olhos.

—Boa noite Sr. Jordan!

...

 

 

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