— Há quanto tempo ele está assim mamãe?- Pergunta Fabíola.

—Sei lá, acho que desde que chegou do crematório.

—E você não faz nada? Sequer pergunta se ele quer algo... acho que não comeu nada hoje!

—Eu não. Vai você que já está acostumada com as manias do seu irmão. Eu vou relaxar na banheira, esse dia parecia interminável!

—Ele acaba de perder a esposa, seja menos egoísta.

—Lembra quando seu pai morreu? – Eleonora fala irônica.— Ele ficou do mesmo jeito que está; depois de algumas horas já estava na academia como se nada tivesse acontecido.

—Ah mamãe, cada um tem seu modo de aliviar sua dor. Agora foi a esposa dele.

—Faz-me rir! Qual a diferença; ele não gosta de ninguém. Fique aí se quiser, vou para meu quarto.

Eleonora sai da sala ; Fabíola tenta uma conversa com seu irmão.

—Oi Jordan, como está se sentindo?- ele parece não escutar.—Jordan? Sou eu, - Ele vira-se arqueando uma sobrancelha.

—Qual é o seu problema Fabíola? Eu sei que é você.- Jordan balança a cabeça num gesto de reprovação.

—Poxa irmão, é que...

—Pensou que eu estava arquitetando alguma loucura?

—Não, claro que não! Mas é que você... não comeu nada!

—Eu estava justamente aqui pensando em sair pra comer. Tá afim de me acompanhar?-Ela se surpreende mas aceita o convite. —Quero sua opinião sobre uma idéia que tive, mas não quero a Eleonora se metendo nos meus planos.

—Tudo bem, mano. Prometo ficar calada.

Dois anos depois...

—Eu não sei aonde estava com a cabeça quando planejei essa loucura de ser pai solo! – Jordan esbraveja com sua irmã e assistente, na empresa.

—Veja bem, a Beatrice não é uma loucura. Ela é sua filha. A idéia da barriga de aluguel foi sua; podia ter esperado muito bem o seu luto passar e casar-se de novo.

— O problema nunca foi o tempo de luto Fabíola, eu fiz uma merda sem tamanho. Por acaso você já avaliou o tempo que perco me preocupando com babás? A cada dia entra uma nova para segurar uma menininha que mais se parece um furacão..

—Está reclamando demais. Beatrice é uma fofa, super inteligente. Assim como você era na infância.

—Como se não bastasse meus problemas, você vai para a Flórida. Estou perdido!!

—Deixe de manha Jordan; em dois dias a nova secretaria estará chegando. Você nem precisa tanto de mim assim, tudo vai ficar bem.

—De quem foi a idéia de contratar uma latina? Ela fala inglês fluente? Chega de arranjos Fabíola! Preciso de alguém que pense, fale, resolva por mim.

—Aí você já está querendo um robô . -risos, —Não se preocupe mano, a moça é trilíngue; super qualificada.

—Não quero problemas com a imigração, ela está clandestina?

—Nossa Jordan, está falando que nem o papai; a cada dia está intransigente.

—Me deixa, só não quero ter problemas.

Jordan vai até a janela ver o pôr do Sol lembrando-se de sua Clarice. Apesar da seu temperamento ríspido, somente ela conseguia dissolver seus problemas com um sorriso. Mas depois de sua morte, vítima de uma complicação na gestação, Jordan decidiu fazer sua última vontade antes de morrer: contratar uma barriga substituta para gerar um filho para ele.

A promessa foi cumprida , o sonho de ser pai foi realizado, porém, já não tinha o mesmo gosto sem sua esposa. A mãe postiça gerou Beatrice por nove meses sem a intervenção do Jordan; apenas sua irmã mantinha contato com uma agenciadora. Todos os trâmites foram realizados pela advogada, já que a mãe substituta vivia em Miami já algum tempo.

[...]

A nova secretária

—Com licença Sr. Jordan, sou sua nova secretária. Me chamo Maria Tereza.- Jordan está na janela perdido em seus pensamentos; após uma breve pausa, ele responde:

—Sem formalidades, já li seu currículo.

Jordan senta-se na sua cadeira ; olha a jovem rapidamente de cima a baixo arqueando uma sobrancelha, mas logo desvia seu olhar para o notebook dando suas orientações.

—Sente-se, Maria Tereza. Quero que preste bastante atenção: sou homem bastante ocupado, minha mente funciona a mil por hora; preciso de alguém com ouvidos bem atentos e olhos de águia. Posso me distrair as vezes, por isso fique ligada em tudo que lhe disser, porque não repetirei, estamos entendidos?

—Sim, senhor!

—Na terça viajo para Califórnia, ficarei por dois dias. Minha irmã está de viagem marcada para Flórida, espero que ela tenha lhe passado tudo.

—Srta, Fabíola já me orientou, inclusive me disse que tem uma filha.-Jordan olha fixamente aquele par de olhos azuis acinzentados para em seguida responder.

—Sim, tenho uma menina, de dois anos. Por acaso tem filhos também?

—Não senhor.

—Sorte sua.

—Desculpe, não entendi?

—Quero deixar claro, que já tenho bastante preocupação com milha filha, já com a prole da secretaria não suportaria..

—Senhor, crianças são... bençãos.

—Está me criticando?

—Não, imagina! Foi só uma observação.

De repente, Fabíola abre a porta da sala deixando Beatrice entrar desgovernada. A menina tropeça e cai, o choro é intenso. Tereza rapidamente a levanta acolhendo em seus braços. A menina chorosa logo fica acalentada e se acalma.

—Mas o que significa isso Fabíola?? Aqui não é creche, tão pouco um parquinho; que deu em você?

—Não precisa dramatizar Jordan, foi só um tombo sem maiores consequências. A babá da Trice não pôde vir hoje.

—Bando de inúteis! Pago caro para faltarem.- ele resmunga cuspindo fogo. — Enquanto a você, já pensou se eu estivesse em reunião?

—Mas não estava.-Ela toma Beatrice dos braços da secretária.— Vêm meu amor que a tia vai te levar para casa. - Fabíola sai aborrecida com a recepção nada calorosa do irmão.

—Ela é uma criança linda, o senhor tem sorte!

—Sim, é linda. Mas vamos ao que interessa.

Jordan corta o pensamento da secretaria como um relâmpago rasga o céu. Como um homem culto, rico e bonito pode ser tão rude com um ser iluminado como a pequena Beatrice; pegar aquela menina em seus braços foi a melhor coisa que lhe acontecera nos últimos dois anos. Ela era um sol em meio a escuridão. .

Maria Tereza volta para casa após seu expediente com a sensação que poderia vir a ser útil para aquela garotinha órfã, bastaria um pedido de seu pai e ela prontamente atenderia.