Rio de Janeiro, 1888
Eloise estava na cozinha da sua casa falando com Ignácia:
— Deixa um cesto pronto com alguns pães, biscoitos, que logo eu passo buscar.
Ignácia havia sido escrava na fazenda dos pais de Eloise, mas após a absolvição ela permaneceu na casa, juntamente com mais alguns recebendo um salário. Embora o salário fosse muito precário, ao menos ela ainda podia continuar residindo na casa dos senhores. Os outros escravos não tiveram a mesma sorte e agora encontravam-se sem teto e sem ter o que comer.
— Senhorita, se o seu pai descobre o que está fazendo, ele vai puni-la.
Eloise tentava ajudar os escravos que antes trabalhavam na fazenda de seu pai e embora Ignácia apreciava a atitude da moça, tinha muito medo por ela.
— Não se preocupe, ele não vai descobrir, está em seu escritório a horas trancado com outros fazendeiros.
Mesmo a contragosto, Ignácia deixou uma cesta pronta enquanto Eloise buscava um chapéu em seu quarto. Não era aconselhável moças de família e solteiras saírem à rua sem fazer uso de um.
Com um vestido apropriado para o dia, em tons mais escuros por ser outono e um decote alto, a jovem colocou seu chapéu, pegou o cesto e saiu pelos fundos da cozinha.
Eloise sabia onde os antigos trabalhadores estavam morando. Eles haviam construído algumas casas não muito longe dali, ainda na terra de seu pai, embora este tenha relutado muito em deixá-los ali, fazendo isso apenas para agradar a filha.
O dia estava muito bonito, o sol brilhava alto no céu e os pássaros cantavam alegremente. As folhas das árvores estavam caindo e a temperatura, apesar de um pouco fria, estava agradável.
Eloise adorava caminhar por aqueles campos, sempre que possível saia para fazer passeios, mas depois que havia ocorrido a abolição da escravidão, seu pai não permitia que ela saísse sem companhia, por medo de que alguém lhe fizesse algum mal, especialmente porque ele não pode manter todos os escravos como empregados e mesmo aqueles que ele manteve, não conseguia pagar um salário adequado. A verdade era que ele tivera muito prejuízo com a absolvição.
Ninguém pensou numa política de apoio ou inserção do escravo na sociedade após a libertação, então esses estavam largados à própria sorte, pois agora imigrantes eram utilizados em seus lugares nas fazendas, deixando-os à margem da sociedade, sofrendo preconceitos, sem ter como trabalhar ou se sustentar. Poucos fazendeiros mantiveram os negros como empregados assalariados.
Eloise sempre tivera apreço por cada um daqueles que um dia trabalharam para seu pai. Ele não tinha uma fazenda grande, então não eram muitos empregados, no entanto esses poucos agora precisavam de ajuda e sempre que podia, ela levava um cesto com comida e lhes dava aulas com o propósito de os preparar para as fábricas que estavam começando ganhar espaço ou para algum outro trabalho que lhes desse algum sustento.
Após caminhar cerca de uma hora, ela chegou à pequena aldeia, embora nem dava para se chamar de aldeia, pois ali viviam três famílias, totalizando umas 20 pessoas. Haviam três casas simples, feitas com barro, palhas e galhos, ficava próximo a um rio que fazia divisa com as terras do vizinho.
Assim que avistaram Eloise, as crianças vieram correndo recebê-la:
— Eloiseeee!!!!
Um deles, menino por volta dos cinco anos de idade se jogou nos braços dela, fazendo com que ela tivesse que deixar a cesta no chão para pegá-lo no colo:
— Olá meu querido, como tens passado?
O pequenino enlaçou seus braços em volta do pescoço da jovem e aninhou sua cabeça:
— Saudade.
Ele ainda não sabia pronunciar bem frases completas, mas Eloise o estava ajudando nisso. Ela caminhou com ele no colo até uma árvore de carvalho enorme, ali embaixo daquela sombra eles haviam improvisado um banco, onde ela sentou com ele. As demais crianças vieram logo atrás carregando o cesto.
As famílias que ali estavam eram muito gratas a Eloise por ajudá-los e especialmente por dar aulas aos mais novos. Claro que isso seu pai não sabia.
Após um dos meninos levar o cesto para sua mãe, que fazia a divisão, ele veio com algumas folhas e lápis, que distribuiu aos outros para começarem a lição do dia. Eloise deixou o pequeno Kwame no banco e começou seus ensinamentos, naquele dia estava ensinando matemática.
— Se eu der cinco pães para Kwame e ele comer dois, com quantos pães ele ficará?
Algumas crianças pensavam, enquanto outras já davam a resposta. E assim foi transcorrendo a tarde.
Eloise não podia ficar muito tempo fora para não levantar suspeitas, então após uma hora no máximo de aula e um lanche, ela ia embora. No entanto, aquele dia se atrasou um pouco.
Um dos meninos após terminar a aula, foi até a beira do rio buscar água para eles tomarem. Toda semana um dos meninos mais velhos tinha essa missão e hoje era a vez de Erasto de dez anos. No entanto, alguma coisa aconteceu e ele caiu na água.
Eloise já estava se despedindo quando ouviu as crianças gritando. Os homens não estavam em casa, pois saiam em busca de trabalho ou faziam bicos, algumas mulheres correram, mas não sabiam nadar. Sem pensar duas vezes, Eloise começou tirou as saias e o vestido, ficando apenas com roupa de baixo para facilitar se mover na água, então correu mais a frente e se atirou na água, seu pai a havia ensinado nadar ainda quando pequena, naquele mesmo rio.
A correnteza estava forte naquele dia, mas ela não se deu por vencida. Erasto se mantinha submerso e não demorou ela conseguiu alcançá-lo. Assim que ela avistou um galho mais a frente, se segurou nele, colocando Erasto em cima, então gritou para que as mulheres buscassem ajuda.
Um cavalheiro que estava passando no outro lado do rio viu a cena e se prontificou ajudá-los. Após descer do seu cavalo, tirar suas botas, meias e casaco, ele se jogou na água.
Quando ele se aproximou, fitou Eloise em suas roupas de baixo, nunca havia visto uma dama que fosse capaz de se jogar na água fria em tais condições para salvar uma criança filha de ex escravos.
— Senhorita permita-me?
Ela o encarou, seus olhos eram negros, como seu cabelo que caia no rosto e sua boca era carnuda e muito bonita, deixando Eloise completamente sem jeito.
— Por favor Senhor, leve Erasto primeiro, eu sei nadar.
O cavalheiro retirou Erasto do galho e o conduziu até a beira do rio onde sua mãe o aguardava, então voltou para buscar a jovem que já havia soltado o galho e com dificuldade tentava retornar a margem.
— Deixe-me ajudá-la!
Mesmo relutante, Eloise aceitou a ajuda do homem e se deixou conduzir até a margem. A verdade é que ela estava com muito frio e sem forças de lutar contra a maré.
Assim que chegaram a margem do rio, Eloise correu para pegar suas roupas. Dandara, uma jovem da aldeia, vinha de encontro a ela para ajudá-la se vestir.— A senhorita deveria se secar primeiro, permita que eu traga um pano?Mas Eloise estava com muita pressa, não queria ficar exposta daquele jeito e também precisava correr para casa:— Não será necessário, eu preciso mesmo me apressarSeus cabelos que antes estavam presos no alto da cabeça em um coque, agora despencavam pelas costas. Ela os arrumou e prendeu com os grampos que restavam, colocando o chapéu para disfarçar um pouco.O homem estava de pé a encarando e tão logo ela terminou de se vestir ele se aproximou:— A senhorita está bem?Eloise se virou e o encarou e fez uma leve reverência:— Eu peço desculpas senhor pelo inconveniente e agradeço po
Assim que chegou em casa, Eloise entrou pela porta dos fundos novamente e pediu a Ignácia que preparasse um banho quente para ela e correu para seu quarto antes que alguém pudesse vê-la. Assim que chegou em seu quarto começou se despir, primeiramente retirando o chapéu e os grampos do cabelo os deixando em frente a uma penteadeira.O quarto dela continha um guarda-roupas de madeira, uma cama de madeira com lençóis brancos de linho que estavam bem espichados. Continham também duas janelas com vista para o horizonte, que estavam cobertas com cortinas num tom creme, um baú que ficava aos pés da cama, além da penteadeira e uma cadeira.Não demorou e Ignácia, com ajuda de outra empregada apareceram com uma banheira móvel a colocando no quarto. Em seguida trouxeram toalhas e água quente.— A senhorita precisa de ajuda?— Obrigada Ignácia, m
Eloise e sua mãe caminharam até a sala de visitas, onde se encontravam os homens bebendo e conversando. Assim que elas chegaram, todos se levantaram e fizeram uma leve reverência. Carmélia caminhou até seu marido, ficando ao lado dele. O senhor Queiroz então falou:— Vamos a sala de jantar, que logo será servido.Estevam se aproximou de Eloise e ofereceu seu braço, o qual ela aceitou.— Permita-me dizer que a senhorita está muito bonita essa noite.Ela deu uma breve olhada para ele ao responder:— Obrigada senhor Barros.Ele sorriu para ela. Não um sorriso genuíno, mas algo malicioso e acrescentou:— Já que vou cortejar a senhorita, acredito que possamos nos tratar pelo primeiro nome.Eloise se sentiu frustrada, mas não cedeu:— Por hora prefiro continuar lhe chamando formalmente.— Como a
Arthur chegou em casa e foi direto procurar o pai na biblioteca. Estava curioso para saber sobre as terras do outro lado do rio, mais especificamente sobre a moça que havia conhecido.Fazia pouco mais de uma semana que ele havia retornado da Europa, onde havia ido estudar. Ainda não tinha frequentado nenhum baile e nem conhecido nenhuma dama no seu retorno. Mas não se enganem ao pensarem que ele era casto, pois aproveitou muito sua estadia na Europa, se divertindo com amigos.O fato era que conhecer Eloise mexeu com ele e nem o próprio sabia explicar porquê. Queria saber mais sobre ela, conversar, a conhecer melhor, saber sua comida e sua cor preferida, céus o que estava acontecendo com ele?A família de Arthur era muito rica, seu pai era um renomado fazendeiro de café. Após a libertação dos escravos, eles conseguiram manter todos que desejassem trabalhando para eles recebendo um sal&aac
Arthur deu um sorriso quando reconheceu a moça que havia acabado de salvar e não pôde deixar de implicar com ela:— Não sabia que já estávamos nos tratando pelos primeiros nomes!Ela rapidamente se levantou, ajeitando seu vestido.— Eu peço desculpas senhor Fonseca, me precipitei devido ao susto.Arthur a ficou encarando, ele havia gostado muito de ouvir ela lhe chamando pelo primeiro nome e imaginou como seria na intimidade. Aquele pensamento o deixou um pouco transtornado, mas ele conseguiu disfarçar.— Temos que parar de nos encontrarmos assim, se não vou achar que gosta de estar em meus braços.Eloise corou. Nenhum homem jamais havia falado daquela forma com ela. Um calor começou a invadir todo seu corpo ao imaginar-se nos braços dele. Então ela espantou aqueles pensamentos, afinal não eram adequados.— O senhor
Os dias passaram rapidamente e já era sábado. Eloise se arrumou para o baile com a ajuda de Firmina. O vestido havia ficado impecável e o cabelo foi trançado e preso no alto da cabeça com mechas que caiam em formato de cascata.— A senhorita está muito bonita.— Obrigada Firmina.Seus pais já estavam prontos e logo os três saíram na carruagem da família rumo ao baile. Eloise estava ansiosa, pois sabia que ia encontrar Arthur e tinha prometido uma dança a ele.Assim que chegaram a casa dos Barbosa, o cocheiro parou em frente a entrada da casa. Álvaro desceu e ajudou a esposa e a filha a descerem. Então se dirigiram ao hall de entrada, enquanto o cocheiro estacionava a carruagem junto às demais.O local já estava cheio, com diversas famílias aristocráticas da região. Os músicos tocavam uma melodia suave e tod
Após o episódio na biblioteca, Eloise e Arthur se separaram, indo cada um para um lado. Ele logo foi abordado por algumas mães e foi dançar com uma moça.Enquanto caminhava de volta ao salão, Eloise pensava no que acabara de acontecer. Não era o certo, mas ela havia gostado mesmo assim. Agora precisaria conversar com os pais a respeito. Tão logo sua mãe a avistou, seguiu em sua direção.— Querida onde estava? Seu noivo estava te procurando.Sem entender sobre o que a mãe estava falando, ela o olhou surpresa.— Noivo?A mãe a fitou com um olhar de incredulidade por ela não lembrar.— O senhor Barros, meu amor!— Ainda não somos noivos!!!!Eloise precisava resolver aquela situação o quanto antes. Mas antes de fazer menção a qualquer coisa para sua mãe, Estevam se aprox
No domingo de manhã Arthur levantou cedo, lavou seu rosto, se vestiu e foi para a sala tomar café com os pais. Ele sempre teve o hábito de levantar cedo e já começar organizar o dia para trabalhar. Enquanto esteve fora, estudou arquitetura, depois que voltou começou fazer algumas melhorias na fazenda, especialmente no alojamento dos empregados, deixando-os mais confortáveis e habitáveis.Naquela manhã ia com o pai inspecionar a serralheria da família. O ano passado começaram investir em madeira, tirando proveito do bosque que tinham na propriedade. Contrataram um homem que entendia tudo sobre as melhores espécies de árvores a serem plantadas, para criarem uma mata própria, enquanto isso, tiravam a madeira que já tinham.Quando chegou à sala, os pais já estavam sentados à mesa desfrutando do desjejum. A mãe de Arthur, Isabel era uma mulher