05

– Olha Sam, ficar aí roendo a unha não é realmente me ajudar. - Disse-me Noel com sua voz abafada através de sua máscara cirúrgica, ele estava preparando um novo lote de metanfetamina. E eu tinha me voluntariado a ajuda-lo, embora eu nunca tenha realmente feito isso antes. Mas disse a ele que queria aprender. Na verdade, eu não dava a mínima pra isso.

Por mim eu continuaria apenas vendendo e daria a parte de Noel, mas uma semana inteira havia se passado e eu só conseguia pensar em Charlie e ver Yuri super feliz a cada palavra que trocava com ela. Eu realmente precisava ocupar a minha mente.

– Noel, eu estou deprimida. - Disse, jogada na poltrona do canto do laboratório de Noel que ficava em um galpão perto do cais. Ele estava de costas pra mim, muito ocupado com o pó sobre uma mesa branca.

– Então, será que você pode ficar deprimida enquanto me ajuda com isso? - Perguntou ele, ainda sem olhar pra mim. Suspirei, deslizando a mão por meus cabelos.

– Não, ficar sentada aqui é muito mais deprimente.

Noel suspirou e se virou pra mim, baixou sua máscara e coçou a cabeça rapidamente, deixando seus cabelos ruivos uma desordem espetada.

– É a garota nova, não é?

– Não.

– Então é Yuri? - Fiquei em silêncio, até porque sim, era Yuri. Ela estava se metendo onde não devia, ela estava estragando tudo.

– Olha, ela está realmente diferente, eu sei. Vocês estavam sempre juntas e agora ela fica 22hrs por dia com essa menina. Deve ser.. - Eu gostava de Noel, ele era um cara legal, tirando as drogas ilícitas. Ele era um bom amigo.

Mas agora ele estava fazendo suposições erradas.

– Não. Não é isso, sério Noel. Não é isso. Eu não estou com ciúmes de Yuri.- Ele cruzou os braços a frente do peito e se recostou na mesa.

– Então o que é?

– Eu não sei, eu só não me sinto bem.

– Devia falar com Yuri.

Isso era sério, tão sério que me assustava. Eu não falava com Charlie há uma semana, mas eu sabia que Yuri e ela mantinham contado. Não que eu perguntasse, Yuri também não comentava, era como se fosse um assunto constrangedor para nós duas. Mas eu sabia, afinal Yuri não podia esconder o sorriso idiota que aparecia em seu rosto todas as vezes que ligava pra Charlie.

O pior de tudo isso era o fato de Yuri estar apaixonada.

Eu ela nos afastávamos cada vez mais e eu já tinha perdido minha melhor amiga uma vez, eu não podia perder outra. Não e eu também tinha de me convencer que Charlie não significava nada. E não significava. Eu tinha que ficar longe dela.

– Eu vou ligar pra ela. - Eu disse pegando meu celular.

– Nenhuma chance de você me ajudar com isso, não é? - Sorri e neguei com a cabeça, ele revirou os olhos e repôs sua máscara voltando ao trabalho.

Disquei o número de Yuri e ela atendeu no segundo toque. Comecei a andar pela sala assim que comecei a falar.

– Hey Sam, - Cumprimentou-me ela do outro lado da linha. Sorri, Yuri e eu meio que tínhamos nos afastado ao longo da semana, e percebi que senti falta da minha amiga.

– Onde você está?

– Na rua.. - Respondeu ela depois de um momento de silencio, dando-me a impressão de ela estar mentindo. E eu só sabia de um motivo para que ela precisasse mentir pra mim. Ela estava com Charlie.

– Sei, eu ía te chamar pra sair, mas, esquece. - Eu disse já mal-humorada.

– Não, Sam, nós podemos sair. - Ela disse rapidamente, e eu fiquei quieta, esperando que continuasse.

– Onde quer ir?

– Talvez ao Single. - Eu respondi e ouvi ela suspirar, parecia pensativa.

– Hum.. Eu não sei,

– Algum problema com o lugar?

– Vai estar um inferno essa noite.

A quem ela queria enganar? A Single sempre foi o boate preferida dela, justamente por ser um inferninho lotado de pessoas. Meu Deus, o que estava havendo com Yuri?

– Então..

– Nós podemos tomar um café. - Sugeriu ela. Era oficial, eu estava pasma, porque agora eu sabia que já tinha visto de tudo.

– Claro, as oito, no Coffe Break? - Perguntei como se nada do que ela tivesse me dito, tenha me afetado.

– Estarei lá. - Respondeu ela, e eu desliguei. Virando-me pra Noel novamente.

Ele me olhava como se estivesse tão pasmo quanto eu, é claro que pra ele a conversa tinha sido unilateral, mas ele com certeza tinha entendido o contexto.

– Dá pra acreditar?

– É a situação está complicada. - Noel riu, voltando sua atenção novamente para seu trabalho. Talvez não fosse Yuri, talvez fosse Charlie, talvez fosse ela que estava estragando Yuri.

– É, eu quero aprender isso Noel.

[..]

Yuri estava dez minutos atrasada. Isso era como uma hora pra mim. Eu realmente odiava esperar. E Yuri sabia disso, o que me levava a pensar que ela fazia isso de propósito. Ou talvez não. Eu a vi pela vidraça da cafeteria.

– Desculpe o atraso. - Disse ela sentando-se na mesa de frente para mim.

Ok, isso ficava cada vez mais estranho. Yuri se desculpando? Ela nunca se desculpava, nem mesmo quando estava errada.

– O que?

– Nada. - Corrigiu-se ela.

– Estava com a Charlie?

– Não.

– Não minta pra mim, Yuri.

– Tá, eu estava, qual o problema? - Bufei ao ouvir sua 'confissão'.

– O que me incomoda é o fato de você precisar mentir pra mim.

– Eu não preciso mentir pra você.

– Então porque está mentindo?

– Eu não estou.

Respirei fundo, tentando não me irritar com Yuri, ela era mais velha que eu, mas mentia pra mim como uma criança que tinha acabado de ser pega fazendo besteira. Pedi um café com creme pra mim e Yuri pediu um cappuccino para si.

Ficamos em silêncio até nossos pedidos chegarem.

– Olha, eu gosto dela, tá? - Yuri disse enquanto eu dava meu primeiro gole em meu café, ela usava um tom diferente, um tom de desculpas.

– De Charlie? Você a conhece há uma semana! - Exaltei-me repousando minha xícara de café sobre a mesa.

– Olha, não é como se eu pudesse controlar isso. - Disse ela baixando o tom de sua voz, aproximando seu rosto do meu para que eu pudesse ouvi-la. Havia um brilho diferente em seus olhos.

– Ainda não foi pra cama com ela, não é? - Yuri revirou os olhos e voltou a se sentar reta.

– Pelo amor de Deus, Sam! Isso não tem absolutamente nada a ver.

Eu sabia que não, Yuri ía pra cama com as garotas no primeiro encontro, se a única coisa que ela quisesse era sexo, ela já teria desistido de Charllotte. Isso me preocupava.

– Porque você está agindo assim? - Perguntou-me ela quando fiquei quieta.

– Assim como?

– Como uma criança enciumada.

– Eu não estou com ciúmes!

– Sim, você está, eu só não sei se é de mim ou se é de Charlie.

Fiquei em silêncio novamente e Yuri bufou, pegando algumas notas em sua carteira e as deixando sobre a mesa.

– Eu não deveria ter vindo, me ligue quando realmente quiser ser a Sam que eu conheço e amo novamente.

Ela saiu da cafeteria deixando-me sozinha e totalmente infeliz. Me levantei deixando o meu café inteiro sobre a mesa e fui pra casa.

Meu pai estava desmaiado no sofá, um jogo antigo de futebol passava na tv, suspirei desligando a tv e indo até o armário de bebidas do meu pai. Peguei a última garrafa de rum que tinha lá.

No meu quarto, eu via a casa de Charlie, algum tempo depois Yuri apareceu e senti meu coração pulsar mais forte. Eu daria tudo pra saber o que aconteceria lá dentro. Ou talvez não, talvez eu não quisesse saber o que aconteceria entre elas. Eu talvez nunca quisesse saber.

Sai pela minha janela que dava acesso ao telhado. Comecei a beber, meu olhar fixo na janela do quarto de Charlie, a cortina estava fechada, isso me impedia de ver o que acontecia por lá, mas eu não conseguia desviar o olhar.

Lá pela metade da garrafa, Yuri saiu. Ela nem pareceu notar a minha presença, apenas caminhava como se não existisse problemas em seu mundo. Do meu telhado para o chão era uma curta distância, mesmo assim eu já havia machucado meu joelho pulando dele. Isso me rendeu um verão inteiro na cama de Charlie durante nossa infância.

Saí de minha casa assim que vi Yuri virar a esquina, corri até a casa de Charlie e entrei por seu portão, tocando a campainha duas vezes seguidas. Meu coração estava acelerado. Eu não sabia o que tinha me impulsionado a isso, a bebida talvez.

Josh atendeu a porta.

– Sam! Não te vi essa semana...

– É, eu sei, eu estava atrás de um trabalho, posso falar com Charlie?

– Claro, ela está lá em cima. - Ele me respondeu, dando-me passagem para entrar em sua casa e foi o que fiz.

– Ainda se lembra onde é o quarto dela? - Ele perguntou quando passei por ele e concordei. Eu nunca havia esquecido da casa onde eu tinha passado 90% da minha infância. Subi as escadas com pressa e entrei em seu quarto.

Ela pareceu assustada ao me ver, estava deitada em sua cama, escrevendo em um caderno que fechou com pressa quando percebeu o meu olhar.

– Sammy, o que te traz aqui? - Perguntou ela se levantando e guardando seu caderno na gaveta de um criado-mudo que ficava ao lado de sua cama.

Charllotte era tão linda que me obriguei a memorizar cada traço de seu rosto. Ela era como um imã, um imã que agora eu estava perto demais e não conseguia resistir a sua atração natural, em um segundo eu estava na porta de seu quarto e no outro meu corpo estava a centímetros do seu. Ela olhava-me em dúvida, assim como no dia que lhe ofereci Ecstasy, era uma linda expressão para uma linda garota. Um olhar que me dava vontade de colocá-la no colo e sumir no mundo com aquela menina.

– Você andou bebendo? - Perguntou-me ela ainda naquele mesmo tom de dúvida, talvez tenha sentido me hálito.

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