Kleber, o gordo, simpático e calmo Kleber — um verdadeiro poço de tranquilidade —, estava ali, diante dele, segurando uma pistola.
Naquele momento os olhos do gordo brilhavam. Seria ódio? Ou apenas indiferença?
Viu o diabólico e mortífero cano da arma apontado na sua direção.
→ Mas… por quê? Por quê? → indagou, atônito, ainda sem sentir medo.
“Sou colega dele. Ele não vai ter coragem de atirar em mim. É calmo, é evangélico, é um homem de Deus. Provavelmente só quer me assustar, para proteger o amigo”, refletiu, esperançoso.
Precisava dizer alguma coisa, para convencê-lo a desistir da ideia:
Vinte minutos depois, precisamente às 22h32min, dois carros pararam diante da cancela de saída do condomínio: um Siena vermelho e um Uno verde-escuro. Ambos os vidros insulfilm levantados. O pastor Gutemberg chegou a baixar o vidro — rapidamente —, para cumprimentar, sorrindo, o porteiro. O porteiro também sorriu e acenou com a mão direita. Já o Uno manteve-se discreto, com os vidros erguidos. O sonolento e cansado porteiro não viu, portanto, os dois homens no Uno, um deles aparentemente dormindo no banco do lado. Viu apenas o vulto do motorista. Tudo bem, o porteiro refletiu, era apenas o amigo do pastor, saindo, após uma rápida visita. Mais um de seus inúmeros e esquisitos amigos.
Tudo deu certo. Havia deixado o carro do pastor no aeroporto, atrás de um depósito, pois sabia que ali não havia câmeras. Andou uns 400 metros. Pegou, enfim, um táxi e voltou para casa. Sua esposa estava dormindo — ou fingindo — assim como seus filhos. Havia informado a ela que iria para a reunião de pastores e que o pastor Júlio decidiu lhe dar carona, ida e volta. Deixara, portanto o carro na garagem. Se ela perguntasse, o pastor Júlio confirmaria a inusitada história. Mas ela, inteligentemente, não perguntou. Boa menina! Jogou os celulares no mar, na noite seguinte. Sumiram para sempre. Dois dias dep
O tempo foi passando e… nada. Os investigadores não avançaram, por mais que se esforçassem. O caso tornou-se um decrépito e infeliz beco sem saída. A frustração deles foi total! Um ano depois, o caso foi, enfim, parcialmente arquivado. Os policiais acharam que se tratou de assassinato seguido de suicídio e que o carro de Macto estaria em alguma ribanceira da região. Mas continuariam procurando, embora com menor intensidade. Ufa!... Na verdade, o Uno de Macto jamais foi encontrado, assim como os corpos dos dois. Kleber sorriu, satisfeito. Chegou a acreditar que os cadáveres seriam encontrados, mas aca
JODERYMA TORRES UM ESTRANHO DIÁLO
Era 16h45min. Macto, que estava sentado no estreito banco de madeira — pintado de branco neve —, levantou-se, visivelmente aflito, quando viu o que parecia ser o médico se aproximando. Ele conduzia um caderno médio, de espiral de arame, capa vermelha-escura, e uma caneta esferográfica de tinta azul, prontos para o uso. → Macto Krisser? → ele disse. → Eu mesmo. E aí, doutor? → perguntou, visivelmente nervoso → Como ela está? → Sente-se, por favor. Ambos sentaram. O largo corredor do imenso hospital estava vazio, naquele horário. Algo lúdico e perfeitamente normal, p
Duas horas depois, às 18h45min, Macto recebeu a trágica e surpreendente notícia, por meio de outro médico, no hospital mesmo. Tétrica notícia! Sua esposa acabara de falecer. Câncer de mama, aos 25 anos. Teve uma parada cardíaca fulminante, 20 minutos após a segunda cirurgia. Vera! Morta! Morta! Mas… como??? Não poderia acreditar e aceitar isso! Entrou em desespero, ao cair na real! Perdera precocemente sua amada companheira. Quatro anos apenas. Cinco, se contar o ano de namoro. Um amor intenso, que seria para a vid
Seus pais atrasaram a cerimônia do enterro em um dia, para que ele pudesse comparecer. Durante o enterro — inconformado e em estado de choque —, desmaiou de novo. As perniciosas e ignóbeis trevas o envolveram. A mãe de sua esposa também. Ambos foram levados ao hospital, onde lá permaneceram por quatro longas horas. Não viram, em consequência, o corpo descer para a cova. O choro contínuo — dos familiares e amigos — e a maquiavélica tristeza predominaram, naquela cerimônia deprimente e lamentável. Pegou um mês de dispensa do trabalho. Eles anteciparam suas férias, na verdade. Férias deploráveis, sem dúvida.
De manhã cedo — após o delicioso café expresso, que tomou na padaria da esquina, com três pães de queijo —, num sábado ensolarado, sozinho no apartamento (este localizado no quarto andar de um condomínio, na zona norte), tomou uma inusitada decisão. Ainda triste, mas já recuperado, decidiu dar uma olhada na única foto que tinha de Vera, a foto especial, que havia guardado numa das gavetas do guarda-roupa. Por orientação do doutor Fernando, todas as fotos de Vera — ou dos dois juntos — estavam na casa de seus pais. Deveriam permanecer lá por pelo menos três ou quatro anos, até que as ignóbeis feridas sarassem. Entregou todas as fotos… menos aquela. Era seu mirífico segredo.&nb