Capítulo 4

         Uma língua que eu gostaria de aprender a falar é a língua do trio fantástico. Eles parecem ser aliens a conversar porque eu não pego nada, mesmo depois de tantos anos a tentar ser a fofoqueira perfeita, sem efeito, eram tão eficazes a entenderem-se que nem davam espaço para eu descobrir umas coisas, que maus. 

            — A tentar entender o que eles estão a falar? — O Edward sussurou no meu ouvido e riu, sabia qual seria a minha resposta. 

         — É assim tão óbvio? 

         A noite de cinema foi planeada pela tia Monique, era a quinta sessão de quimioterapia do Edward e ela queria que ele não se sentisse doente, quase ordenou que fossêmos todos passar o dia na casa dela e ela mudou-se para a minha casa, só por esta noite. 

          — Não, eu sei que tentas entender o que eles falam... — o meu lábio direito cobriu o esquerdo e cruzei os braços, eu só queria saber sobre o que é que eles falavam ao invés de prestarem atenção ao filme que deveríamos estar a assistir. — Estão a falar sobre o filme, esquece isso de tentar entender o que eles falam, é armadilha. 

           Encostei mais o meu corpo no sofá e levantei as pernas para pegar nos joelhos, puxei o cobertor do Kaine para dividirmos. 

          — Sia...

         — Me deixa em paz — não  deixavam-me entender,  não precisavam falar comigo. 

              — Nem tudo que falamos precisas saber, para além de serem comentários porcos sobre mulheres e não vai ser  nada bom se ouvires, presta atenção ao filme e tira essa cara de fofoqueira decepcionada — tinha como não rir com aquilo? Tinha, mas eu não consegui conter-me. Apertou as minhas bochechas e deu uma bofetada leve na minha testa. 

         — Por quê? 

        — Porquê o quê?

         — Comentários porcos sobre mulheres? Qual é a graça disso? Para quê que fazem isso? — Tinha imensas perguntas para fazer, mas aquelas já eram suficientes. 

        — Siana Kayline Montroe, sem mais perguntas — fiquei calada com os braços cruzados e a xingar os três na minha mente.

        — Hora de dormir, o filme já acabou e quanto mais cedo começarmos a dormir mais preparados para o início das aulas estaremos.

  

        “ah” “ desmancha prazeres” “ só podia ser o Kaine” foram algumas das reclamações que eu ouvi antes de levantar do lugar em que estava  e seguir até ao quarto do Edward. 

        — Uma aposta.

         — O quê? — Estava tão distraída que nem prestei atenção quando o Edward aproximou-se do meu ouvido. 

— Aposto que o Kaine vai m****r-nos ir para o quarto da mamã — a mão foi posta a minha frente como se ele quisesse que eu juntasse a minha.

           — O que eu ganho com isso? — Uma aposta era uma aposta e o preço deveria ser justo para os dois lados. 

          — Hmm, deixa ver... 

          — Não demores para pensar — o empurrei pelo ombro e subimos a escada longa. 

         — Tempo de qualidade comigo e bônus — o ar convencido tomava conta de todo o corpo dele, como espasmos estranhos que o faziam sorrir e abanar a cabeça de um lado parra o outro enquanto os olhos estavam semicerrados e as mãos no casaco do pijama. — E se eu ganhar, quero que arranjes um namorado. 

         — Não, isso é golpe baixo!

        — Aceitas? — Quem não o conhece podia facilmente cair no sorriso incentivador dele, até os que o conheciam caiam. 

          — Ok, eu aceito, sei que vou  ganhar.

         — Veremos — abrimos a porta do quarto e sentamos na cama perfeitamente arrumada. 

         — Saiam daí,  eu vou dormir aí com o Nathan — foi a minha vez de ficar espantada, o Pierce nunca dormia na cama do Edward, reclamava das marcas de baba, ainda mais com o Nathan, que dormia como se o mundo fosse a cama dele, uma perna fora, corpo todo curvado, uma posição diferente da outra.  

           Alguns segundos depois o Kaine entrou com um ramo de árvore enorme, ele sempre usava aquele ramo para fazer-nos dormir, era um hábito, começava a ameaçar os que não quisessem dormir e depois voltava para o quarto dele. 

            — O Edward vai dormir no quarto da mamã e precisa de companhia — ele apontou para os dois e para o quarto, um alarme gritou na minha cabeça que estava ferrada. Um namorado era o que eu menos queria no momento.

           O caminho até ao quarto foi coberto pelas gargalhadas do Edward, que pararam por uma tosse ligeira. Abri a porta chateada, era quase um pacto nosso não quebrar nenhuma aposta, se a aposta foi feita é porque os dois lados se acham capazes de cumprir com o acordado. Não achava-me capaz, de maneira nenhuma. 

        — Eu quero ver Ghosting.

        — Para quê? É hora de dormir — afastei a colcha que estava por cima da cama e o ajudei a pôr os pés na cama, ele enfraquecia mais a cada dia que passava, não conseguia fazer nada sozinho. Nem mesmo respirar. 

         — É noite de cinema — ele sorria, mas o corpo mostrava outra coisa, ele não queria sorrir e nem estar ali a ver um filme. — E dá para rir um pouco. 

          Abanei a cabeça para deixar bem claro que ele era inacreditável, peguei o computador e pus o filme, segundo ele, o preferido do momento. 

        Estava ao lado dele e só conseguia pensar em como ele perdeu o ar jovem, em questão de segundos. Toda a sua jovialidade fugiu e o meu coração partiu junto, não conseguia olhar para ele e não sofrer com o estado em que estava. Tentava esconder o máximo possível para ele não perceber. 

        —  Para de olhar para mim assim, pareces uma maníaca que quer roubar o meu coração para vender no mercado negro — os dedos estalaram a frente da minha cara e tudo o que consegui fazer foi rir. —  Vai arranjar um namorado para olhares para ele assim, estás a precisar de um. 

        Ele gozava comigo com tanta vontade, que apenas o acompanhei, o passatempo preferido dele, eu nem  reclamava, vê-lo a rir fazia-me bem. 

       — Não quero namorar com ninguém.

       — No momento, essa é a tua frase de efeito, no momento — virou-se devagar para mim e pegou a minha cabeça com as duas mãos. — Não posso ser um impedimento na tua vida amorosa. 

           — Não és, eu só não quero, o que eu quero agora é  melhorar esse riso, pareces uma hiena engasgada — agora era eu ria dele, a cara de irritação que ele fez foi tão pouco convincente que ao invés de intimidar fez as gargalhadas saírem em disparada. 

          — Já viste uma hiena engasgada? Sequer estiveste próximo de uma hiena, o animal mais perigoso que estiveste próximo foi um rato — eu estava de boca aberta com aquele comentário, eu nunca tinha visto uma hiena, mas não era necessário me lembrar disso. — Já viste o quão bonito é o Brian? E ele é bem calmo, ouve as pessoas e com certeza seria o par perfeito para ti, e o Kaine conhece, qualquer coisa e pode partir a cabeça dele, tem o Arthur, o Pierce e o Nathan para te proteger. Ele seria o namorado perfeito.

           — Não existe namorado perfeito — todos tínhamos noção disso, do mesmo jeito que não existiam pessoas perfeitas, não existiam namorados perfeitos. 

          — Não era isso que dizias quando falavas dele — ergui a sobrancelha e ele fez o mesmo, e percebi de quem ele falava. Era um segredo nosso, evitava falar daquilo para os outros. 

           —  Ele também é bom para ser teu namorado e eu o conheço muito bem —  os dentes amarelos dele ficaram expostos e o nariz enrugado, a feição mais intuitiva que podia receber. 

         — Dá para calares essa boquinha e parar de tentar arranjar o namorado perfeito para mim? Isso só faz sentido em novelas — e na cabeça dele, sem sombra de dúvidas. —Namorado perfeito é só mais uma coisa que os românticos criaram para contrariar a falta de interesse que têm por outras pessoas. 

        A dúvida apareceu na cara dele, eu não sabia se eram pelas minhas palavras ou se ele estava a prestar atenção ao filme, algo improvável.

        — Não estarei aqui para sempre. 

        — Estás aqui agora — cruzei os braços e fechei os olhos, ele estava ali perto de de mim, não tinha o porquê lembrar o estado em que ele estava. — É o suficiente para mim. 

         — Tu precisas...

         — Eu preciso prestar atenção ao filme — interrompi para impedir que ele falasse alguma coisa relacionada com namorados.

          — Eu nunca irei melhorar e tu sabes disso...—  depois de longos minutos de silêncio ele voltou a falar, parou por alguns segundos e depois começou a falar novamente, a angústia na cara dele era visível. — ... eu irei morrer  e nós dois sabemos isso, olha só para mim, eu nem consigo levantar-me sozinho, ao invés de melhorar pioro a cada dia que passa, o meu cabelo caiu, sobraram apenas alguns fios solitários, que sendo honesto, não fazem diferença. 

         — Ainda estás aqui. 

         — Não quero que cries uma ilusão, eu quero que fiques bem quando eu for embora, quero ver-te sorrir e se para isso for necessário que arranjes em namorado, eu irei arranjar para ti — soltou uma risada fraca  e passou  a mão pela minha testa. — Vai ficar tudo bem, não faz mal perder-me. 

          —  Vamos parar de falar disso, eu não quero ouvir, deixa-me na  ilusão ou o que quer que seja — levantei a mão na direção do computador, sabia que ele veria. — E não fala mais de namorado ou que quer que esteja relacionado com não estares mais aqui,  senão não será o cancro a matar-te. 

        As minhas mãos estavam a coçar para dar uma bofetada na cabeça dele,  por uma questão de fragilidade, tentava de tudo para me controlar e impedir a minha mão de fazer aquilo. 

        — Vamos parar de fugir da realidade, Siana, eu tenho que dizer a verdade para ti, ninguém mais dirá, não quero ser uma dessas pessoas que mente para ti , a paz vem quando falo a verdade para ti — um beijo no nariz acalmava-me mais que breves carícias na cabeça. —  Agora vem cá — ele puxou-me para ficar mais perto dele somente para assistirmos o filme abraçados.

         —  Eu amo-te, resmungona.

        — Eu amo-te, burrinho — era um " eu  amo-te" repleto de sentimentos, ele era o meu irmão, meu companheiro de guerra, meu confidente e terapeuta nas horas vagas. Eu o amava tanto.

      —  A sério? Eu escolho um apelido super amoroso para ti e continuas nisso de burrinho — rimos juntos, mesmo que aquela conversa não tenha nada de divertido. O  sorriso no rosto dele retirava toda a seriedade daquela reclamação. 

       — Vamos ver o filme, ok? Nada de distrações e nem conversinhas sobre não melhorar ou namorados. 

        — Sim, chefe — pus a mão na testa e olhei para ele pelo canto do olho, travessura era tudo o que ele transmitia. 

       Nos abraçamos mais e ficamos distraídos a ver Ghosting no seu computador. Momentos como esses eram preciosos para mim, relíquias na minha vida. 

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