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Mel ou Fel? A Vingança

Aquela manhã foi um típico exemplo de que, quando dormimos, nos desligamos completamente de qualquer coisa. Nos desligamos do que somos, do que comemos e de quem comemos.

Melissa sentiu seu corpo desconfortável como se estivesse com a cabeça deitada em cima de um tijolo duro e malfeito. Ao abrir os olhos claros, fitou o teto branco da sala, rebaixado, com a luz acesa. Como diabos esquecera a bendita luz acesa na hora de dormir? Pelo menos as lâmpadas de LED não geram tanto impacto na conta de luz, como naquele dia em que deixara a geladeira aberta por acidente ao sair de casa: nunca antes tivera tanto impacto no valor de uma conta de luz. A geladeira também queimou e, além da conta cara, ainda por cima tivera que comprar uma geladeira nova. Afinal...

“Porque acordei na sala?” – pensou.

Foi quando Melissa sentiu um peso esquisito sobre suas pernas. Assustou-se, deu um giro e praticamente pulou no chão, cravando as unhas no carpete vinho como um gato arisco. Seu chefe estava dormindo em cima de dela.

“Meu chefe estava dormindo em cima de mim. Meu chefe estava dormindo em cima de mim!” – pensou, entrando em pânico.

O senhor Kernel era lindo dormindo. As sobrancelhas finalmente deixavam de estar firmes e audaciosas como de costume. O rosto bem desenhado parecia o de um anjo bondoso e os cabelos grisalhos desajeitados completavam a bela cena. Com os músculos do torso bem torneados e o corpo nu, o homem ficava cada vez mais interessante e atraente.

Melissa sacudiu a cabeça, como para livrar-se das lembranças da noite passada, que fora quente e com um toque mágica. Nunca havia dormido com um sujeito tão importante. Levantou-se silenciosamente, Kernel se movimentou, ainda dormindo, e resmungou alguma coisa ininteligível quando ela saiu de perto dele. Seguiu até seu quarto andando nas pontas dos pés com unhas bem-feitas e tomou seu banho na suíte, como de costume.

Ao entrar no chuveiro, colocou seus pés no chão frio de cerâmica e sentiu um arrepio cruzar-lhe o corpo. Era difícil explicar se o arrepio era causado pelo toque leve da sua pele quente no chão frio ou pelos rápidos flashes de memória que teve acerca do corpo do senhor Kernel por cima do dela durante a noite anterior. No banho, a loira não conseguiu acreditar no que tinha acontecido. Às vezes, um sorriso safado atravessava-lhe os lábios. Às vezes, punha-se a pensar em como fora louca.

Como ela pôde? Como ele pôde? Será que ele ia contar sobre ela para todas as outras mulheres dele ou seria só uma "noitezinha" básica? Ou não seria só uma noite? Iriam transar mais no escritório, como ele oferecera? Será que aconteceria de novo?

Ela não conseguia enganar a si mesma: queria transar com o senhor Kernel novamente. Muitas e muitas vezes. Afinal... quantas pessoas ficariam sabendo do que tinha acontecido? Eram muitas questões, muitos medos, muita aflição, muito tesão e muita insegurança. Tudo misturado. Naquele momento, Melissa era um poço de emoções.

"E se alguém do trabalho descobrir?” – pensou, olhando o relógio de parede do quarto. Estava atrasada. – “Preciso me arrumar rápido."

Apressando-se e sem lavar o cabelo, Melissa voltou para o quarto e colocou seu "uniforme" de secretária. Mel olhou para o próprio guarda-roupa e, de repente, reparou que ali dentro só havia aquelas roupas sem-graça, quase todas iguais, tudo preto no branco, exceto por uma cor púrpura num cabide discreto no cantinho do armário: o vestido que o senhor Kernel lhe dera de aniversário antecipado.

A loira ficou envergonhada, ainda não tivera a oportunidade de usar o vestido. Aliás, ela não tinha muitas atividades que exigiam muda de roupas. Não ia a festas, não praticava esportes, só ia do trabalho para casa e de casa para o trabalho. Nos finais de semana, assistia filmes sozinha, ficava navegando na internet ou cuidava da casa: não pagava faxineira. Considerava que isso causava prejuízos.

Desde que terminara o relacionamento com Patrick, Melissa não era convidada para nenhum evento social e quase não tinha amigos. Todos aqueles que ela considerava amigos, apenas achava que eram: na verdade, eram amigos dele. Só lhe restava Kate, que colocaria uma bomba no armário de Mel quando descobrisse que esta passou a noite com o namorado daquela.

"É tudo consentido...?" – pensou, duvidosamente, sobre o que ex-melhor amiga lhe falara na noite anterior. – “Será que ele tinha que ter contado sobre mim para ela com antecedência? Será que ele avisa a todas com antecedência ou conta só depois do ocorrido? ”

Melissa foi para a cozinha devagar, tentando não fazer barulho sobre o carpete, tarefa que era relativamente fácil. Tomou um café frio e escreveu um bilhete, deixando-o ao lado do rosto de seu chefe. Saiu de casa, passou uma chave extra por baixo da porta e pegou um táxi amarelo, seguindo para o trabalho.

Após indicar a direção ao taxista, seus pensamentos se voltaram imediatamente ao que havia acontecido naquela noite. O sexo nunca fora algo tão maravilhoso. Será que era tão gostoso assim porque era proibido? Ou era porque tinha acontecido justamente com o seu chefe? Ou porque fazia seis meses que ela não transava e estava com o tesão acumulado? Fato era: Melissa tinha muito em que pensar.

A secretária desceu do táxi no mesmo local de sempre, como de costume. A mente, trabalhando sem parar. Só faltava sair fumaça da cabeça dela, como nos desenhos animados quando os cérebros dos personagens fundiam. Era assim que ela se sentia: com a cabeça fundida. Entrou na cafeteria de sempre, comprou o café duplo com donuts de praxe, não se demorou e subiu no arranha-céu da empresa onde trabalhava em Manhattan.

Melissa estava fazendo tudo mecanicamente, pois se parasse para pensar em quem era o destinatário daquele café da manhã, iria desmaiar por uma súbita taquicardia. Parecia que seu coração estava mais acelerado do que de costume e suas pernas doíam... doíam de tanto que pulara em cima de Kernel!

Aquelas lembranças iam incomodando-a em sequência. Sua face corava enquanto apertava o botão do elevador para subir ao último andar do prédio. Agora, ela fazia parte do time das secretárias que transavam com o chefe. Ia receber presentes chiques no dia da secretária e folga no motel junto com o chefe. As coisas iam mudar.

Só de pensar que ele era um homem noivo, casado e namorado de duas mulheres ao mesmo tempo, Melissa ainda ficava tonta de nojo. Porém, mesmo assim, seus instintos foram mais fortes naquela noite e ela se entregou ao homem. Burra. Jogara pela janela todas as suas crenças e esqueceu-se momentaneamente de tudo o que sofrera nos últimos seis meses por causa da traição de seu ex. Aliás, aquela foi a única noite depois de muito tempo em que ela não pensou em Patrick nem por um segundo. Pelo menos não durante o sexo.

Melissa caminhou por entre os funcionários da empresa como de costume, usando sua roupa de sempre: uma saia longuete preta discreta e uma blusa branca com rendinhas discretas, carregando o café duplo recém comprado junto com os donuts. Entrou na sala do chefe e depositou sobre a escrivaninha limpa e despojada o café da manhã do homem que mandava ali, que neste exato momento estava nu, dormindo no sofá da sala de estar do apartamento dela.

Mel não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Um arrepio lhe percorreu o corpo quando olhou para a escrivaninha do senhor Kernel e imaginou aquele homem arrancando sua roupa ali mesmo e fazendo amor com ela em cima daquela mesa. Agora ela sabia o motivo pelo qual a mesa do senhor Kernel sempre estava organizada: ele precisava de espaço ali. Para trabalhar.

Estupefata com seus próprios pensamentos, voltou para a recepção, sentou-se em sua cadeira de secretária e ligou o computador.

Umas duas horas mais tarde, Kernel acordou no sofá de sua secretária, Melissa.

- Melissa? – perguntou, com a voz embriagada de sono.

Kernel nunca esquecia onde dormira e com quem dormira. Era bom em lembrar os nomes das mulheres que costumava se relacionar. Tinha boa memória. O chefe de Melissa olhou para os lados e depois deu uma volta pelo apartamento de sua secretária, só encontrando o recado no sofá, que estava bem debaixo do seu nariz, depois que viu onde suas calças estavam, jogadas num canto sobre o carpete vinho do chão da sala de estar. Pegou o bilhete e leu a mensagem.

"Bom dia, senhor Kernel. Eu tenho que chegar cedo no trabalho, pois meu chefe é muito exigente. Então tive que deixá-lo sozinho. Passei uma chave extra por baixo da porta para que tranque ao sair.

Abraços,

Melissa"

Kernel esfregou os olhos para ler novamente o bilhete, focando melhor o olhar. Ele riu do senso de humor de seu novo "rolo". Levantou-se. Pegou suas calças, que estavam bem longe de sua camisa e cueca. Melissa havia lançado elas para longe, cada uma para um lado, sorrindo largamente enquanto fazia isso. Parecia algum tipo de diversão para Mel.

O homem de negócios vestiu-se e pegou a blusa branca que Melissa usara no dia anterior, que descansava sobre o encosto do sofá. Cheirou seu doce perfume e sorriu. Repousou a blusa de volta no espaldar do sofá, olhou a pequena caixa das coisas de Patrick e pegou-a, para fazer a entrega. Verificou seu smartphone e respondeu várias mensagens, sentado no sofá de Melissa. Não demonstrou pressa nenhuma em ir embora. Sentia-se confortável ali. Leu a mensagem de sua esposa alemã, escrita na língua dele.

"Eveline says: Boa noite meu amor. Amanhã sairei com Klaus novamente. Ele é um bom rapaz e sempre paga as contas do jantar. Beijos!”

O homem sorriu levemente. Depois, respondeu:

“Kernel says: Bom dia, meu amor. Ontem finalmente consegui algo com Melissa. Transamos normalmente, ela é mais ou menos na cama, ou melhor, no sofá. Patrick tinha razão. Ela é muito tímida. Estou com ciúme desse Klaus, espero que você não me troque por outro ‘K’. HAHAHA!! Beijos"

Após resolver sua vida pessoal com a esposa, leu e respondeu outras mensagens de clientes. Quando terminou, foi saindo do apartamento, mas não sem antes mandar um SMS para Kate:

"Hoje. Minha casa. Beijos."

Ter sexo todos os dias era uma grande vantagem na vida de Kernel. Sentia-se um homem completo desse jeito. Quando esfriava com uma, ficava com a outra. O homem de negócios saiu, trancou a porta e passou a chave por baixo da mesma. Seu celular vibrou.

"Eveline says: Ontem eu senti que você estava ‘ocupado’, se é que me entende. Eu conheço garotas como a Melissa. Essas são as piores. Adestre-a. Beijos!"

Kernel riu e saiu do prédio, entrou em seu Mercedes e seguiu para casa, de modo a aprontar-se para se apresentar bem na empresa; na frente dos empregados; na frente da sociedade comum.

*~~~~~~~~~~*

O senhor Kernel entrou pela porta da sala de Melissa, que olhou para ele e ficou imediatamente corada.

- Bo-b-bom dia – gaguejou a secretária. Sentiu-se uma completa idiota depois de ter falado daquele jeito!

- Bom dia, Melissa – respondeu Kernel em um tom brando, passando normalmente por ela, como se nada tivesse acontecido ontem.

Nada.

Nada mesmo. Nem um beijo. Nem um selinho. Nem uma troca de olhares quentes. Nem sequer parecia que algum dia ele teria algum interesse sexual nela. Agora ela entendia perfeitamente o porque alguns viam o senhor Kernel como um grande profissional. Ela acabara de evidenciar, friamente, o olhar profissional do chefe.

Já fazia três horas que ela se ocupava da mesma tarefa: olhava seu chat de mensagens com Patrick no F******k.

Nada.

Nenhuma resposta.

- Então, para que diabos ele veio dar oi? Pra que diabos ele veio puxar assunto? Pra me açoitar? Pra me torturar? - dizia Melissa à sua psicóloga, que lhe encaixou em um horário à noite porque Melissa pedira uma consulta extra naquela semana.

- Não sei.

- Nem eu. Talvez tenha sido um engano. E o pior é que o senhor Kernel me tratou hoje como se eu fosse uma pessoa qualquer e eu me senti mal com isso.

- Porque?

- Não sei.

- Talvez você goste dele.

- N-não! Quer dizer, gosto dele como amigo, trabalho com ele há três anos, o conheço há oito anos, mas não é um carinho como se fosse...

Silêncio.

- Foi um ato de pura natureza, Melissa – disse a psicóloga, algum tempo depois do silêncio que reinou no consultório.

- Foi – a paciente confirmou, quase que imediatamente. Gesticulando, continuou dizendo – puro delírio, pura pouca vergonha.

- Sabe... eu acho que foi bom você ter transado, você mesma disse que percebeu essa necessidade. Porém, além disso, acho que temos mais coisas a tratar, Melissa – disse a psicóloga, preocupada. – Temos que lidar com suas questões financeiras e com sua relação com o álcool, que vem lhe trazendo muitos problemas.

- Eu sei. Estou encrencada. Mas não consigo pensar em mais nada além do senhor Kernel! – disse Melissa, abalada.

- Sim, entendo. No momento, Melissa, acho que temos que pensar que, o que importa, é que você é um ser humano e tem necessidades fisiológicas e biológicas. Necessidades humanas, mesmo, sabe? E uma dessas necessidades é a procriação. Obviamente que hoje em dia nós não procriamos como antigamente, digo, nos primórdios, onde o macho encontrava a fêmea por acaso e faziam a procriação por fazer. Mas a necessidade em si continua em nossa memória genética. Nós somos seres que nascem, crescem, reproduzem e morrem, é o ciclo da vida. A vontade de reproduzir é normal, mesmo que nem sempre a concepção aconteça devido ao uso de métodos anticoncepcionais hoje em dia, então nós consideramos que necessitamos do sexo pelo ato em si, e não pela reprodução.

- Entendo.

- Quer dizer, observando friamente a situação: sem as barreiras sociais que criamos, você, como fêmea, realizou um ato de reprodução com um macho, e é isso. Provavelmente é isso que o senhor Kernel pensa também. Certo é que ele sustenta laços emocionais com outras quatro mulheres, isso deve dar trabalho, mesmo uma delas morando do outro lado do oceano. Possivelmente ele só queira sexo com você, Melissa. E pelo tratamento que ele dispensou a você nesta manhã, ele provavelmente não vai criar laços afetivos com você. Temos que pensar nessa possibilidade, de que talvez nunca haverá algum laço afetivo entre vocês, por parte dele. Ele foi só um parceiro sexual, essa é a verdade e estou aqui para te contar isso. Mas, ao mesmo tempo, sinto muito por eu ter que ser a pessoa a dizer palavras tão duras a você.

O pedido de desculpas da doutora foi porque Melissa começou a chorar.

- Eu não sei! – disse a loira, entre soluços. – Eu não quero mais fazer sexo por fazer, mas só agora é que eu descobri que sexo é bom, pois com Patrick era só algo convencional, mas com o senhor Kernel foi sensacional!

- Parceiros e parceiros, Melissa. E essas lágrimas suas? São por causa do que eu disse, que o senhor Kernel nunca criará laço afetivo com você, ou são por que você descobriu que sexo é maravilhoso? Ou por Patrick? – a psicóloga disse enquanto ofereceu à Melissa uma caixa de lenços de papel.

- São por causa... – disse Melissa, soluçando, enquanto pegava o lenço. – São por causa do que você disse. Que as pessoas levam o sexo pelo sexo. Isso não cria uma confusão mental?

- Sim.

- Por isso a igreja diz que devemos fazer sexo somente para reprodução?

- Não sei, não frequento igrejas, mas sei que você tem alguma questão com sexo casual. Pelo que vejo, não sabe lidar com isso muito bem.

- Não sei mesmo, porque durante doze anos eu nunca fiz isso com mais ninguém. Era só com Patrick, somente com ele, jamais com outro.

- Tem certeza?

- Tenho. Absoluta... quer dizer, teve aquela vez que um primo meu da Europa me roubou um beijo quando viajamos para Portugal, mas eu não tive culpa, então preferi não contar nada pro Patrick. E rolou só o beijo, mesmo.

- Você se sentiu mal em não ter contado para Patrick?

- Me senti péssima. Nem tenho palavras para descrever o quão mal eu me senti. Parecia que meu coração ia explodir de tanto ressentimento.

- Mas você já teve vontade de ficar com outros homens enquanto estava namorando com Patrick.

- Sim, isso é óbvio.

- Claro que é óbvio – a psicóloga riu, divertidamente. – Isso não foi uma pergunta, Melissa. E eu já sei que você ficava mal e já disse outras vezes que não conseguia descrever o quão mal você se sentia quando pensava em trair Patrick ou sequer quando sentia a mínima atração por outro homem.

Silêncio e lágrimas no consultório naquele momento.

- Você precisa se aceitar como mulher – disse a psicóloga –, uma mulher vivendo num mundo contemporâneo, mas com ideias do mundo antigo e romântico, especialmente pela sua formação familiar, pelo sonho de ter essa família perfeita, formada por marido, mulher e filhos, em manter um sonho ou crença em amores tão fortes que perdurariam para o resto da vida. Você é assim, precisa procurar se aceitar desse jeito e aceitar que nesse mundo tem pessoas que se aceitam de outros jeitos, jeitos esses que são diferentes dos seus.

- Isso significa que nunca vou arranjar alguém para mim.

- Não, Melissa. Você vai achar alguém para você. Você só precisa deixar de ter medo.

- Não é medo. É certeza – disse Melissa. – Eu tenho certeza que nenhum homem é fiel. Ainda mais por causa dessa história biológica, da memória genética e etecetera. Homens precisam ter várias parceiras.

- E você não aceita isso, não é?

- Não, não aceito. Eu quero um homem só para mim. Sempre quis. E sei que isso não vai existir nunca. Desculpe, quero ir embora, estou com dor de cabeça.

- É normal a dor de cabeça vir nesses momentos. Você está se reestruturando. Tem muitas dúvidas. Tudo bem, então encerramos por aqui hoje, um pouco mais cedo. Já tivemos muito o que conversar nessa semana, certo? Nos vemos semana que vem.

Despediram-se, e Melissa saiu do consultório sem qualquer senso de direção. Sentou-se em um banquinho próximo e ficou parada por quase meia hora, pensando, pensando e pensando. Foi quando seu celular tocou dentro de sua Chanel. Era o senhor Kernel.

- Alô, senhor Kernel?

- Alô, Melissa. Como vai?

- Péssima. Destruída. Acho que isso seria pouco para o jeito que eu estou – ela disse, sem filtro nenhum.

- O quê!? Onde você está?

- Estou na porta da minha terapeuta.

- Me espere aí, não saia daí! Vou te levar para casa.

- N-não senhor Kernel, não precisa me levar para casa. Na verdade, eu nem quero ir pra casa – disse. Tinha medo de entrar com ele no apartamento e ceder novamente a um homem que fora tão frio com ela "no dia seguinte", se é que entendem.

- Ok, não te levarei para casa. Mas você não parece bem. Eu vou te buscar e te levar pra onde você quiser ir. Me espere. Chego em cinco.

Ele desligou. Pensando bem, ela estava tão mal que não conseguiria seguir para casa nem em um táxi. Era melhor ir com o senhor Kernel. Mas dessa vez ela não o convidaria para entrar. Não mesmo! Enquanto pensava nisso, borboletas voavam em seu estômago. Ela estava muito carente... e em cinco minutos cravados, lá estava o Mercedes com o senhor Kernel dentro. Melissa entrou no veículo e desabou a chorar.

- Melissa!? Meu Deus! – ele a abraçou e eles ficaram ali por bons minutos até ela conseguir voltar a falar, soluçando entre as palavras:

- Por favor, me explica porque diabos você nem olhou na minha cara hoje? Nem me chamou pra te servir um copo de água?

- Hein? – perguntou Kernel, surpreso. – Melissa, eu saí da agência assim que tomei meu café da manhã. Não voltei mais no escritório, você não estava em sua mesa quando saí, devia estar no banheiro ou sei lá.

- Mentira! Eu transferi ligações pra você!

- Quando você não fala nada no PABX pra mim, a ligação cai pra vice direção, você sabe muito bem disso! Ó, minha querida, não fique assim... – explicou Kernel, que a abraçou mais forte, no limite que o cinto de segurança lhe permitia aproximar-se. – Pra onde você quer ir?

- Acho que vou pra casa mesmo – disse Melissa, secando as lágrimas dos olhos.

A loira ficou em silêncio, esperando que o senhor Kernel enviasse uma mensagem em seu celular.

- Ok. Vou te levar para casa, mas preciso ir rápido porque a Kate está me esperando na minha casa – disse Kernel, dando a partida no carro. – Aliás, foi por isso que eu tinha te ligado. Ela queria uma conversa aberta com você lá em casa, agora que você sabe de tudo. É uma pena que você não esteja bem para conversar hoje. Ela sente falta da sua amizade.

- Eu também sinto falta dela... – dizia Melissa e, abruptamente, parou de falar. Pensou por alguns segundos. Mudou de ideia. Depois, continuou a falar – quer saber? Não me leve para casa. Vou com você e vou conversar com a Kate.

- Tem certeza?

Melissa maneou que sim com a cabeça. Kernel deu a partida no conversível.

- Ok. Agora, me diga... O que essa merda de terapeuta te disse pra você ficar assim?

- Nada... – mentiu Melissa. Desconversou. – Eu estou assim por causa das conclusões que eu mesma tirei. Vou morrer sozinha criando gatos. Nunca encontrarei um homem fiel. Nunca terei filhos ou terei que adotar. Ou irei num banco de sêmen pra, pelo menos, saber a cara do sujeito que vai ser pai do meu filho. Quer dizer, até quando estarei fértil?

- Uau! Calma! Você é muito ansiosa...

- Eu sei! Eu quero ver minha vida andando, mas eu estou parada no meio dos trilhos só esperando um trem passar por cima de mim.

- Mas a ferrovia está desativada, sabia? – ele disse, rindo. – Sabia que a possibilidade de você andar no meio das ruas de Manhattan e cair um piano de cauda na sua cabeça é mínima? A chance de achar um homem legal é maior do que isso acontecer, do que o trem passar, do que o piano cair. Eu tenho alguns amigos que posso te apresentar e...

- Não mesmo! Amigos como o Patrick?

- Não, não. Homens sérios, que querem compromisso sério e monogâmico. Inclusive clientes da empresa, inclusive colegas de trabalho seus. Você nunca sai daquela sala para conhecer ninguém.

- Mas conheço todos pelos nomes, inclusive os estagiários.

- Fique um mês sem revisar a folha de pagamento do RH e depois me fale o nome de cada um deles. Duvido que vai acertar!

- Não me irrite com isso. Não estou bem. Eu não quero homem nenhum, nunca mais. Vou criar gato, pelo menos gato é bonzinho, quentinho e fofinho.

- E inimigos de sofás.

No momento em que ele mencionou sofás, as bochechas de Melissa ficaram coradas. Kernel percebeu.

- Ah, não me diga que agora não posso falar em sofá?

Ela silenciou-se, tímida.

- Sofá... Sofá... Sofá... – disse Kernel, macabramente, rindo-se.

- Pare com isso. O que aconteceu ontem foi uma fatalidade. Uma exceção. Eu estava precisando transar, eu te usei.

- Hahaha, sei! Sua alma é tão pura que você não usaria nem uma formiga!

- Pare com isso, senhor Kernel. É sério. Foi só sexo casual e pronto. Não vamos fazer de novo, nada vai acontecer, vamos continuar trabalhando normalmente.

- E você quer que eu acredite nisso com você me abraçando e chorando daquele jeito enquanto perguntava porque não te dei ideia hoje? Aham. Acredito. E não faça bico, você não tem mais idade pra isso.

- Não fale assim – disse Melissa.

- Ainda faremos muito sexo. Tanto que você vai até cansar de mim – disse ele, certo do que estava falando.

- Nunca vou me cansar de você – disse a loira, e olhou para as próprias mãos repousadas em seu colo. Sentiu uma pontada no peito.

- Nossa... Sério? – disse Kernel, enquanto fazia uma curva com o carro, casualmente, mas pelo tom de voz do homem, ela sabia que seu chefe não estava falando casualmente. Era papo sério. – Minhas garotas às vezes se cansam de mim e me mandam pro Inferno.

- Quer dizer que sou uma de suas garotas agora?

- Claro, oras. A não ser que você não queira, já que você veio com esse papo de sexo casual e tudo o mais.

- Não quero criar laços com você – mentiu sem saber, refletindo a conversa da terapia em sua fala. Lacrimejou.

- Você não vai criar se não quiser, eu não deixarei.

"Se não quiser" – pensou Mel. Sentiu-se melhor e não havia como abafar esse sentimento afável e quentinho em seu peito.

- Como não deixará?

- Eu sou um ser muito racional – disse Kernel enquanto observava o cruzamento para fazer a curva final e chegar em sua casa.

A casa do senhor Kernel poderia ser considerada, na verdade, uma mansão. Ampla, de três andares, com um jardim maravilhoso e iluminado com uma luz azul clara, remetendo à luz da lua. Até para jardim o senhor Kernel tinha bom gosto.

- Vamos entrar?

- Sim, vamos – concordou Melissa.

Kernel estacionou o veículo e eles desceram do carro. Ao passar pela enorme porta de entrada da mansão de seu chefe, Melissa entrou em uma sala gigante com três ambientes, uma sala de estar, outra de jantar e um belo piano de cauda ao fundo, o qual poderia cair na cabeça dela a qualquer momento em Manhattan.

- Nossa... Bela casa! – exclamou Melissa.

- Obrigada.

- Você toca piano?

- Às vezes.

- Vivendo e aprendendo. Você nunca mencionou isso – ela deu um sorriso fraco. Poucas coisas deixavam um homem tão charmoso quanto tocar um piano.

Quando ele acendeu a luz do terceiro ambiente, Melissa viu uma cena chocante. Kate, deitada, nua, em cima do sofá, parecendo uma ninfa daqueles quadros de pintores clássicos. Melissa abriu a boca e Kernel interveio:

- Kate!?

Kate pegou duas almofadas pretas para tapar o próprio corpo, assustada.

- Me desculpe, você tinha mandado mensagem de que ia levar a Melissa pra casa dela, que ela estava mal. Achei que você vinha sozinho! Melissa, me perdoe, eu...! Eu queria fazer uma surpresinha pro Adam.

- E que surpresa! – disse Melissa, envergonhada, já virada de costas, o que não adiantou, porque a imagem de Kate era realmente extasiante e não saiu de sua memória, embora tenha saído de seu campo de visão.

- Kate, pelo amor de Deus, vá se vestir – disse Kernel, envergonhado, apontando para a escada com o polegar.

*~~~~~~~~~~*

Kate pigarreou. Todos estavam sentados à mesa de jantar, com roupas e com bebidas alcoólicas às suas frentes. Depois de elogiarem as bebidas e os frios que o senhor Kernel serviu, a conversa séria começou através de Kate.

- Bom, agora que estou recomposta, podemos conversar – disse Kate. – Bem, primeiramente gostaria de dizer que eu sinto muito a sua falta, Melissa. Muito mesmo. Você sempre foi minha melhor amiga e eu gosto muito de você. Muito mesmo.

- Eu também gosto de você, Kate, e sinto sua falta – disse Melissa, com sinceridade, segurando as mãos da amiga que estava do outro lado da mesa.

- Então, bem, amanhã é seu aniversário e eu proponho que façamos as pazes. Como um presente, tanto para mim quanto para você. Eu sei que você achou que eu ter ficado com o Adam na sua festa de noivado foi um mal presságio e veja onde estamos agora. Você realmente ficou sem o Patrick e talvez tenha sido culpa minha. Aliás, eu me culpo todos os dias pelo que aconteceu e peço desculpas por isso também...

Um flash de memória passou pela cabeça de Melissa: Kate, deitada como uma ninfa nua, em cima do sofá do senhor Kernel e, depois, os dois de pé, transando no closet da casa dos pais de Patrick no dia de sua festa de noivado. Lembrou-se da taça de champanhe caindo de sua mão quando, enquanto ia chamar a amiga para o brinde de amor eterno dos noivos, a encontrara transando com o senhor Kernel, o amigo de Patrick – que era casado, inclusive.

De repente, lembrando-se do sentimento de fúria que sentiu, Melissa teve uma grande ideia. Estava depressiva e, quando pessoas depressivas têm ideias, elas geralmente se dão mal ou são ideias malucas demais. E o que Melissa tinha em mente era algo extremamente maluco e que ela nunca havia feito.

- Na verdade... – ela olhou para o lado da mesa, onde repousava a pequena caixa de coisas para devolver a Patrick – Primeiramente, eu aceito seu pedido de desculpas, é claro. Você não teve culpa, afinal sabemos que o senhor Kernel é bem... hum... bem convincente no flerte.

O senhor Kernel sorriu gostosamente. Não era um sorriso de quem estava se gabando, mas sim de quem estava se divertindo com os comentários.

- Sugiro um outro tipo de presente de aniversário. Sugiro que deitemos no sofá, eu e Kate, para fazermos as pazes de forma mais íntima, enquanto você, senhor Kernel, chama Patrick para receber as coisas dele de volta.

- Peraí – disse Kernel, com os olhos arregalados. – Você está... está sugerindo um...!?

- Eu sei que Kate gosta de mulheres. Talvez seria uma boa ideia o Patrick provar um pouco do gostinho de tudo o que ele me fez passar.

Kernel e Kate entreolharam-se, absurdados.

- Você tem certeza do que você está falando? – perguntou Kate.

- Sim. Nunca tive tanta certeza de algo.

- Você está sugerindo um... Ménage à trois? – perguntou Kernel, finalmente.

- Claro que não seu tonto! – disse Melissa ao senhor Kernel, esquecendo completamente que ele era seu chefe. – Estou falando em Kate e eu. Ande, faça sua parte e ligue para Patrick.

Melissa levantou-se, deu a volta na mesa e pegou a mão de Kate, levemente, beijou-a no rosto, olhando profundamente dentro dos olhos da amiga.

- Que fique bem claro que eu só estou fazendo isso porque sei que você sempre teve um traço de gostar de garotas, Mel – disse Kate.

- Mas vai ser a primeira vez que eu experimento, e nada melhor do que com você, Kate – disse Melissa, o que fez sua amiga corar.

Mel encaminhou Kate para o sofá e sentou-se do lado da amiga. Elas estavam com suas faces próximas o bastante para um beijo, mas Mel puxou os cabelos tingidos de vermelho da amiga e lhe mordeu o pescoço aos poucos, de leve.

Após ligar para Patrick, Kernel sentou-se na poltrona em frente às duas, que ficaram paradas por um instante.

- Podem continuar... – disse Kernel, acendendo um charuto e cruzando as pernas. Os olhos castanhos fitando as duas. – Patrick chegará em cerca de dez minutos.

Elas entreolharam-se e, finalmente, seus lábios tocaram-se brevemente. Beijaram-se. Mel sentiu a pele de Kate pela primeira vez. Era muito diferente da sensação de sentir a pele de um homem contra a sua. Era macia e confortável, parecia um veludo macio em comparação à pele firme dos homens.

Mel foi retirando o robe preto de seda que Kate vestira para esconder o belo corpo, que parecia brilhar por algum hidratante iluminador que passara na pele, especialmente para o senhor Kernel, mas quem aproveitaria o embelezamento, agora, era Melissa.

Os beijos estalados de Kate e Mel fizeram com que Kernel ficasse excitado. Coçou as "calças", ajeitando sua parte do corpo para o lado certo. Os suspiros das duas mulheres estavam deixando Kernel maluco. Ele queria pular no meio das duas, mas "não é não", e, como Mel queria somente as duas juntas, ele estava com as mãos e os pés atados. A regra foi imposta e não havia nada que ele poderia fazer.

Mel passou as mãos nas costas de Kate, arranhando-as, para a loucura desta, que se arrepiou por completo. Kate mantinha-se quieta, não conhecia os limites de Mel. Deixou com que a amiga aproveitasse o momento como melhor lhe prouvesse.

Deitaram-se, Mel por cima de Kate. Melissa ainda não tinha coragem de tirar sequer uma peça de roupa, mas seus movimentos com a perna subiram um pouco sua saia longuete preta, revelando suas coxas para o senhor Kernel pela segunda vez. Ele gostou da vista que apreciava e teve que apertar as mãos nos braços da poltrona para controlar o que estava sentindo. Engoliu em seco. Seu coração estava acelerado e ele desejava que Patrick nunca chegasse.

As mãos de Mel percorreram todo o corpo de Kate, começando pelas omoplatas até as pernas e voltaram, num ritmo constante, enquanto beijava a boca de sua melhor amiga. Estava tão envolvida que até havia esquecido que Patrick estava para chegar. Colocou a mão por entre as pernas de sua amiga, o que fez Kate dar um suspiro alto e um gemido. Os gemidos femininos continuaram à medida que Mel movimentava seus dedos. E Melissa, com certeza, queria ouvir mais gemidos, pois estavam-na fazendo ficar muito excitada.

As bochechas das duas estavam completamente vermelhas e o calor do momento as cegava. Timidamente, Kate foi abrindo os botões da blusa social branca de Mel e abriu mais as próprias pernas, para que a amiga se movimentasse o mais bruscamente possível.

Enquanto isso, Kernel continuava fumando seu charuto, olhando a bela cena que se passava em sua frente. Os gemidos de Kate, num instante preciso, viraram gritos. Seus pés esticaram e a ruiva não conseguia mais mover as mãos para terminar de abrir a blusa de Melissa. O coração de Kate batia tão rápido, parecia que ia quebrar-lhe as costelas!

Após Kate chegar ao ápice, Mel sussurrou no ouvido da amiga:

- Agora é a minha vez...

A secretária ajoelhou-se e arrancou a blusa, estava completamente suada com os cabelos loiros grudados no pescoço. A ruiva assentou-se e começou a lamber-lhe os seios com muita vontade. As mulheres estavam tão envolvidas que nem ouviram a campainha tocar e Kernel se levantar da poltrona.

Adam pegou a caixa das coisas de Patrick, abriu a porta e cumprimentou o amigo.

- E aí, fera? – disse Kernel, mas não houve resposta do amigo.

Patrick, com os olhos verdes e cabelo castanho, que estava de terno e muito bem alinhado, perdeu o controle ao ver, de passagem, o que estava acontecendo no sofá do amigo. Empurrou Kernel para o lado. Queria participar.

- Está fazendo uma festinha? – disse Patrick, mas, para seu pavor, entrou na mansão e terminou de visualizar o que estava vendo pela metade através da porta entreaberta, deu de cara com a cena de Kate lambendo os seios de Melissa.

- Que merda é essa!? – gritou Patrick, e as duas garotas se assustaram, olhando para ele.

No susto, Kate pulou para o canto oposto do sofá. Os olhos verdes de Patrick encontraram os azuis de Melissa e ela não pôde esconder um leve sorriso triunfal.

Continua...

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