Eu entrei no tráfego tedioso. Nada fora do contexto; acostumada a esperar, comecei a cantarolar a música que tocava. Ainda faltavam trinta minutos. Tudo cessou, até mesmo o irritante barulho das buzinas de um lado para o outro, porque as palavras de Isaac se instalaram em minha cabeça, corroendo.
Aaron nunca será meu pai...Respirei fundo, desligando o rádio. Bati no volante com irritação. Eu estava sufocada, não era fácil dizer-lhe a verdade, aquela que abruptamente estava arrancando minha alma, e eu merecia por ser mentirosa. Não importava se o fiz para evitar outro desastre, ainda assim não haveria nada além de outra catástrofe assim que procurasse Ismaíl e lhe contasse sobre nosso filho em comum.Eu estava escondendo isso dele, tinha medo de que uma vez que ele soubesse, quisesse lutar pela custódia. Ele tinha poder, direitos que eu lhe roubei desde o momento em que não falei sobre minha gravidez.Nenhuma desculpa ou explicação absurda seria válida.Tarde demais para nós, mas isso não significava que fosse o mesmo para pai e filho. Cada um tinha o direito de compartilhar, conhecer e desfrutar da vida juntos. Eu também estava impedida pelo que se dizia dele, ele estava felizmente casado com a modelo russa, e eu, bem em um estranho namoro. Havia tanto espaço entre Aaron e eu que não parecia sua namorada, nem ele meu parceiro. Mal nos beijávamos na boca, e o próximo passo se tornava distante toda vez que eu o evitava.Eu não estava pronta.Não estaria, até que os avanços deixassem de ser apenas uma falsa fachada, com a qual afirmava ter deixado à beira de um esquecimento exausto, a vida ao seu lado. Aos meus vinte e cinco anos, eu continuava presa e encalhada no sabor amargo do que era antigamente, no entanto era muito parecido com o abismo ardente, porque também me consumia, arrastando consigo as cinzas do que restou.E não podia mitigar a ardência que se espalhava em minha pele.Balancei a cabeça, parando de vaguear por horizontes distantes, direções afastadas que distavam, embora forçadas, de um caminho pelo qual agora percorria.Fazia mal andar por caminhos velhos; reparar em nossa errônea história despertava pensamentos conflitantes dentro de mim, fazendo-me repensar o que quer que tivesse com Aaron.A marcha recomeçou, então parei de aprofundar, com dificuldade, no passado. Estacionei o Nissan lá embaixo no estacionamento subterrâneo do prédio onde trabalhava. A menos de cinco minutos para começar o dia, já havia ocupado minha mesa.Valentina se aproximou de mim erguendo uma sobrancelha. Bonita loira, intelecto invejável, mas toda mexeriqueira e barulhenta. A pasta amarela que tinha em suas mãos, deixou cair em cima do meu local de trabalho.- Bom dia, Mariané.- Olá, Valentina, por que você me dá isso? - perguntei franzindo a testa.Ela apoiou os braços em sua cintura estreita.- Linda, é a sua tarefa. Sem querer, fiquei um pouco curiosa e verifiquei. Acho que teria gostado de ter o prazer de entrevistar um espécime de homem tão grande - ela expressou mordendo o lábio, até gemendo ao dizer as últimas palavras - Mas você sabe como é Anastasia, nossa chefe tem você em alta estima, confia cegamente em você, já me deixou claro. Não é estranho que ela tenha lhe dado a oportunidade de entrevistar um magnata como Al-Murabarak. Deus! Até sinto como se minha calcinha estivesse molhada só de imaginar.Enquanto falava muito, seu nome era a faca que me apunhalava. O ar abandonou meu sistema, com os pulmões atrofiados, tive que abanar meu rosto.- Bem por você, mas não crie ilusões porque ele tem esposa - acrescentou com diversão.A pior piada, se soubesse o que significava encontrar Ismaíl Al-Murabarak, não estaria soltando tolices.- Sério?- Não é nenhuma piada, ruiva - ela revirou os olhos.Ainda sem acreditar, verifiquei o conteúdo da pasta apenas para descobrir que uma má jogada da vida estava me colocando de volta ao meu presente.O Reencontro- Não! - gritei histérica -. Não consigo fazer isso, Kelly.Caminhei em círculos. No final, desabei no sofá, destroçada. Tudo parava no momento errado, sentia-me num beco sem saída. A vida me empurrava na direção dele. Não queria vê-lo, encontrá-lo novamente e ter que sustentar seu olhar numa luta indecifrável.- Ia acontecer a qualquer momento, você precisa encarar isso como uma adulta. - assegurou, sentando ao meu lado.- Você não entende. - apontei com um sorriso amargo.Raiva, preocupação e ansiedade, tudo dentro de mim, uma guerra fria.- Acredite em mim, Mariané - refutou, acariciando meus ombros -. Ao vê-lo, você não precisa ir direto ao ponto e contar sobre Isaac, tudo será no momento certo, quando você achar conveniente.- Não, vou falar com Anastasia e pedir que reatribua a entrevista para Valentina. - falei decidida.- Sem mais evasões, Mariané. Enfrente a situação e não se esconda como uma covarde - aconselhou com aquele tom de mãe que quer o melhor para seu filho, mas não era minha amiga tentando me convencer de algo que não entendia realmente -. Olha, é um sinal e você deveria prestar atenção nele.- Nem todos os sinais são bons e pressinto que o pior vai acontecer se eu decidir ir ao escritório dele. - bufei exasperada.Ela negou rapidamente, discordando, seus olhos verdes expressivos quase saltando das órbitas.- É o que você acredita, não mude nada, faça o trabalho como uma profissional.- Não... não tenho certeza.- Também tive medos, terror de subir ao palco e tocar na frente de muitas pessoas. A única coisa que me dá coragem é confiar em mim mesma, sei que sou boa e se eu errar, não tem problema - ela me deu um beijo na bochecha e se levantou -. Sean deve estar me esperando.- Entendo, vá tranquila.- Pense nisso, amiga. - recomendou se afastando.Apenas assenti com a cabeça, mas não prometia nada.- Mamãe, estou com fome.E lá estava Isaac, meu segredo, o nó dessa história que eu não ousava desatar.- Me dê um segundo. - pedi soltando um suspiro....O mês de abril não me pegou desprevenida, embora tenha sentido como uma espessa camada de gelo cobrindo minha pele. Lá fora havia uma primavera extraordinária, mas por dentro eu afundava murcha. Em frente ao espelho encontrei aquela Mariané sem armadura, vulnerável e temerosa.Voltei a ser a mesma, talvez nunca tenha deixado de ser, e esqueci disso.Arrumei a saia do meu vestido rosa claro, bonito sem deixar de lado o sutil e sóbrio. Com meu cabelo ruivo, fiz um coque torcido na minha cabeça. Dei uma última olhada, dando uma volta suave; os Louboutins pretos que decidi calçar eram confortáveis. Então não teria problemas para caminhar.Peguei minhas coisas e saí apressada. Lá fora encontrei meu filho terminando seu cereal. Eu não tinha intenção de comer nem um pedaço, nada. Tanto nervosismo fluindo em minhas veias, bombeando excessivamente meu coração, me tornava um robô. Forçando cada sorriso, tentava que Isaac não percebesse o horrível nervosismo que invadia meu ser.- Querido, apresse-se.Dei-lhe alguns minutos, depois pegou sua mochila e saímos voando. Durante o trajeto, nem a música de fundo, nem sua conversa sobre carros esportivos diminuíram o medo que sentia. Minhas respostas eram robóticas, sem o mínimo interesse no que ele falava.O sinal mudou para vermelho naquele momento.- Quando eu crescer, poderei ter um carro? - p
Peguei minhas coisas, saí do Nissan e permiti que ele tomasse meu lugar. O rapaz, com gentileza, explicou que estaria de olho na minha saída e traria o carro. Quis dar gorjeta, mas ele já tinha acelerado. Avancei até a entrada, segurando minha bolsa que levava o iPad, uma caneta e um caderno caso o tablet não tivesse carga, o que não tinha certeza se tinha verificado ontem à noite. Pelo menos as perguntas estavam escritas no papel, senão minha memória iria falhar.O imponente edifício era atraente e moderno. Li em letras douradas: Al-Murabarak Inc., sobressaindo com soberba. Não era para menos, uma das melhores empresas automotivas merecia uma fachada imponente. As portas se abriram à minha frente quando estava a meio passo de atravessar a entrada. Lá dentro, todos se moviam agitadamente. Avistei a recepcionista e me aproximei apressadamente. Ela estabeleceu contato visual comigo enquanto seus olhos desciam para a identificação no meu peito.- Bom dia, senhorita Lombardi. Em que posso
Os passos que dei, assim que entrei em seu escritório, pareceram um salto mortal. O oxigênio dissipou-se, mal conseguia respirar artificialmente, cada respiração era dolorosa. Meu pulso estava descontrolado. Ele, que estava a quilômetros de distância de mim, agora estava a poucos metros. Meu coração se encheu de uma dor causada pelo passado. Batia imperiosamente; minhas pernas tremiam, dificultando meu avanço. O homem que amei estava de costas, em frente às janelas do chão ao teto, imerso em uma conversa telefônica. "Vou ficar bem, em breve a dor de cabeça vai desaparecer", disse ele. Mas percebi que ainda o amava quando senti o chão se mover sob meus pés, sendo acariciada pelas asas das borboletas batendo dentro de mim; quando a maré de emoções dispersas se levantava, tocando um vórtice, aquelas turbulências em forma de espiral através da minha fisionomia, mas com uma trajetória que apontava para ele; então percebi que havia voltado ao meu lugar. Senti falta do perfume Armani satu
" —Um até logo? —Está brincando? Não há motivo para querer te ver de novo, Ismaíl. —murmurei revirando os olhos. Guardei minhas coisas e me levantei. Meu cérebro gritava exaustivamente para correr em direção à saída sem olhar para trás, sem reparar por um segundo que o homem imponente ali presente mexeu com os sentimentos do meu ser, precisando de mais do que já tivemos alguma vez. Não cometeria a infração, o erro ou o pecado de fixar o olhar em seus lábios, sabendo que seu sabor não me pertencia, não correria para seus braços sem ser dona daquele executivo que me enlouquecia, tudo o que eu não podia fazer, me freava, me afastava da loucura. —Foi um prazer te conhecer no âmbito profissional, obrigada por dedicar seu tempo para me atender —pronunciei por puro formalismo. Mas nem mesmo apertei sua mão. —A você por aceitar a entrevista e não concedê-la a algum colega seu, só por ser eu. Ou vai dizer que nem mesmo pensou nisso? Ele também não fez menção de se despedir. —Já não sou
—Dizem que Al-Murabarak é um cara difícil, meu pai fez negócios com ele há algum tempo. Tudo acabou em uma disputa, que depois foi resolvida. Ele é bom no que faz. - mencionou alheio a uma verdade que a cada minuto se tornava uma enorme mentira. —Al-Murabarak é um sobrenome estranho - falou meu filho pela primeira vez durante todo esse tempo - Mas é um grande império automotivo, você entrevistou o dono? —Mais ou menos, termine sua comida, por favor. —E você não me disse nada, mãe. Você poderia ter me levado junto, eu adoro carros. - repreendeu. —Bem, isso não seria possível, querido. Você sabe que eu não posso levá-lo comigo para o trabalho. —Sua mãe tem razão, mas eu poderia levá-lo para uma corrida de carros nesta sexta-feira. - ele olhou para mim pedindo minha autorização e eu assenti. —Você faria isso por mim? - ele perguntou incrédulo. —Eu prometo, o que você diz? —Só se for na primeira fila. - ele condicionou.—Isaac... - eu o olhei mal.—Não se preocupe - ele minimizou
Três pontos suspensos.Então fechei o laptop e fui abrir a porta para Kelly. Ela vinha com seu namorado, então fiquei envergonhada de estar vestida daquela maneira. Levantando uma sobrancelha em direção à minha amiga, estava repreendendo-a por não ter avisado antes de trazer seu noivo.Não por nada ruim, mas para que eu pudesse me arrumar e não aparecer de pijama. Recebi um sorriso dela que se traduzia em: Desculpe, Mariané, vou avisar na próxima vez.Espero que faça isso."Entrem, como estão, Sean? Desculpe minha roupa", murmurei com um sorriso meio desajeitado."Você ainda está linda", cantarolou com seu pitoresco sotaque europeu, saudando-me com um beijo em cada bochecha.Olhei para Kelly sobre seu ombro musculoso, ela deu de ombros. Os italianos eram tão bonitos, cavalheiros, uma combinação perfeita difícil de encontrar e nele, difícil de evitar. Sean era tudo isso e ainda me aproximava das minhas raízes, o que me fazia vê-lo de uma maneira especial, como um amigo. Ela não poderia
—Se se eu encontrasse o Aaron, com certeza ele teria um ataque cardíaco. — Ela comentou maliciosamente, olhando para mim através do retrovisor.Fiz uma careta com meus lábios pintados de um poderoso escarlate. Durante o trajeto, recebi várias mensagens dele, dizendo que estava com o Isaac no McDonald's. Isso me surpreendeu um pouco, porque o Isaac não era fã de comida fast food, na verdade ele ficava exigente e fresco quando se tratava do que colocar na boca. Seu drama ao comer era tão parecido em certo grau ao do Ismaíl que parecia estar compartilhando a mesa com seu clone.Toquei o vidro polarizado, com os olhos presos nas luzes da cidade, o exterior brilhava como um céu estrelado. Eu era uma delas, piscando, sabendo que aos poucos minha luz estava se enfraquecendo. Ciente de que pensar demais nisso me tornaria uma estrela cadente que caía em qualquer lugar inóspito do mundo, afastei isso da minha cabeça.Eu me esforçaria no relacionamento com o Aaron, deixaria que ele me levasse ao
- Ouça o seu namorado, você vai sentir falta? A sobremesa é deliciosa. - Acrescentei apreciando a combinação de queijo e doce ao mesmo tempo. - Não, Não me apetece. - ele apontou sem pensar. Ninguém insistiu novamente. Ele cancelou a conta e saímos do lugar chique. Achei que tudo terminasse ali, mas quando Sean virou o volante para o lado errado de onde morávamos, corri para perguntar. - Para onde vamos? Eu tenho que ir pra casa, você sabe disso. - reclamei esvaziado no banco de couro preto. - Não se preocupe, testei Aaron, será um prazer para ele ficar com o garotinho, até que te devolvamos ao seu apartamento. - ele mencionou sem me dar uma dica do nosso destino. - Kelly, não quero abusar do tempo do Aaron, ele pode ter algum trabalho a fazer. Mais nos dias de hoje, tem sido movimentado na empresa... - Procurei meu celular dentro da bolsinha que trouxe comigo. "Não ligue para ele", ela governou como se fosse minha mãe. Ele não se opôs, nem nada, na verdade ele me mandou um áud