– Ai, amiga... Não sei, não... Meu pai acabou de falecer e já deve estar se revirando no túmulo só de pensar que eu possa conseguir um emprego na empresa do seu maior inimigo de todos os tempos.
– Relaxa, amiga! Primeiro, porque o inimigo dele já está aposentado e afastado da empresa. Segundo, quem comanda a empresa é o filho dele, que não tem nada a ver com a sacanagem que o Sr. Tom Vanderbilt fez com seu pai. Terceiro, é que você nunca vai nem esbarrar com o Theodore Vanderbilt, porque a sala do CEO fica na cobertura do prédio da empresa e a vaga à qual você vai se candidatar é para ficar no 4º andar da empresa, o que é muito, muito distante, já que são 20 andares de diferença!
– Mesmo assim, Brenda... A empresa leva o sobrenome dele: Vanderbilt Enterprise. Sabe quantas vezes na vida ouvi meu pai xingar os Vanderbilt? Milhões!
– Bom, se seu pai não quisesse você trabalhando para eles, Sara, não deveria ter se afundado em bebidas e jogos de azar nem morrido de repente e deixado de herança uma enorme dívida para você pagar...
Brenda tinha razão. Se eu não aceitasse esse emprego, como pagaria tantas dívidas deixadas por meu pai? Tinha um agiota já no pé dela querendo a devolução do dinheiro emprestado, e esse valor só aumentava a cada dia. Deus me livre pensar no que um agiota é capaz de fazer para não ter prejuízo. Me dava arrepios só de imaginar.
Paramos em uma cafeteria que ficava na esquina da Vanderbilt Enterprise. Estava lotada, mas eu precisava de uma dose dupla de café se eu fosse entrar naquela empresa que levava o sobrenome do arqui-inimigo do meu recém-falecido pai. Que saudade eu sentia dele! Podia não ser o melhor pai do mundo, mas era esforçado. Desde quando minha mãe morreu no meu parto que ele teve toda a sua vida virada de ponta a cabeça. Imagina perder o amor da sua vida e ainda ficar sozinho cuidando de uma recém-nascida, ainda mais sendo pai de primeira viagem. Mulheres costumam ter esse dom do cuidado mais aflorado. Ele não havia tido preparo algum para isso. Ninguém nunca está preparado para a chegada de um bebê, muito menos um pai solo. Foi desde então que começou a beber e se meter com jogos de azar. No fundo, me sinto culpada por ele ter tido essa vida infeliz. Não foi à toa que infartou tão jovem, aos 52 anos.
Minha vez na fila havia chegado. Agora, mais do que nunca, eu precisava de um balde de café. Pedi o maior do cardápio. Puro e preto. Me arrependi logo que a atendente falou o preço. Ali em Boston, especialmente em Back Bay, o preço das coisas era um absurdo, muito diferente de Medford, cidade em que eu vivia. Brenda pegou um menor para evitar o vício e o gasto em excesso. Saímos da cafeteria e fomos em direção à portaria da Vanderbilt Enterprise.
Estávamos caminhando em silêncio. Brenda notou que eu estava perdida em meus pensamentos e achou melhor não interromper. Ela sabia como os últimos dias tinham sido difíceis para mim. Meu pai era a única família que eu tinha. Os parentes da minha mãe se afastaram depois do falecimento dela. Culparam meu pai por não ter levado minha mãe mais cedo para a emergência quando começou o trabalho de parto. Mas meu pai me contava histórias sobre minha mãe e sempre reforçava como ela era teimosa e que eu havia herdado essa teimosia dela. Ele dizia isso com um sorriso no canto dos lábios. Eu sabia que eu era o orgulho do meu pai, a única coisa que havia dado certo na vida dele. Porém, os parentes da minha mãe não acreditaram quando ele disse que insistiu para levar Diana assim que começaram as contrações, mas ela continuava dizendo que era cedo demais e que não queria ficar tanto tempo assim no hospital. Quando ele percebeu que ela estava ficando muito pálida e com muitas dores, parou de obedecê-la e a colocou no carro à força. Os médicos disseram que se ele tivesse demorado mais 5 minutos, além de perder minha mãe, também teria me perdido. Devo minha vida a ele duplamente.
Os saltos estavam me matando. Fazia tempo que eu não usava uma roupa social. Estava acostumada a trabalhar de casa, como escritora freelancer. Meu uniforme preferido era pijama e chinelo. E para melhorar meu dia, eu tinha sempre uma grande caneca de café a tiracolo. Meu pai garantia que a garrafa térmica estivesse sempre abastecida. Nossa! Como sinto a falta dele.
Estava difícil me concentrar em meus pensamentos com aquela saia do terninho feminino que a Brenda me emprestara subindo acima do meio das minhas coxas. Será que existiam terninhos confortáveis? Pelo visto, se eu fosse aprovada para a vaga, teria que usar muito esse tipo de roupa. Teria que parcelar tudo no cartão de crédito que ainda me restara e ir pagando com o valor do salário que eu recebesse.
De repente, bati forte contra alguma coisa e vi meu café duplo virar da minha mão e cair em meus seios, ensopando a camisa branca social que Brenda também me emprestara. Minha atenção saiu rapidamente dos meus pensamentos e focou naquela muralha de terno azul bem à minha frente. De onde ele havia surgido?
– Ahhhhh... Olha o que você fez! Não olha por onde anda? Além de ter me queimado, você arruinou a roupa que eu iria usar agora em uma entrevista para um emprego que eu preciso muito! – vociferei sem pensar contra o rapaz que estava tão perto que eu nem conseguira ver seu rosto, já que era bem alto.
Ele deu dois passos para trás, olhou dentro dos meus olhos com aquele olhar hipnotizador, e disse calma e pacientemente, mas com muito sarcasmo:
– Eu que deveria olhar por onde ando? Você que bateu em mim enquanto eu estava passando para ir até meu carro. Estava tão distraída que nem sei como conseguiu andar a rua toda sem bater em nada até agora – rosnou ele. – Sinto muito por ter arruinado sua roupa, mas a culpa foi toda sua! – Aumentou a voz ao se referir que a culpa era minha.
Meu sangue ferveu e fiquei cega de ódio por um instante. Dei um passo à frente para enfrentá-lo, apesar de ser bem mais baixa que ele, em meus 1,60 m. Parei ao sentir a mão de Brenda apertar meu braço e me puxar para trás. Minha amiga estava tão pálida e nervosa que, por um momento, esqueci minha raiva e lembrei que eu estava fazendo um escândalo na frente da empresa em que ela trabalhava. Fiquei vermelha na hora, respirei fundo e soltei entredentes:
– Peço desculpas pelo acidente, senhor.
Acidente? Estava era no mundo da lua... Ouvi o cara de terno dizer baixo ao se virar e seguir caminhando. Respirei fundo para não voar no pescoço dele e esganá-lo. Fui me acalmando e minha visão foi deixando de ficar turva de raiva. Agora eu conseguia ver com mais clareza a cara de pânico de Brenda. Olhei por trás dela, na direção do canalha que me queimou e fez eu desperdiçar todo o meu café. Mesmo de costas era um homem que chamava atenção. As mulheres ao seu redor quase quebravam o pescoço para olhar para ele passando.
Ele parou no meio-fio e, em frente a ele, parou uma Mercedes preta lustrosa, linda. O motorista desceu e abriu a porta de trás para o homem que derramou meu café. Ele parou diante da porta aberta e olhou para trás, na minha direção. Minha respiração parou. Aquele não era um homem qualquer. Tinha as feições de um deus grego esculpido à mão por Deus. Seus olhos eram de um verde tão potente que eu conseguia enxergar sua profundidade mesmo de longe. Aquele queixo quadrado era a perdição de qualquer mulher. Ele, ainda sério, balançou a cabeça negativamente, entrou na Mercedes e o motorista fechou a porta. Não dava mais para vê-lo por detrás daqueles vidros escuros.
Brenda entra no meu campo de visão e grita:
– Você ficou MA-LU-CA? – falou pausadamente para que eu percebesse o tamanho da minha burrada. – Aquele com quem você acabou de gritar era simplesmente Theodore Vanderbilt, CEO e filho do fundador da empresa para a qual você está prestes a fazer uma entrevista para a vaga de assistente de gerente.
Meu coração parou por alguns segundos. Aquela era a chance da minha vida e eu havia acabado de arruiná-la.
Que dia estressante! Liguei mais uma vez para o meu pai e disseram que ele não queria falar comigo. Desde que resolvera se aposentar que andava muito esquisito. Se isolou na fazenda da família que ficava no interior da cidade e não atendia mais minhas ligações. O sinal do celular não pegava bem lá, então eu ligava para o fixo, só para ouvir algum dos empregados me dispensar a pedido de meu pai. Já fazia 2 meses que eu não tinha nenhum contato com ele. Droga! Dei um soco na mesa e algumas coisas saíram do lugar. Eu estava à beira de ter um colapso. Ouço uma batida tímida à porta e vejo-a se abrir lentamente. Denise, minha mais nova assistente, apareceu só com os olhos, deixando o restante do corpo protegido atrás da porta. – Senhor Vanderbilt, o rapaz do aplicativo chegou. Devo mandá-lo entrar? – Denise, eu mandei você cancelar TO-DAS as minhas reuniões de hoje! Como você quer deixar alguém entrar agora? Você está de brincadeira comigo? – gritei a todo pulmão. A porta se fechou imed
Passei no balcão de entrada da Vanderbilt Enterprise para fazer minha identificação. Não acredito que eu iria para uma entrevista naquele estado deplorável. Até na foto de cadastro ficou registrada a blusa toda manchada de café. Que vergonha!Brenda foi entrando na frente porque já estava atrasada, depois daquela confusão que causei. Acho que ela nunca mais vai me perdoar, mesmo eu insistindo em dizer que CEO não costuma conhecer seus funcionários e nem devia saber que ela trabalhava lá. Brenda afirmou que ele conhecia todo mundo da empresa, mesmo não sabendo exatamente os nomes. Acho muito difícil um cara com a responsabilidade e falta de tempo dele se importar em saber quem são as pessoas que trabalham para ele.Recebi o crachá para entrar e fui direto para o quarto andar. Será que isso foi um castigo do meu pai por eu estar aqui tentando uma vaga na empresa do seu inimigo? – pensei comigo. Não viaja, Sara. Seu pai tem mais o que fazer agora do que vir aqui só para te castigar por a
Entrei na loja e me deparei com um lindo vestido vermelho em uma manequim que estava bem no centro da loja de luxo. Uma vendedora loira, magra, com uma maquiagem leve, apenas para realçar sua beleza de 20 e bem poucos anos, veio em minha direção.– Posso lhe ajudar, Senhor Theodore?Ela me conhecia das outras tantas vezes que eu fora lá para comprar um presente para alguma namorada. O fato é que eu trocava tanto de namoradas que eu estava sempre por lá comprando algum presente para a mais recente felizarda. Apesar de já estar aflorado em mim o desejo de construir uma família, não conseguia encontrar uma parceira com quem eu realmente almejasse o tal “para sempre”.– Olá, Lorena! Vou querer este para presente. – Indiquei o manequim com o exuberante vestido vermelho.Pensar naquela pequena Pinscher vestindo aquela peça fez meu membro latejar. Fazia tempo que meu amigo não era usado. Eu havia desistido de ficar saindo com essas modelos que só estavam interessadas no meu status e dinheiro
Pensei que eu fosse desmaiar bem ali. Minhas pernas ficaram fracas e senti o sangue sumir do meu corpo. Tudo o que eu menos precisava era virar assistente do filho do grande inimigo do meu pai. Tom Vanderbilt tinha acabado com a vida da gente. Ele fez meu pai perder o sonho da sua vida e se manter para sempre como um simples professor de empreendedorismo inovador, que nem um negócio próprio tinha – quanta hipocrisia! Isso o revoltou ainda mais. Deixou-o com “uma mão na frente e outra atrás” logo no momento mais importante de sua vida. Tom fechara negócio com os empresários e o deixara de fora do esquema, recebendo sozinho a mais do que generosa comissão pelo contrato firmado de fornecer transporte de qualidade e a baixos custos para facilitar a importação de produtos da Itália, projeto que tinham elaborado juntos nos últimos anos. Era um contrato milionário, e seu sócio o excluíra por puro egoísmo e ambição. Tom, que se dizia o seu melhor amigo, simplesmente virara as costas para ele
Meu pai continuou contando sobre aquele dia fatídico. Disse que acordara animado para a reunião. Diana foi para uma entrevista de emprego, e ele estava se aprontando para ir para a reunião que poderia mudar tudo para eles. Chegaria mais cedo do que o acordado com Tom, pois estava ansioso e não aguentaria ficar mais tempo naquele apartamento vazio, sem ter ninguém com quem desabafar seu nervosismo.Valter foi pegar o celular, que deixara carregando a noite toda. Droga! Viu que o fio não estava encaixado direito e restavam só 10% de bateria. Mas, não tinha problema. Levaria o carregador e carregaria lá no coworking quando chegasse. Até a hora da reunião, já estaria com a bateria cheia.Nesse momento, seu telefone tocou. Atendeu rápido com medo de a bateria acabar e ser algo importante. Era do Lawrence Memorial Hospital. Sentiu a espinha gelar. O que poderia ter acontecido?– Por favor, fale logo do que se trata, a bateria do meu celular está acabando – suplicou Valter.– Sr. Walker, aqu
Senti as mãos grandes e braços musculosos me segurarem por trás e me levarem até o sofá, que ficava em um canto do escritório. Fiquei grata internamente por aquele suporte, pois achei que realmente desmaiaria bem ali, na frente do CEO. Apesar de arrogante, ele até que foi gentil neste momento. Bati os olhos num porta-retrato que estava bem em cima da mesinha de centro, de vidro, que ficava em frente ao sofá de couro caramelo onde Theodore a havia sentado. Meu coração parou por um instante, junto com minha respiração. Era uma foto de Tom Vanderbilt ao lado de uma versão mais jovem de seu filho. Nesta, ele não estava com os olhos furados, mas dava para identificá-lo muito bem. Theodore puxara os olhos dele, agora podia perceber. De repente, caiu em si.– Tire suas mãos de mim! – vociferei, ainda sentindo muito de perto o calor daqueles braços torneados.– Sua ingrata raivosa! Eu estava tentando te ajudar. Você estava prestes a cair dura bem no meio da minha sala – explodiu ele e se afast
Apesar de não querer tocar em Sara devido ao turbilhão de sensações que ela me causava, foi inevitável. Se eu não a segurasse, cairia bem no meio do meu escritório. Apoiei-a com uma mão em suas costas e outra segurando sua mão, direcionando-a ao sofá, para que pudesse repousar. A pele nua das costas em contato com minha mão fazia-me queimar de desejo, querendo descer e tocar seu corpo inteiro. Precisava ser rápido ao colocá-la no sofá, caso contrário, ela acabaria vendo o tamanho do meu desejo através da minha calça, que agora pulsava. Ao sentá-la, fiquei muito próximo do pescoço de Sara, pois o cabelo dela estava preso em um coque formal. Aquele pescoço à mostra me fazia querer beijá-lo de leve, até que todo o corpo dela se arrepiasse em antecipação. Podia ficar horas naquele pescoço, beijando-o e sentindo aquele perfume doce que era só dela. Depois subiria meus dedos por sua nuca, por debaixo dos cabelos e os puxaria para trás, gentilmente, mas com firmeza, fazendo-a arquear o corpo
Aaaargh! Que homem insuportável e mandão! Não acredito que acabou de me obrigar a aceitar ir visitar o pai dele, o maior inimigo de seu pai, única família que lhe restara e que acabara de deixá-la. Valter, definitivamente, devia estar se revirando no túmulo de tanta decepção da filha. Eu sentia como se estivesse traindo a única pessoa que nunca me abandonou, que esteve ao meu lado em tudo, momentos bons ou ruins. Como eu odiava aquele Vanderbilt filho, do mesmo modo como cresci odiando o pai e o avô dele. Deus me livre lhe passar meu endereço. Aí ele, no mínimo, desconfiaria de quem eu era filha, meu segredo seria revelado e perderia o único emprego que me permitiria pagar mais rápido as dívidas deixadas pelo pai. Era uma família de esnobes, que achava que podia comprar as pessoas.O próprio pai do Tom, depois da traição toda, quis recompensar meu pai com algumas migalhas de dinheiro. Meu pai, orgulhoso demais, jamais aceitou. Naquele dia em que ligou para o amigo, para contar o motiv