— Meu irmão pode estar morrendo lá fora! – Ela se justificou, batendo os pés em direção ao primeiro armário que encontrou.
Apesar das coisas serem completamente diferentes em sua vila, Lívia não demorou a perceber que eles estavam na cozinha de Denis. Ainda havia uma pia, embora tivesse água saindo por uma estrutura de metal brilhosa, ainda havia um fogão, embora Lívia não soubesse onde poderia colocar a madeira, e ainda havia uma mesa, essa sim ela reconhecia sem nenhum problema. Tirando o armário, o resto era tudo novo e ela mal saberia nomear, quanto mais usar.
Mas ela conhecia seu irmão o suficiente para saber que as armas estariam escondidas no lugar de mais fácil acesso. Isso significava que alguma daquelas portas e gavetas estava o que ela precisava para lutar.
— Está tudo bem – ele disse, compreensivo.
Lívi
Hoje era o grande dia pelo qual esperou a vida toda.Não era a única, porém. Milhares de jovens haviam se preparado e ansiado por aquele momento, mas a glória viria para poucos. Apenas algumas dezenas teriam a oportunidade de mudar seu destino para sempre.Lívia olhou pela janela, para o caos que chamava de lar. Não concordava com o tipo de vida que levava naquele lugar, ninguém a merecia. Por isso, havia abdicado de tudo para sair dali.Precisava confessar que parte daquela persistência tinha a ver com Ric.Fechou o zíper de seu macacão de proteção, como todos os dias, nos últimos dez anos. Sua arma radioativa apitou o recarregamento, então ela tirou de seu case e colocou na cintura.Admirou-se no espelho. Dura, fria, quase como aço. Havia anos que se proibira de demonstrar suas fraquezas, como o nervosismo que sentia naquele dia tão impo
— Obrigada, Senhora Astraregi — Lívia disse.A mulher concordou com a cabeça, apenas. A conversa entre as duas havia se reduzido a uma simples troca de sentenças jamais elaboradas, sempre repetitivas, desde que Ric sumira. Lívia entrava na casa aonde Ric cresceu, muitas vezes sem avisar, para fugir dos bombardeios e as duas mantinham-se escondidas durante os longos minutos de explosões para, então, se despedirem, muitas vezes sem nem trocar nada além de um olhar de reconhecimento.Era doloroso, ainda, para as duas.Desta vez, porém, Lívia tinha que falar alguma coisa. Podia ser a última. Devia ser. Ela chegou a abrir a boca para falar sobre Ric, mas nada saiu. A outra mulher observou-a por um momento e sorriu, entendendo a garota.— Boa sorte hoje — ela murmurou, a voz rouca pelo pouco uso. — Ele desejaria isso pra você.Estava sendo um dia dif
Lívia entrou na área aberta do centro de treinamento, depois de enfrentar uma pequena fila, ainda com o sorriso no rosto. Dali, podia-se ver vários outros concorrentes tomando o mesmo caminho que ela, admirando-a com inveja no olhar enquanto ela caminhava, parecendo despreocupada, com a certeza de quem havia ganhado. Ela não tinha essa certeza, na verdade, mas a perspectiva de, mesmo assim, sair daquele lugar, estava dando-lhe um ar muito mais solto do que nos últimos quatro ou cinco anos.Atravessou o campo livre em um piscar, entrando na sala de reuniões onde quase uma centena de jovens já aguardavam por seu destino. Seu coração deu uma pequena fisgada de nervosismo, mas ela tentou parecer confiante com todos aqueles olhares em cima dela.— Leitura habitual – um rapaz aproximou-se dela, ainda na entrada da sala de reuniões, com um aparelho que ela já tentara se acostumar, mas nun
— Aqui estamos. – A diretora anunciou, abrindo a porta. O analisador que a atendera estava lá dentro e ele sorriu ao vê-la. – Volto em meia hora – anunciou.Pela olhada que deu para o rapaz antes de fechar a porta, Lívia sabia que ela estava intencionada a se aproveitar dele.Acabou por entrar na sala com cuidado e um leve temor de suspeita, acostumada a não confiar em nada, admirando como a sala era ligeiramente mais quente e escura que o resto do ambiente do centro de treinamento. A pele de Lívia já emitia um brilho verde, bem fraquinho, devida a radioatividade alta pela qual ela fora exposta durante toda vida. O rapaz, ao contrário, parecia nunca ter sido exposto.A desintoxicação, Lívia pensou.— Você está limpo – disse, quando ele lhe estendeu a mão para que ela apertasse.Lívia não queria que transmitir ma
A segunda projeção escureceu tanto o ambiente em que estavam que Lívia emitiu sua luz esverdeada de forma que nunca emitira antes. Distraiu-se, então, olhando para sua mão por um momento antes de arregalar os olhos para a imagem à sua frente.Era uma nave espacial tão grande, maior do que qualquer coisa que ela já tivera visto e estava bem à sua frente. O pânico, inserido tão profunda e intimamente nela desde àquela tarde em que Ric fora tomado na sua presença, a fez recuar instintivamente até a parede mais próxima.— Está tudo bem? – Jerrade perguntou, estranhando sua fraqueza tão evidente, quando a garota mal demonstrava satisfação.Lívia não dignou-se a responder, continuando a encarar a grande nave espacial com os olhos arregalados. A nave estava pairando em meio ao nada, mas, em uma manobra, giro
A imagem de Globo do Mar foi se afastando, subindo até que Lívia pudesse ver toda a extensão de Esmeralda, o que a fez arregalar os olhos. Nunca em sua vida ela pensara que a floresta pudesse ser tão grande.Ela começava em um estreito, quase no limite com o Norte destruído e descia, abrindo-se em todo o continente, indo até o Sul, onde ela tinha uma versão mais espaçada, mas, ainda assim, ela estava lá. De Norte a Sul, de Leste a Oeste. Esmeralda dominava todo o espaço, tirando pelos pequenos campados e os desmatados para construção das centenas de vilas.“Esmeralda é o que restou de nossa Fauna e Flora, o sobrevivente de tudo que tínhamos, mesmo antes da Grande Guerra. Ela é nosso suspiro de alívio e a nossa melhor amiga na batalha contra todas as adversidades. Nossa função é protegê-la de tudo e de todos que querem-l
Lívia lançou um último olhar a Jerrade, balançando a cabeça em despedida. O rapaz sorriu-lhe e ela conseguiu olhá-lo com descaso, no momento. Assim que a diretora se livrasse dela, iria atacar o rapaz. Isso a enojava.— Boa sorte, soldado Esterfonte – ele disse. – Espero que nos encontremos em breve.Ela concordou com a cabeça, seguindo a diretora para fora da saleta, sem pronunciar uma palavra. Lívia era, de todo, uma pessoa corajosa e forte, mas durante toda a sua vida, ela sabia o que esperar e o que fazer. Se bombas caiam, corria pro proteção e ajudava se alguém precisasse de ajuda para se salvar; se tinha um teste para fazer, dava o melhor de si, sabendo que teria assistência para se curar, caso se machucasse.Aquilo seria diferente. E, mesmo com pavor de admitir para si mesma, estava assustada. Tão aterrorizada que não pudesse conseguir fazer
Lívia aterrissou em um campo do lado de fora das cercas e levantou o olhar a tempo de ver a fina caixa que havia lhe expulsado do centro de treinamento retroceder até voltar a fazer parte da construção.O Sol já tinha chegado ao alto quando Lívia olhou ao redor e percebeu que estava bastante distante das cercas de proteção. Seu medo, criado após o sumiço de Henrique, voltou com força total e ela sentiu sua respiração ficar falhada ao ponto de precisar ajoelhar-se sobre a grama para tentar se controlar.Levada ao esgotamento físico e emocional, deixou lágrimas de medo e saudade escaparem.Medo que não encontrasse Denis, mesmo se chegasse em Globo do mar.Ali, no campo além das cercas, ninguém poderia vê-la sair de sua carapaça dura e inquebrável. Ali, ela era a garotinha assustada que sempre precisara de prote&cc