Amina dificilmente entrava em desespero, mas estava prestes a entrar naquele instante.
O momento era propício a isso. Ela estava caindo e não tinha nenhum controle sobre sua nave.
Mesmo com todo seu treinamento, ela não conseguia escapar do que parecia certo agora.
Não conseguia nem mesmo se comunicar com sua central. Apesar deles terem seus dados, não conseguiam enviar resposta ao seu pedido de ajuda.
_ Merda...
Ela tentava uma resposta aos esforços de controlar a nave que girava desenfreada, caindo em alta velocidade, perdida na imensidão.
_ Merda, merda...
Ela perdeu a calma com as luzes que piscavam frenéticas no painel á sua frente. A luz vermelha nem piscava mais, estava brilhando forte. O resto do painel de instrumentos era uma loucura só.
O mais irritante era o alarme sonoro que não parava, estridente em seu aviso de que havia algo errado.
Como se ela não soubesse disso.
Olhou para o vazio enquanto sua cabine girava sem controle. Era isso, estava sozinha e em dificuldades. Seu coração estava acelerado.
Já tinha passado por alguns problemas antes, mas nada desse jeito.
A nave tremia por completo, o som do metal sendo comprimido e agitado pela força G que provava seu poder.
Tinha sido atrapada em uma chuva de meteoros e foi atingida com tudo. O barulho da pancada era como um aríete no metal, rasgando sua fuselagem e a deixando á mercê da sorte.
De nada adiantava seus xingamentos agora, a nave não a obedecia. Viu que a força gravitacional a puxava para algo que era o temor de todo piloto.
Um buraco negro.
Apertou os lábios. Não sabia o que fazer diante de sua atração que já capturara sua nave e a sugava para seu interior.
Suas mãos suavam enquanto se moviam agitadas, seus olhos passavam de um painel para outro e seu corpo sacolejava.
Suspirou e ligou o diário de bordo fazendo uma breve descrição do que estava acontecendo com ela e apertou a tecla de enviar, esperando que a mensagem chegasse ao seu destino, que era sua base antes.
Tinha feito tudo o que seu treinamento a preparara, mas nada estava funcionando e o que lhe restava era a sorte.
Tinha treinado para momentos como este, mas a teoria é muito diferente da prática.
Respirou fundo e empurrou a alavanca, aumentando sua velocidade ao máximo em direção ao centro do buraco negro que puxava também os meteoros que a haviam feito cair e tudo mais que estava dentro de sua força de atração.
_ Pelo amor dos deuses... Que não se parta - murmurou.
Segurou com força na alavanca e puxou o cinto que a prendia á cadeira para ficar bem segura. Já estava com o capacete de alta tecnologia que protegia sua cabeça de qualquer pancada.
A nave tremeu forte, as luzes se apagaram e o alarme se calou. Começou a girar em uma espiral descontrolada e apesar de seu treinamento, ela sentiu a cabeça girar e ficou tonta. Enjoada até.
Xingou, sabendo que acabaria desmaiando. Seu coração disparou diante do desconhecido.
Ainda chegou a pensar que se tivesse seguido os desejos do pai ela não estaria ali. Seria médica e teria uma vida tranquila.
Mas ela gostava de aventura, gostava de voar e amava o espaço. Jamais poderia ficar em terra, parada, trabalhando em algo normal.
Ainda mais como seu pai queria, que escolhesse um companheiro e tivesse muitos filhos. Uma vida comum.
Começou a sentir a pressão empurrá-la contra a cadeira, apertando seu peito e dificultando sua respiração. Em poucos momentos iria perder a consciência, ela sabia.
De repente a nave parou de girar e foi descendo em queda livre e rápida, muito rápida. Uma luz ao longe que era só um ponto começou a aumentar. Ela lutava para respirar.
De súbito as luzes se acenderam de novo e o painel voltou a piscar como louco em vários pontos. Os ponteiros do mostrador estavam doidos, girando alucinados enquanto os números iam passando descoordenados.
Seu corpo foi ficando mole e sua cabeça pendeu para a frente. Antes de perder de vez os sentidos ela apertou o botão do piloto automático, contando que a sorte a ajudasse.
Era tudo o que ela tinha agora. Fé de que as coisas dariam certo.
Se ainda estivesse funcionando como deveria, a nave escolheria um local para tentar o pouso que não fosse habitado e causaria um dano menor.
Assim esperava. Uma voz metálica se fez presente com um aviso que ela já esperava.
“Atenção, perigo. Preparar para emergência. Protocolos acionados”
Talvez sobrevivesse a uma colisão e pudesse encontrar um modo de esperar até que alguém da central a achasse.
Precisava de muita sorte. Seus olhos se fecharam e sua mente teve um último pensamento antes dela apagar.
Quantos filhos ela teria se tivesse sido médica? Se tivesse ficado, teria encontrado um bom companheiro?
Por puro instinto ergueu a mão na frente do rosto quando a luz branca a envolveu e piscou rápido. Prendeu a respiração e se deixou levar.
*******
Carlo estava sentado em sua cadeira de balanço preferida na varanda da cabana.
Bebia uma caneca de chocolate quente enquanto se balançava devagar, observando o céu noturno, algo que gostava de fazer desde pequeno.
Há dias vinha fazendo aquilo desde que as aulas haviam sido suspensas na faculdade.
Uma pandemia assolava os países, que se fecharam na tentativa de diminuir o impacto da contaminação que já tirara a vida de milhões ao redor do mundo.
Uma tentativa que contava com a boa vontade das pessoas, o que não ocorria, infelizmente.
Parecia muito difícil entender as consequências de uma escolha errada.
Apesar de tanta coisa ruim, muitos continuavam com a vida como sempre e não ouviam o que as autoridades diziam.
Era como se a insanidade fosse a principal pandemia.
Embora, muitas vezes era até melhor não ouvir mesmo o que diziam as autoridades, visto que muitos dos que deveriam fazer o certo, davam ainda mais exemplos errados. Principalmente os políticos.
Eram tempos estranhos.
Ele tinha um apartamento na cidade, mas desde que anunciaram do fechamento de praticamente tudo no país e a obrigação do uso de máscaras, luvas e outros procedimentos de segurança, ele resolveu que se era para se isolar, o melhor lugar seria sua cabana que ficava estratégicamente no alto de uma montanha, quase que isolada mesmo.
A vizinhança era pouca no local, as casas eram distantes e a cidade mais próxima ficava a alguns quilômetros mais adiante.
Se preparou, organizou tudo e avisou aos amigos e ao pai que se recolheria na cabana.
Ainda não estava definido o retorno ás aulas e nem sobre como seriam as aulas virtuais. Ainda havia uma confusão sobre o assunto.
Só podia esperar pelo melhor.
A chuva pesada estava carregada de raios que criavam um espetáculo sem igual, que só a natureza poderia criar e ele estava no melhor lugar para presenciar isso. O chocolate o aquecia. A chuva não seguia uma direção e com os ventos fortes suas pernas estavam molhadas até os joelhos, mas ele não se importava. A beleza dos raios cortando o escuro fazia valer a pena. Com os trovões e raios logo ficaria sem energia. Já sabia como era e mantinha um estoque de fósforos, velas e lampiões de querosene. Também tinha lanternas e pilhas. Não era a primeira vez que se isolava na cabana. O lugar era seu refúgio. Tinha todo o tempo do mundo para ficar ali. Descansaria,
Apalpou com cuidado seus braços e pernas, procurando por fraturas. Sua coluna e pescoço pareciam bem. Não poderia deixá-la ali, tinha que arriscar movê-la ainda que não fosse o ideal. Voltou ao carro e pegou um cobertor que deixava no banco de trás. Embaixo do banco ele tinha um estojo de primeiros socorros. A cobriu e limpou com cuidado o sangue, do jeito que dava com aquela chuva, depois colocou uma gaze no corte. Quando tentava levantá-la, ela piscou abrindo os olhos, virando o rosto para ele. _ Ainda bem... Graças a Deus que voltou a si - disse preocupado. Tentava acalmá-la e a ele mesmo. Tinham que sair da chuva logo.
Carlo dormiu pouco durante a noite. Estava preocupado com a garota. Com cuidado redobrado ele a colocou na pick-up e a levou para casa, evitando ir muito depressa por causa dos solavancos. Queria lhe dar um banho, mas ficou com medo de piorar sua situação. Retirou a roupa que ela vestia, um macacão azul e botas pretas. Estava encharcada e infelizmente ele teve que retirar as roupas de baixo também. Usava uma camiseta fina branca e uma calcinha que parecia um shortinho, branca também. Limpou os ferimentos e buscou com atenção se havia algo quebrado. Tentou não notar como ela era bonita depois de limpa. Agora não era o momento de
Era uma arquitetura comum na Terra e tinha um ar aconchegante. Apesar disso, ela precisava descobrir onde estava realmente. Carlo entrou na sala e a viu sentada. Se aproximou. _ Que bom, acordou - parou ao lado do sofá com uma bandeja nas mãos. Ela levantou o rosto para olhá-lo e agora sim ele podia ver bem seus olhos cinza. Sorriu de leve. Não queria deixá-la nervosa. Parecia confusa ainda e sua postura mostrava um pouco de indecisão e timidez. Talvez uma certa desconfiança, o que era perfeitamente normal. _ Estava muito preocupado com você - colocou a bandeja na mesinha em frente ao sofá. Sentou
Ela concordou com um suspiro. Sua cabeça doía. Ter levantado depressa e ido atrás dele não tinha sido boa ideia. Ainda se sentia um pouco mole e detestava se sentir assim. Há muitos anos ela não ficava doente e fraca. “Há quanto tempo”? Não tinha certeza agora, não se recordava de certo as coisas. Sabia que teria que esperar até que as imagens voltassem a encher sua mente de novo. Mas sabia que adoecer era algo difícil e raro para ela. Em breve lembraria. Ainda estava apagada de sua lembrança, como ela tinha ido parar ali. Sabia que deveria estar em outro lugar, só não sabia onde. Pelo menos ainda não.
Ela o olhou sério. _ Você vai morrer? - se espantou. _ Espero que ficando aqui, não. Carlo explicou a ela sobre a pandemia de Corona vírus e ficou surpreso dela não saber sobre isso. _ Você é pilota das forças armadas? _ Não - pensou um pouco _ Mas sou pilota. _ Lembra-se disso? _ Sim... Mas não sou das forças armadas. _ Como sabe? _ Só sei - torceu os lábios.
Quando Amina despertou já estava escuro de novo. Mexeu a cabeça devagar. A cama era muito gostosa e tinha um cobertor por cima dela. Seu ombro já não doía e tocando a boca percebeu que ainda estava inchada, mas não como antes. Olhou pela janela. A chuva continuava, mas agora batia mais branda contra a janela e descia pelo vidro, deixando marcas. A porta do quarto estava aberta e a luz do corredor entrava, formando uma imagem espelhada da proteção da escada que descia. Voltou a fechar os olhos, reconfortada pelo calor da coberta. *******
Tinha que manter seu controle e não sucumbir ao desespero de descobrir que estava longe demais de sua casa. Muito longe mesmo. Não deveria nem estar naquela galáxia. _ Amina? - a segurou _ Está tonta? _ Um pouco. Mentira. Estava muito tonta, mas com tudo o que estava acontecendo a ela agora. Sentiu o estômago embrulhar. _ Quer beber alguma coisa? - ele esboçou um sorriso _ Deve estar com fome. Dormiu o dia inteiro. _ Quero café - queria provar da bebida de novo. O cheiro e o sabor a agradaram. _ Não vou lhe dar mais café. Trarei um chá de camomila. É muito bom e relaxa.
Último capítulo