Era uma arquitetura comum na Terra e tinha um ar aconchegante. Apesar disso, ela precisava descobrir onde estava realmente.
Carlo entrou na sala e a viu sentada. Se aproximou.
_ Que bom, acordou - parou ao lado do sofá com uma bandeja nas mãos.
Ela levantou o rosto para olhá-lo e agora sim ele podia ver bem seus olhos cinza. Sorriu de leve. Não queria deixá-la nervosa.
Parecia confusa ainda e sua postura mostrava um pouco de indecisão e timidez. Talvez uma certa desconfiança, o que era perfeitamente normal.
_ Estava muito preocupado com você - colocou a bandeja na mesinha em frente ao sofá.
Sentou ao lado dela e pegou sua mão com delicadeza, sentindo seu pulso, sorrindo para ela enquanto examinava sua feição agora que estava acordada.
E a achou mais bonita ainda.
Amina gostou do toque suave em seu pulso e do sorriso. Ele não parecia em nada ameaçador.
Sentiu seu cheiro e gostou, meio cítrico. O cabelo estava penteado agora e seus olhos eram de um castanho brilhante.
Mirou seu queixo e sem perceber cutucou o furinho atraente. Ele riu fazendo um som engraçado.
_ Se sente melhor? - mexeu no cabelo dela.
Ela olhou os movimentos da boca dele e agora já captava seu idioma nativo. Ainda assim tocou novamente seu pescoço embaixo do queixo para sentir a vibração.
_ Onde estou? - perguntou firme.
_ Na minha casa na montanha.
Ele mexeu as sobrancelhas, achando estranho e engraçado também ela segurar sua garganta.
_ Quem é você?
_ Meu nome é Carlo Fernandez - continuou sentindo seu pulso, depois tocou seu rosto, puxando as pálpebras e abrindo seu olho _ Quantos dedos tem aqui na sua frente?
_ Um... - olhou para a mão dele _ Agora três... Um de novo - franziu a testa. Sabia que era um teste.
_ Certo... E você pode me devolver minha garganta? - sorriu.
Ela retirou a mão o encarando.
_ Vê bem meu rosto?
_ Vejo sim - cutucou de novo seu queixo _ E você tem um buraco no queixo.
_ Desde que nasci - riu.
_ Eu gosto. É... É bonito.
_ Obrigado - meneou a cabeça.
Ele gostou de ouvir o elogio. Há anos ninguém o chamava de bonito. De inteligente, boa pessoa, competente e coisas assim era mais fácil de ouvir.
_ Seu nome é Amina, não é?
Ela tocou a cabeça piscando rápido.
_ É... Amina Fiuzza.
_ Não forçe, você bateu a cabeça.
_ Estou sentindo - suspirou.
_ Tem fome?
Pegou a xícara de café e passou com cuidado para ela.
_ O que é isso? - olhou o líquido escuro e a fumaça que saía _ Cheira bem.
_ É café - riu _ Quer leite? Ou prefere um suco, talvez? Posso pegar para você.
_ Café? - arregalou os olhos.
Ela pegou a xícara das mãos dele e tomou um gole de vez e quase derrubou tudo.
_ Calma, está quente - tomou a xícara de volta.
_ Já percebi - ela murmurou fazendo uma cara engraçada _ E queimou minha garganta. Não sabia que era tão quente assim.
_ Desculpe, deveria ter avisado.
Bem, a culpa não era dele. Ela sempre quis provar a bebida, mas nunca fôra possível, apesar de saber que era boa.
_ Se esperar um pouco pode beber.
_ Por que me trouxe aqui?
_ Fiquei agoniado para tirar você da estrada e não tinha como levá-la a um hospital grande - explicou enquanto trocava o curativo _ Chovia muito e esqueci de ligar para a polícia para avisar. Mas creio que a queda de um avião tenha chamado a atenção de todos por aqui. De certo alguém deve ter avisado.
_ Um avião? - não entendeu.
_ Sim... Não se recorda? - ele ficou um pouco preocupado _ Só espero que não tenha perdido a memória. Ás vezes uma pancada na cabeça pode prejudicar um pouco a memória - ajeitou seu cabelo atrás da orelha _ Teve muita sorte. Poderia ter sido fatal.
_ Ainda bem que não. Eu não gostaria de morrer.
Ele achou engraçado.
_ O celular está sem sinal e não tenho rádio comunicador ou um telefone fixo aqui na cabana. Mas quando tiver sinal de novo ligarei para um médico. Também é bom chamar a polícia.
No caso dela não seria bom. Não antes de saber mais sobre o lugar e encontrar sua nave para sair dali e voltar para casa.
_ O que diz... Celular?
_ Aqui - levantou e pegou o celular _ Vê? Está sem sinal, deve ser por causa da chuva pesada.
_ Ah, seu comunicador.
Ele riu. Ela falava engraçado e parecia um pouco alheia ás coisas em volta.
_ De onde veio? Gosto de saber sobre as pessoas que resgato - brincou.
_ E resgata muitas?
_ Não - balançou a cabeça _ Já resgatei cinco gatos e dois cachorros. Você é a primeira mulher.
_ Que bom pra mim - sorriu de leve.
_ E então? De onde é?
Ela mexeu a cabeça. Estava tudo branco em sua mente.
_ Não sei... - tocou a testa _ Não me lembro...
_ Tudo bem, não fique preocupada. Isso pode acontecer.
Ela não podia ter esquecido, era só uma tontura, é claro.
_ Aos poucos tudo fica mais nítido - pensou na burrice de não ter um rádio na cabana para algo que precisasse, seu pai sempre lhe dizia para ter _ Coma um pouco - pegou um pratinho _ Esses pãezinhos são de queijo, comprei na cidade lá embaixo.
_ Onde estamos?
_ Na montanha. No meio dela, na verdade. Estamos há seiscentos e sessenta e três metros de altura acima do nível do mar.
Ela mordeu um pão de queijo cheio de recheio e fez um som de satisfação. Ele gostou e foi para a cozinha preparar algo mais para eles comerem.
Gostaria de saber de onde ela viera. Não tinha documentos, que por certo deviam estar nos escombros.
Voltou para lhe perguntar e estava deitada de novo. Deixou que dormisse um pouco mais e voltou para a cozinha.
Ela poderia ter marido e filhos a esperando, mas não viu nenhuma aliança. Talvez pais e amigos preocupados com sua demora.
Iria ligar a tevê depois e ver se havia alguma notícia sobre a queda de um avião.
Era possível que estivessem já procurando por ela. Não era algo que demorassem a fazer.
Mexeu bem os ovos e colocou um pouco de tempero e queijo como ele gostava. Aumentou a chama da boca onde estava o cuscuzeiro e colocou a frigideira pequena para esquentar.
Quando se virou para pegar o bacon em cima da mesa, se assustou.
Sua recém resgatada e nova paciente estava encostada na porta da cozinha o olhando.
_ Amina! - foi até ela _ Não deveria ter levantado.
_ Queria mais, estou com fome - devolveu o pratinho.
E caiu.
Sua vista ficou escura e só ouviu o barulho da porcelana se quebrando. Ao abrir os olhos o rosto dele estava em cima dela e ele xingava lhe dando tapinhas na bochecha.
_ Se estou machucada, por que me bate? - murmurou.
_ Por Deus... - a envolveu com os braços _ O que faz aqui, garota?
Carlo não queria prestar atenção no detalhe de que ela estava nua no chão de sua cozinha.
Suprimiu o interesse que fez sua pele arrepiar quando se apressou para segurá-la antes que batesse a cabeça outra vez.
Ela passou os braços por seu pescoço e ele segurou em suas costas, passou o braço por baixo de suas pernas, mirando seus olhos cinza para não descer até os seios descobertos, que para ela não parecia incomodar a exposição em nada.
Para ele, sim.
_ Desculpe, quebrei seu prato.
Ele não ligava para um simples prato, mas sim para a mulher em seus braços. Ele se ergueu a levando nos braços.
Amina não pesava muito, era magrinha, porém com curvas.
_ Tudo bem, tenho outros.
Ele percebeu um pequeno sorriso que passou por seus lábios. Ela parecia se divertir de certa forma.
_ Ainda não está forte o suficiente para sair caminhando pela casa. Tem que esperar por mim.
_ Nunca esperei por macho nenhum.
_ Macho? - ele riu _ Fique aqui. Vou ver se acho algo para você usar e se cobrir - a deixou no sofá.
_ Meu corpo o incomoda?
_ Não... De forma alguma - ficou um pouco sem jeito. Ela deitou de novo _ Não saía daí, eu já volto.
_ Está bem.
Ela concordou com um suspiro. Sua cabeça doía. Ter levantado depressa e ido atrás dele não tinha sido boa ideia. Ainda se sentia um pouco mole e detestava se sentir assim. Há muitos anos ela não ficava doente e fraca. “Há quanto tempo”? Não tinha certeza agora, não se recordava de certo as coisas. Sabia que teria que esperar até que as imagens voltassem a encher sua mente de novo. Mas sabia que adoecer era algo difícil e raro para ela. Em breve lembraria. Ainda estava apagada de sua lembrança, como ela tinha ido parar ali. Sabia que deveria estar em outro lugar, só não sabia onde. Pelo menos ainda não.
Ela o olhou sério. _ Você vai morrer? - se espantou. _ Espero que ficando aqui, não. Carlo explicou a ela sobre a pandemia de Corona vírus e ficou surpreso dela não saber sobre isso. _ Você é pilota das forças armadas? _ Não - pensou um pouco _ Mas sou pilota. _ Lembra-se disso? _ Sim... Mas não sou das forças armadas. _ Como sabe? _ Só sei - torceu os lábios.
Quando Amina despertou já estava escuro de novo. Mexeu a cabeça devagar. A cama era muito gostosa e tinha um cobertor por cima dela. Seu ombro já não doía e tocando a boca percebeu que ainda estava inchada, mas não como antes. Olhou pela janela. A chuva continuava, mas agora batia mais branda contra a janela e descia pelo vidro, deixando marcas. A porta do quarto estava aberta e a luz do corredor entrava, formando uma imagem espelhada da proteção da escada que descia. Voltou a fechar os olhos, reconfortada pelo calor da coberta. *******
Tinha que manter seu controle e não sucumbir ao desespero de descobrir que estava longe demais de sua casa. Muito longe mesmo. Não deveria nem estar naquela galáxia. _ Amina? - a segurou _ Está tonta? _ Um pouco. Mentira. Estava muito tonta, mas com tudo o que estava acontecendo a ela agora. Sentiu o estômago embrulhar. _ Quer beber alguma coisa? - ele esboçou um sorriso _ Deve estar com fome. Dormiu o dia inteiro. _ Quero café - queria provar da bebida de novo. O cheiro e o sabor a agradaram. _ Não vou lhe dar mais café. Trarei um chá de camomila. É muito bom e relaxa.
_ A Terra pode vir a ser um mundo seco e deserto como Marte - disse pensativa _ Ele perdeu seu campo magnético e as correntes de vento solar, fazem com que perca sua atmosfera. Ele se mexeu no sofá, curioso e interessado no que ela dizia. _ As partículas carregadas que são liberadas do Sol... O vento solar... Interagem com a atmosfera do planeta e criam uma magnetofesra que... Sabe o que é isso, não é? _ Sei sim - sorriu de leve _ Magnetosfera é a região exterior de nossa atmosfera e que nos protege de tempestades magnéticas e partículas carregadas que podem interferir em satélites, bússolas, radares - mexeu o ombro. _ Isso mesmo - ajeitou o cabelo atrás da orelha _ E quase todos os planetas têm a sua. Pois em Ma
_ Sei, claro - deu de ombro _ Que me lembre é uma região no espaço que o campo dele é tão forte que nada consegue escapar, nem mesmo a luz. _ Pois então, cheguei a pensar que tudo se repetia. _ Sua cabeça está doendo? - estranhou. _ Não muito. Me sinto melhor do que antes - suspirou fundo _ Foi só um sonho que tive e quando abri os olhos me encontrei no escuro de novo. _ Bem, sinto muito - tocou seu joelho _ Isso costuma acontecer por aqui. _ Que atraso - se recostou na cabeceira. _ É uma cabana, em uma montanha. Não sei que milagre a região tem energia.
Quando Amina acordou já era manhã. Ela estava na cama, o que indicava que Carlo a trouxera após pegar no sono no sofá. Se sentia bem melhor, quase normal. Não de todo, porque levando em consideração os fatos, ela nem mesmo havia nascido, portanto nem deveria estar ali. Mas estava. Ela já desistira da ideia de que era tudo um sonho. Se fosse ela estaria em um hospital rodeada de pessoas. Mas estava sozinha na casa de um macho, em outro planeta, outra galáxia. Já tinha lido sobre acontecimentos parecidos quando estava na academia de treinamento. Sorriu. Lembrava da academia
Pegou um tubo escrito creme dental. O cheiro era bom, cítrico. Na noite passada ela vira uma família na televisão usando creme dental e eles pareciam felizes com o ato simples de limpar os dentes. Pegou a escova que ele lhe mostrara e apertou o tubo espalhando o creme por todas as cerdas. Levou á boca e esfregou nos dentes. Começou a tossir com o gosto forte na língua e cuspiu na pia. _ Que coisa ruim - lavou a boca. Pelo menos eles não tinham que se preocupar com isso em Durbhan. Era só fazer o boche...Char... Bochecho... Ficou em dúvida sobre a palavra certa. Era só encher a boca de líquido fluo