Ela concordou com um suspiro. Sua cabeça doía. Ter levantado depressa e ido atrás dele não tinha sido boa ideia.
Ainda se sentia um pouco mole e detestava se sentir assim. Há muitos anos ela não ficava doente e fraca.
“Há quanto tempo”?
Não tinha certeza agora, não se recordava de certo as coisas.
Sabia que teria que esperar até que as imagens voltassem a encher sua mente de novo. Mas sabia que adoecer era algo difícil e raro para ela. Em breve lembraria.
Ainda estava apagada de sua lembrança, como ela tinha ido parar ali. Sabia que deveria estar em outro lugar, só não sabia onde. Pelo menos ainda não.
Carlo insistia em dizer que havia um avião envolvido em seu acidente, mas ela não se recordava de nenhum avião. Embora...
_ Aqui - voltou com as roupas _ Pode sentar? Devagar. Cuidado com a cabeça.
Ela sentou e a manta caiu de novo. Ele prendeu a respiração tentando não abaixar os olhos.
_ Vão ficar folgadas em você, mas é o que tenho aqui.
_ Carlo, por que não olha para o meu corpo? - sentou mais para a frente.
_ Porque está nua - meio óbvio.
_ E daí? - sorriu e pegou a camiseta cinza e ele a ajudou a vestir.
_ Além de não ser adequado - limpou a garganta _ Não quero ser processado por assédio sexual.
_ E por que eu faria isso? - franziu os olhos _ E o que é assédio sexual? - não recordava disso.
Ela levantou e se apoiou no ombro dele para que a ajudasse a vestir a calça do moletom. Carlo estava sentado na mesinha e a virilha dela ficou bem em cima de seu rosto.
O coração e outro membro pulsaram forte ao mesmo tempo.
_ Assédio sexual, sendo verdade ou mentira, é um processo muito sério e pode acabar com a reputação e a vida de uma pessoa. Não é algo que quero experimentar - balançou a cabeça _ E agora virou moda as mulheres processarem os homens por assédio e violência, sendo que muitas que realmente sofrem, acabam sendo prejudicadas por aquelas que mentem para ter proveito.
_ Como assim, moda? - puxou a calça.
_ Quero dizer que algumas mentem para tirar algum proveito da situação e até mesmo extorquir dinheiro dos homens, ameaçando sujar seu nome ou causar grandes problemas.
_ Mesmo se for mentira?
_ Mesmo assim - deu de ombro _ Não dá pra saber quando é verdade ou mentira e na maior parte das vezes, o homem leva a culpa, mesmo tendo provas que é armação.
_ E por que?
_ Infelizmente, muitas mulheres são mesmo vítimas de homens canalhas e as que são mais espertas, por assim dizer, aproveitam e entram na onda. Isso prejudica as vítimas reais.
_ É uma pena.
_ Realmente, mas caráter não escolhe gênero e nem a falta dele - torceu a boca.
_ Entendi - ela amarrou o cordão da cintura, puxando bem _ Obrigada pela roupa.
_ Suas roupas estão secando. Quer comer agora? - ela assentiu _ Vamos para a cozinha - a pegou no colo de novo e a levou até lá _ Fique aqui, eu te sirvo - a deixou na cadeira.
_ Certo.
Ficou olhando enquanto ele se movia pelo lugar. Até que o ambiente era bonito, embora sua cozinha estivesse há anos luz de diferença daquela.
“Anos luz”?
_ O que foi? Sente algo? - a viu franzir a testa.
_ Não... Tudo bem.
Amina focou na paisagem lá fora, pela janela, algumas coisas voltando devagar.
_ Coma, vai ajudar a se fortalecer.
Colocou um prato em sua frente e serviu uma porção pequena. O cheiro entrou direto em suas narinas, despertando sua fome. Após a primeira garfada o olhou surpresa.
_ Hum... É bom. O que é essa coisa amarela?
Ela sorriu de leve, percebendo que algumas palavras vinham de imediato. Seu chip estava funcionando bem, até definia as cores, podendo ser entendida.
“Ela tinha um chip? Na cabeça?”
_ Nunca comeu cuscuz?
_ Não - pegou mais _ E esses ovos com...- futucou com o garfo a comida.
_ Bacon.
_ Bacon? - estreitou os olhos _ Ah, é gordura de porco. É bom, eu gostei.
_ Que bom - ficou olhando-a comer apressada _ Pode comer mais, só vá com calma.
_ Por agora já está bom - parou _ Obrigada pela comida... E por me resgatar.
_ Foi sorte que eu estava lá fora, observando a chuva noturna.
_ Por que mora aqui? - gesticulou.
_ Não é aqui que moro. Já foi minha casa antes - mexeu na comida _ Estou aqui para pensar, me isolar.
_ De quê? - franziu a testa sem entender.
_ Da morte.
Ele respondeu rápido sem pensar e viu que a assustou, mas infelizmente era o que estava acontecendo nos últimos meses e não apenas ali, mas em todo o mundo.
Ainda não havia segurança de que as coisas iriam melhorar em breve e enquanto isso muitas pessoas morriam.
Algumas por ignorância e outras por estupidez.
A vida era assim.
Cheia de dúvidas, algumas certezas e poucas mentes brilhantes.
E no meio disso tudo estava ele, tentando sobreviver enquanto podia e da melhor forma possível, aguardando que algo muito interessante e diferente o fizesse encontrar um caminho.
De preferência um caminho tranquilo e que pudesse dividir com alguém.
Ela o olhou sério. _ Você vai morrer? - se espantou. _ Espero que ficando aqui, não. Carlo explicou a ela sobre a pandemia de Corona vírus e ficou surpreso dela não saber sobre isso. _ Você é pilota das forças armadas? _ Não - pensou um pouco _ Mas sou pilota. _ Lembra-se disso? _ Sim... Mas não sou das forças armadas. _ Como sabe? _ Só sei - torceu os lábios.
Quando Amina despertou já estava escuro de novo. Mexeu a cabeça devagar. A cama era muito gostosa e tinha um cobertor por cima dela. Seu ombro já não doía e tocando a boca percebeu que ainda estava inchada, mas não como antes. Olhou pela janela. A chuva continuava, mas agora batia mais branda contra a janela e descia pelo vidro, deixando marcas. A porta do quarto estava aberta e a luz do corredor entrava, formando uma imagem espelhada da proteção da escada que descia. Voltou a fechar os olhos, reconfortada pelo calor da coberta. *******
Tinha que manter seu controle e não sucumbir ao desespero de descobrir que estava longe demais de sua casa. Muito longe mesmo. Não deveria nem estar naquela galáxia. _ Amina? - a segurou _ Está tonta? _ Um pouco. Mentira. Estava muito tonta, mas com tudo o que estava acontecendo a ela agora. Sentiu o estômago embrulhar. _ Quer beber alguma coisa? - ele esboçou um sorriso _ Deve estar com fome. Dormiu o dia inteiro. _ Quero café - queria provar da bebida de novo. O cheiro e o sabor a agradaram. _ Não vou lhe dar mais café. Trarei um chá de camomila. É muito bom e relaxa.
_ A Terra pode vir a ser um mundo seco e deserto como Marte - disse pensativa _ Ele perdeu seu campo magnético e as correntes de vento solar, fazem com que perca sua atmosfera. Ele se mexeu no sofá, curioso e interessado no que ela dizia. _ As partículas carregadas que são liberadas do Sol... O vento solar... Interagem com a atmosfera do planeta e criam uma magnetofesra que... Sabe o que é isso, não é? _ Sei sim - sorriu de leve _ Magnetosfera é a região exterior de nossa atmosfera e que nos protege de tempestades magnéticas e partículas carregadas que podem interferir em satélites, bússolas, radares - mexeu o ombro. _ Isso mesmo - ajeitou o cabelo atrás da orelha _ E quase todos os planetas têm a sua. Pois em Ma
_ Sei, claro - deu de ombro _ Que me lembre é uma região no espaço que o campo dele é tão forte que nada consegue escapar, nem mesmo a luz. _ Pois então, cheguei a pensar que tudo se repetia. _ Sua cabeça está doendo? - estranhou. _ Não muito. Me sinto melhor do que antes - suspirou fundo _ Foi só um sonho que tive e quando abri os olhos me encontrei no escuro de novo. _ Bem, sinto muito - tocou seu joelho _ Isso costuma acontecer por aqui. _ Que atraso - se recostou na cabeceira. _ É uma cabana, em uma montanha. Não sei que milagre a região tem energia.
Quando Amina acordou já era manhã. Ela estava na cama, o que indicava que Carlo a trouxera após pegar no sono no sofá. Se sentia bem melhor, quase normal. Não de todo, porque levando em consideração os fatos, ela nem mesmo havia nascido, portanto nem deveria estar ali. Mas estava. Ela já desistira da ideia de que era tudo um sonho. Se fosse ela estaria em um hospital rodeada de pessoas. Mas estava sozinha na casa de um macho, em outro planeta, outra galáxia. Já tinha lido sobre acontecimentos parecidos quando estava na academia de treinamento. Sorriu. Lembrava da academia
Pegou um tubo escrito creme dental. O cheiro era bom, cítrico. Na noite passada ela vira uma família na televisão usando creme dental e eles pareciam felizes com o ato simples de limpar os dentes. Pegou a escova que ele lhe mostrara e apertou o tubo espalhando o creme por todas as cerdas. Levou á boca e esfregou nos dentes. Começou a tossir com o gosto forte na língua e cuspiu na pia. _ Que coisa ruim - lavou a boca. Pelo menos eles não tinham que se preocupar com isso em Durbhan. Era só fazer o boche...Char... Bochecho... Ficou em dúvida sobre a palavra certa. Era só encher a boca de líquido fluo
Ele abriu o armário debaixo da pia e pegou a caixa de medicamentos. _ Vou passar essa pomada. É muito boa para queimaduras. _ Obrigada - o encarou _ Você está sendo mesmo o meu herói. _ Eu? - riu balançando a cabeça _ Sou apenas um homem comum. _ Não tem nada de comum em você, Carlo - tocou seu rosto. _ Pronto. Mais tarde faço outra aplicação - ficou sem jeito, apesar de gostar do que ela disse. Isso estava ficando comum entre eles. _ Estou pensando em sair e procurar minha... Meu avião - corrigiu rápido.
Último capítulo