A chuva pesada estava carregada de raios que criavam um espetáculo sem igual, que só a natureza poderia criar e ele estava no melhor lugar para presenciar isso.
O chocolate o aquecia. A chuva não seguia uma direção e com os ventos fortes suas pernas estavam molhadas até os joelhos, mas ele não se importava. A beleza dos raios cortando o escuro fazia valer a pena.
Com os trovões e raios logo ficaria sem energia. Já sabia como era e mantinha um estoque de fósforos, velas e lampiões de querosene.
Também tinha lanternas e pilhas. Não era a primeira vez que se isolava na cabana.
O lugar era seu refúgio. Tinha todo o tempo do mundo para ficar ali.
Descansaria, faria seus projetos de pesquisa e quando suas provisões estivessem perto de acabar ele desceria até a cidade para comprar mais.
Ali ele estaria protegido da contaminação e da insanidade do povo. Todos os dias os jornais mostravam as brigas por causa de gente que não seguia os cuidados indicados e ainda tinham os mais loucos que criavam mentiras e disseminavam fake news.
Se falava em grupos de riscos, mas ele não acreditava nisso. Conhecia pessoas que não se encaixavam nessas listas, que tinham sido contaminadas com o novo vírus e algumas tinham até morrido, infelizmente.
Duas delas eram seus alunos. Rapazes de dezenove e vinte e dois anos, ambos saudáveis. Não dava para confiar que só os mais velhos morreriam.
Isso causou uma comoção na faculdade que resolveu suspender as aulas até que as coisas melhorassem, apesar do prejuízo financeiro e educacional. Mas, foi o melhor.
Na verdade muito se falava sobre o vírus e pouco se sabia de fato porque cada pessoa reagia de uma forma particular, não era o mesmo para todos.
Haviam formas mais leves, por assim dizer e outras mais fortes que infelizmente matavam mais rápido. E alguns cientistas alertavam para o perigo de uma mutação do vírus.
Além disso, havia a divulgação de muitas notícias falsas até entre médicos que seguiam suas ideologias políticas, ao invés de seu juramento médico e acabavam atrapalhando o trabalho dos profissionais de saúde que eram mais corretos e que corriam para desenvolver uma vacina.
Sem falar na questão religiosa. Essa então era melhor nem entrar em discussão.
Outro relâmpago cortou o céu e clareou as árvores embaixo. Isso não o assustou. Tinha nascido ali mesmo, naquela cabana, e vivera com os pais ali até seus sete anos quando os pais decidiram que deveria frequentar uma escola e não apenas aprender em casa com eles.
Ele já sabia ler e escrever muito bem. Sua mãe o ensinou quando tinha só três anos e seu pai sempre lhe dava aulas sobre vários assuntos quando foi crescendo, mas queriam que fosse a uma escola.
Ele brincava com as crianças das casas mais próximas e amava aquele lugar, não queria se afastar.
A cidade mais próxima era pequena, ficava a pouco mais de trinta minutos e ele costumava ficar lá com os amigos quando os pais iam fazer compras.
Durante muito tempo ali foi seu mundo, até que seus pais decidiram que a casa seria apenas um local para as férias. Com o passar dos anos eles vinham cada vez menos.
Quando sua mãe morreu, o pai deixou de visitar a cabana e ele mesmo passou muito tempo sem ir ao lugar. A última vez em que tinha passado mais de dois dias na casa fôra há três anos.
Agora estava com trinte e seis anos. Tinha reformado a cabana inteira e aproveitou para modernizar o lugar.
Foi a melhor decisão.
Com a ocorrência da pandemia ele se afastou e se refugiou ali. Seu pai não queria ir ainda, mas estava isolado no apartamento onde morava e ainda tinha ajudantes.
E pelo que entendeu, uma namorada em vista.
Ele ficaria na cabana por tempo indeterminado e o pai sabia. Esperava que ele viesse logo.
Na verdade, mesmo sem a questão da pandemia ele já estava com vontade de se afastar da loucura da cidade.
A sociedade andava muito doente e a pior das enfermidades era a que mais acabava contagiando e causando mal.
O egoísmo.
Muitas pessoas estavam doentes de caráter e de coração, o que acabava apodrecendo suas almas. E era bem difícil encontrar a cura para isso.
Parecia que com o avanço do tempo as pessoas iam ficando mais fracas de sentimentos e de certa forma, cruéis com seu semelhante.
Ele já andava farto de tudo o que vinha acontecendo. Ficar isolado nesse caso era até bom. Pretendia tirar um ou dois anos sabáticos para uma autoavaliação.
Um forte clarão dessa vez o assustou, quase derramando o chocolate quente. Logo depois um trovão se fez ouvir.
O estrondo foi tanto que ele pulou da cadeira e ficou de pé, sentindo a chuva fria bater em seu rosto.
Saiu um pouco para fora da varanda se aproximando da proteção de madeira que a cercava e sendo açoitado pela chuva e pelo vento que estavam mais fortes.
Logo ficou todo molhado, mas queria ver.
Levantou o rosto protegendo os olhos com a mão. De início pensou ser outro raio quebrando as moléculas do ar e fazendo seu caminho, mas era outra coisa.
Um avião talvez.
Desceu dois degraus sem se incomodar com a chuva. Estreitou os olhos e viu uma bola de fogo cruzar o céu, seguida de pontos brilhantes que pareciam meteoros.
Ficou observando curioso. Jamais tinha visto uma noite como aquela. Seguiu com o olhar enquanto o objeto desconhecido caía em direção ao vale mais ao norte.
De repente, um novo o estrondo o assustou de novo. Com certeza o que quer que fosse havia colidido em algum ponto no vale.
Ficou paralisado um instante enquanto o clarão lhe permitia marcar a direção da queda.
Entrou correndo em casa, pegou as chaves da pick-up e o celular e saiu depressa em direção ao local.
Se estivesse certo, a colisão estaria a meia hora ou pouco mais de distância devido o terreno irregular até lá.
Dirigiu rápido, mas com cuidado. Seu instinto o alertava para ter atenção. Com toda aquela chuva as estradas ficaram ainda mais complicadas e perigosas.
E foi bom mesmo ter prestado atenção por onde ia ou teria passado por cima dela.
Fez uma curva e os faróis do carro iluminaram uma figura que cambaleava no meio da estrada.
Meteu o pé no freio de vez e a pick-up deslizou na lama que descia da lateral do morro e puxou a direção para o acostamento, parando o carro.
Viu que a pessoa se inclinava para a frente e caiu pesado no meio da estrada.
Ele pegou a lanterna que levava no porta-luvas e desceu, andando até a pessoa. Ao se aproximar viu que era uma mulher.
Se abaixou e tocou seu ombro, virando-a devagar e ficou aliviado ao ouvir um gemido fraco. Estava viva!
Tocou sua garganta com os dedos e abaixou o ouvido até sua boca, ouvindo sua respiração muito baixa. Tirou o cabelo molhado do rosto ferido.
Havia um corte que sangrava em sua testa, na lateral. O pescoço estava marcado por arranhões e sua boca um pouco inchada. Era uma mulher jovem.
O corte na cabeça o preocupou.
Apalpou com cuidado seus braços e pernas, procurando por fraturas. Sua coluna e pescoço pareciam bem. Não poderia deixá-la ali, tinha que arriscar movê-la ainda que não fosse o ideal. Voltou ao carro e pegou um cobertor que deixava no banco de trás. Embaixo do banco ele tinha um estojo de primeiros socorros. A cobriu e limpou com cuidado o sangue, do jeito que dava com aquela chuva, depois colocou uma gaze no corte. Quando tentava levantá-la, ela piscou abrindo os olhos, virando o rosto para ele. _ Ainda bem... Graças a Deus que voltou a si - disse preocupado. Tentava acalmá-la e a ele mesmo. Tinham que sair da chuva logo.
Carlo dormiu pouco durante a noite. Estava preocupado com a garota. Com cuidado redobrado ele a colocou na pick-up e a levou para casa, evitando ir muito depressa por causa dos solavancos. Queria lhe dar um banho, mas ficou com medo de piorar sua situação. Retirou a roupa que ela vestia, um macacão azul e botas pretas. Estava encharcada e infelizmente ele teve que retirar as roupas de baixo também. Usava uma camiseta fina branca e uma calcinha que parecia um shortinho, branca também. Limpou os ferimentos e buscou com atenção se havia algo quebrado. Tentou não notar como ela era bonita depois de limpa. Agora não era o momento de
Era uma arquitetura comum na Terra e tinha um ar aconchegante. Apesar disso, ela precisava descobrir onde estava realmente. Carlo entrou na sala e a viu sentada. Se aproximou. _ Que bom, acordou - parou ao lado do sofá com uma bandeja nas mãos. Ela levantou o rosto para olhá-lo e agora sim ele podia ver bem seus olhos cinza. Sorriu de leve. Não queria deixá-la nervosa. Parecia confusa ainda e sua postura mostrava um pouco de indecisão e timidez. Talvez uma certa desconfiança, o que era perfeitamente normal. _ Estava muito preocupado com você - colocou a bandeja na mesinha em frente ao sofá. Sentou
Ela concordou com um suspiro. Sua cabeça doía. Ter levantado depressa e ido atrás dele não tinha sido boa ideia. Ainda se sentia um pouco mole e detestava se sentir assim. Há muitos anos ela não ficava doente e fraca. “Há quanto tempo”? Não tinha certeza agora, não se recordava de certo as coisas. Sabia que teria que esperar até que as imagens voltassem a encher sua mente de novo. Mas sabia que adoecer era algo difícil e raro para ela. Em breve lembraria. Ainda estava apagada de sua lembrança, como ela tinha ido parar ali. Sabia que deveria estar em outro lugar, só não sabia onde. Pelo menos ainda não.
Ela o olhou sério. _ Você vai morrer? - se espantou. _ Espero que ficando aqui, não. Carlo explicou a ela sobre a pandemia de Corona vírus e ficou surpreso dela não saber sobre isso. _ Você é pilota das forças armadas? _ Não - pensou um pouco _ Mas sou pilota. _ Lembra-se disso? _ Sim... Mas não sou das forças armadas. _ Como sabe? _ Só sei - torceu os lábios.
Quando Amina despertou já estava escuro de novo. Mexeu a cabeça devagar. A cama era muito gostosa e tinha um cobertor por cima dela. Seu ombro já não doía e tocando a boca percebeu que ainda estava inchada, mas não como antes. Olhou pela janela. A chuva continuava, mas agora batia mais branda contra a janela e descia pelo vidro, deixando marcas. A porta do quarto estava aberta e a luz do corredor entrava, formando uma imagem espelhada da proteção da escada que descia. Voltou a fechar os olhos, reconfortada pelo calor da coberta. *******
Tinha que manter seu controle e não sucumbir ao desespero de descobrir que estava longe demais de sua casa. Muito longe mesmo. Não deveria nem estar naquela galáxia. _ Amina? - a segurou _ Está tonta? _ Um pouco. Mentira. Estava muito tonta, mas com tudo o que estava acontecendo a ela agora. Sentiu o estômago embrulhar. _ Quer beber alguma coisa? - ele esboçou um sorriso _ Deve estar com fome. Dormiu o dia inteiro. _ Quero café - queria provar da bebida de novo. O cheiro e o sabor a agradaram. _ Não vou lhe dar mais café. Trarei um chá de camomila. É muito bom e relaxa.
_ A Terra pode vir a ser um mundo seco e deserto como Marte - disse pensativa _ Ele perdeu seu campo magnético e as correntes de vento solar, fazem com que perca sua atmosfera. Ele se mexeu no sofá, curioso e interessado no que ela dizia. _ As partículas carregadas que são liberadas do Sol... O vento solar... Interagem com a atmosfera do planeta e criam uma magnetofesra que... Sabe o que é isso, não é? _ Sei sim - sorriu de leve _ Magnetosfera é a região exterior de nossa atmosfera e que nos protege de tempestades magnéticas e partículas carregadas que podem interferir em satélites, bússolas, radares - mexeu o ombro. _ Isso mesmo - ajeitou o cabelo atrás da orelha _ E quase todos os planetas têm a sua. Pois em Ma