Maya
— Você está trabalhando há dois anos e já está cansada e desgastada. Imagina quem trabalha desde os doze anos — disse com os olhos cheios de lágrimas.
— Não é o seu caso. Acredito que possa ser o de algumas garotas, mas não o seu. Os seus pais cuidam de você, Penny!
— Não. Não cuidam, Maya. Eu nem mesmo sei onde eles estão — disse em meio ao choro que começava.
— O quê? Você disse que...
— Eu sei o que disse — interrompeu-me. — Mas não é verdade. Os meus pais não estão na Suíça. O meu pai foi preso por matar um homem quando eu tinha nove anos. Ele pegou vinte anos de prisão. Eu morava em um trailer com a minha mãe em Indiana. Ela é uma alcoólatra com um namorado por noite e nunca se importou comigo. Mal durava um dia em um emprego, então como poderia cuidar de mim? — Lágrimas escorriam abundantemente por seu rosto.
— Penny... — chamei-a aproximando-me em passos lentos.
Eu pude ver a dor e angústia no seu rosto. O meu coração se apertou, fazendo-me sentir culpada por seu choro. Abaixei-me à sua frente e segurei as suas mãos.
— Quando fiz doze anos comecei a trabalhar em uma lanchonete na cidade onde eu morava. Aos dezesseis tinha grana o suficiente para me mandar dali e deixar aquela vida ordinária para trás. Eu fui para Dallas. Lá, eu conheci um cara que se dispôs a me ajudar. Ele me arrumou um emprego de garçonete na sua boate, mas eu precisava de mais grana para conseguir ir para a faculdade. Então pedi um aumento e ele disse que não poderia me dar, mas que tinha outro jeito de me ajudar.
— Meu Deus... — murmurei horrorizada.
— Ele me apresentou a um homem. Um que se tornou o meu cliente mais fiel. Ele gostava de mim e então pagou pela minha exclusividade. Deu-me um lugar decente para morar, custeou todas as minhas despesas e eu pude voltar a estudar.
— Foi ele quem pagou pela sua faculdade? — perguntei e ela assentiu.
— Quando me mudei para cá, as coisas ficaram difíceis entre nós por causa da distância e a falta de tempo. Nos encontramos algumas vezes, mas quase nunca ele podia vir e eu nunca podia ir até ele. Então decidiu ser hora de acabar. Eu precisava de grana para me manter na faculdade, aí ele me apresentou a uma amiga dele que morava aqui na cidade e ela me levou para onde estou hoje.
— Eu sinto muito — disse com pesar e pena. Éramos melhores amigas, mas não tinha conhecimento algum do seu sofrimento.
— Não sinta — pediu sorrindo tristemente. — Eles me mimam com presentes caros, bons restaurantes e me pagam muito bem. Sem contar que alguns são lindos e bom de cama. — Abriu um sorriso. — Não me julgue, por favor. Ainda somos amigas, não é? — perguntou desfazendo o sorriso.
— Claro que somos! — Levantei-me e sentei ao seu lado. — Mas você tem que entender que aquilo me assustou.
— Desculpe-me — pediu dando-me um abraço.
— Claro que desculpo. Mas que não aconteça novamente!
Ficamos por mais um tempo sentadas na sua cama e ela me contou mais algumas coisas sobre a sua vida que eu desconhecia. Coisas que nunca imaginei que ela poderia ter passado. Agora entendia tudo, não poderia julgá-la. Isso não era ser melhor amiga.
Mais tarde, era meu último dia de trabalho antes de estar oficialmente de férias. Trabalhava feliz e ansiosa para voltar logo para casa e ver a minha família. A noite estava tranquila e o bar não estava muito cheio. Continuei a servir e limpar as mesas, até que Dirck me chamou no balcão de bebidas.
— Não olha agora, mas o sr. Encrenca está aqui — disse olhando para a entrada do bar.
Olhei disfarçadamente por cima do meu ombro e vi Mark entrar com duas garotas agarradas a ele e os seus amigos. Pela cara das pirralhas eram calouras. Ele encarou-me com superioridade empinando o seu nariz e arqueando a sobrancelha.
— Grande babaca! — disse baixo olhando para frente outra vez.
Ele se sentou em uma mesa no centro do bar com as garotas ao seu lado, rindo alto para chamar a minha atenção e sempre olhando para onde eu estava. Continuei a servir os outros clientes, inclusive os amigos do sr. Babaca. Eu o ignorei por completo, o que o deixou visivelmente furioso. Se ele acreditou que as garotas me causariam ciúmes, ele se enganou.
Penny estava no bar com uma das nossas colegas da fraternidade e eu estava as servindo quando ela arregalou os olhos em direção à porta e segurou o meu punho com força, impedindo-me de me afastar.
— O que foi? — perguntei confusa.
— Higor Blackwood, acabou de entrar.
— Ai, merda! — resmunguei abaixando-me ao seu lado, na tentativa de esconder-me dele.
Higor Blackwood era líder de um moto clube de Dallas. Estava tentando curar a minha depressão pós-término, quando ele apareceu na cidade e acabamos juntos na cama de um motel. O que era para ser um caso de apenas uma noite, acabou se prolongando um pouco mais e, como quase tudo na minha vida, acabou em problemas.
Ele era para ser apenas uma distração de um metro e oitenta, longos cabelos castanho-claros até os ombros, corpo sarado e lindos olhos azuis, mas não! Eu tinha que querer mais uma vez, graças a sua pegada forte e quente. Quem estragou tudo, na verdade, fui eu. Estava carente e queria atenção, mas acabei deixando transparecer algo a ele que não era real da minha parte. A culpa era minha, admito.
Uma manhã, antes de ir para casa, ele disse estar apaixonado por mim. Já fazia alguns meses que estávamos transando, mas não esperava uma declaração daquelas. Surpresa e sem saber ao certo que lhe dizer, eu disse a verdade. Eu não o amava, ele era apenas um caso. Higor ficou irritado e disse que me faria arrepender por chutá-lo após usá-lo.
Certa noite, dois meses depois, ele apareceu no bar e depois de beber todas, arranjou confusão com um dos homens que eu atendia. A sua agressividade deixou-me com medo e assustada. Roger o expulsou e eu não o via há três meses, até aquele momento.
Maya— O que eu faço? — perguntei a Penny.— Espera ele se virar para o outro lado e... corra! — Penny se levantou arrastando-me pelo braço até ao banheiro feminino e trancou a porta depois de entramos.— Não posso passar o resto da minha noite de trabalho trancada em um banheiro por causa de um louco! — disse nervosa.— Talvez, quando ele não achar você, vá embora. — Forçou um sorriso e uma calma inexistente.— Que droga! — exclamei dando um forte tapa em uma das portas dos sanitários. — Roger já não está muito satisfeito comigo, desde a última confusão do Mark. Se ele me pegar aqui no banheiro, eu... — Uma forte batida na porta interrompeu-me, nos assustando.— Quem é? — perguntou Penny.— Maya! — gritou Roger lá de fora.Penny abriu a porta vagarosamente e Roger estava parado depois dela, de braços cruzados e com uma feição nítida de descontentamento.— Oi — disse Penny para ele.— Dê um jeito naquilo. — Roger apontou para o final do corredor. — Que não aconteça mais uma briga nest
Maya— Maya! — Ouvi o som irritante da voz do Mark gritar por mim, enquanto eu caminhava pela calçada de volta para a fraternidade.— O que você quer? — perguntei alto e rude. — Já não conseguiu o que tanto queria? Eu não tenho mais o emprego!— Desculpe-me, por favor! — implorou acompanhando-me lentamente com o carro, próximo ao meio-fio.— Desaparece, Mark! — mandei rude.— Deixa eu levar você para o campus. Já está bem tarde e é perigoso.— Vai à merda! — gritei parando na calçada e o encarando. — Deixe-me em paz! Segue a sua vida e deixa eu seguir a minha! — Mark parou o carro e desceu batendo a porta com força.— Perdoa-me. Eu imploro! Por que você é tão dura comigo? Será que dá para você me desculpar?— Não! Não dá, Mark. Você é um cretino egoísta. Eu precisava daquele emprego e você melhor do que ninguém sabe disso. Você tem conhecimento do que está acontecendo na minha vida. Por que insiste em me causar problemas? Eu avisei e pedi inúmeras vezes para ficar longe de mim, para m
MayaVesti e observei-o no meu corpo pelo reflexo no espelho. Por um segundo, pensei que talvez ele pudesse valer mil e quatrocentos dólares. Ele me deixou surpresa e boquiaberta. Era lindo e perfeito! Nunca havia vestido algo tão belo e luxuoso antes. Calcei o par de sandálias que estavam no provador, e quando Penny me chamou impaciente pela segunda vez, saí a vendo sorrir admirada.— Uau! — expressou ela boquiaberta. — Você está...— Linda! — Uma voz grossa a interrompeu terminando a sua frase.— Victor! Oi, como vai? — cumprimentou Penny.Olhei para o lado um tanto surpresa em vê-lo ali. Ele encarava-me com um olhar faminto e um pequeno sorrisinho enigmático no rosto.— Senhor White — disse ao cumprimentá-lo.— Olá, Valentina — disse com o seu sorriso largo. — Vocês estão maravilhosas. Vão à festa esta noite?— Sim, eu vou — respondeu Penny.— E você? — perguntou ele voltando a sua atenção para mim.— Não — respondi sentindo-me desconcertada.— É uma pena. — Ele aproximou-se. — Fic
MayaDevidamente arrumada, ajudei Penny a ondular os seus cabelos e finalizar a sua maquiagem. Enquanto calçava as minhas sandálias, sentada à beirada da cama, ela olhou pela janela e avisou que o carro já havia chegado.— Bem pontual — disse olhando as horas no meu celular.A caminho da festa, acomodada no assento traseiro da limusine, convenci-me de que a noite seria para estar com pessoas diferentes de Mark, beber, dançar e, principalmente, me divertir.— Parece nervosa — disse Penny.— Um pouco — confessei.— Não tem motivo estar nervosa. Você está linda e com certeza vai chamar a atenção de todos — disse sorrindo confiante.— Não sei o que o Victor espera de mim com tudo isso.— Tudo isso o quê? O vestido? A limusine?Assenti.— Relaxa! Ele é um homem simpático e respeitoso. É claro que ele espera que você ao menos o acompanhe esta noite, mas tenho certeza de que ele lhe tratará muito bem. E não é porque você estará lá, ou com ele, que os outros vão pensar ou dizer que você é uma
MayaDepois de mais uma taça de champanhe e uma hora de conversa boba com Victor, eu conseguia me sentir mais à vontade no ambiente da festa. Ele me contou histórias engraçadas da adolescência e da sua primeira viagem fora do país sozinho, sempre um assunto se emendando ao outro.Penny reapareceu com outro homem, que eu não fazia a menor ideia de quem era. Ele engajou em uma conversa de negócios com Victor, fazendo com que eu e ela ficássemos de lado.— Lola, vamos ao banheiro? — chamei-a no intuito de nos livrar daquele tédio e do assunto que não entendíamos nada.— Vamos — concordou levantando-se.— Então, o que houve com o Rick? — perguntei a caminho ao banheiro.— Ele teve que ir — disse ela nada contente, retorcendo o bico para o lado.— Por quê? O que houve?— Eu não sei, ele não me disse nada e eu também não perguntei.— É assim que funciona? — perguntei curiosa.— É! A vida dele não é da minha conta, do mesmo jeito que a minha não é da dele — explicou ao entrarmos no banheiro.
MayaNa manhã seguinte, acordei animada arrumando as minhas coisas para voltar para casa e rever os meus pais. Quando subi de volta para o quarto, depois do café da manhã, havia uma mensagem no meu celular de um número desconhecido.Bom dia, linda Valentina.Agradeço, mais uma vez, pela ótima companhia que me fez na noite passada.E, novamente, você estava deslumbrante.Victor09:20 a.m.Bom dia, Victor. Eu que lhe agradeço.Foi uma ótima noite.Valentina09:34 a.m.Por um momento pensei em dizer o meu nome a ele, mas ainda não. Aquele não era o momento certo para deixá-lo mais próximo a quem era de verdade.Jante comigo esta noite?Posso fazer uma ótima reserva em um bom restaurante.Victor09:35 a.m.Desculpe-me, mas não posso.Fica para outra oportunidade.Valentina09:36 a.m.É uma pena que você já tenha algo de mais interessante para esta noite.Victor09:36 a.m.Não é isso.Estou indo para casa, em Tulsa.Valentina09:37 a.m.Quando volta?Não me deixe esperando por você.
MayaNo dia seguinte, ele bateu na porta dizendo que já passava das oito da manhã. Depois de me arrumar, desci para o café e saímos juntos para o hospital. Quando as portas do elevador se abriram no quarto andar, senti um enorme frio se instalar no meu estômago. Caminhamos pacientemente pelo corredor movimentado até o quarto. O meu pai abriu a porta e avistei a minha mãe deitada na cama. Aproximei-me dela e a observei dormir com tranquilidade.A sua cabeça, sem nem um fio de cabelo, estava coberta por um lenço que lhe dei quando descobrimos o câncer de mama. Ela estava pálida e bem mais magra que a última vez que a vi. Senti-me tão culpada por estar longe de casa naquele momento tão delicado e doloroso das nossas vidas.Sem perceber, uma lágrima quente e solitária escorreu por meu rosto sem nenhum aviso. Segurei a sua mão magra, notando que a sua pele estava marcada por hematomas de uma cor amarelada misturada com algumas pequenas manchinhas roxas. Eram marcas que denunciavam onde a s
Maya— Minha querida, você não tem que... — começou a dizer sentando-se na sua cadeira do outro lado da mesa.— Nem comece, pai! — interrompi-o. — Pare de me tratar como criança. Primeiro você e mamãe tentaram me esconder a doença dela na segunda vez. Depois que venderam dois dos nossos carros e agora isso? — disse irritada, apontando para a pasta sobre a mesa. — O que mais está acontecendo? Ou você me diz... ou vou descobrir sozinha! — gritei, impondo-me.— Hipotequei a nossa casa há três meses, mas não tive nem mesmo como pagar a primeira parcela. Tive que dispensar mais da metade do quadro de funcionários no mês passado, por não ter como pagá-los. Mesmo com o novo sócio, não teríamos como bancar salário e bônus de fim de ano para toda essa gente. Se não bastasse isso, o serviço está reduzido. Mal tenho renda para pagar o plano de saúde que está cada vez mais caro e os remédios que custam uma fortuna, os quais não são disponibilizados pelo governo ou cobertos pelo plano.— Sócio? —