Eu morava em Rívales, uma cidade que ficava em um dos poucos países que ainda não havia se convertido à monarquia e um dos poucos países que ainda funcionava bem assim.
Havia muitos anos que os presidentes haviam se tornado obsoletos em quase todos os países, onde sugiram reis e com eles a guerra em busca de poder.
Em uma dessas guerras meus pais morreram, por isso eu fui criada por meus tios, que cuidaram de mim como uma filha, o que despertou ciúmes no verdadeiro filho deles, meu primo Felipe, que demonstrava seu desprezo por mim sempre que podia, mesmo que eu tentasse manter um relacionamento saudável e civilizado com ele.
...
Acordei cedo e fui tomar meu café da manhã, como sempre, e Felipe já estava sentado à mesa enquanto minha tia preparava o café.
- Seu suco está na geladeira, querida. - anunciou ela assim que me viu.
- Obrigada tia.
Meu primo revirou os olhos, como sempre fazia.
Eu não gostava muito de beber café, por isso minha tia sempre preparava um suco para mim. Felipe dizia que eu era frescurenta, mas minha tia incentivava a minha preferência, já que ela era nutricionista e sempre me fazia cuidar da minha saúde, me proibindo de comer qualquer coisa que não fosse saudável.
Fiz meu sanduíche com presunto e queijo e comi em silêncio, pois não queria começar o dia brigando.
Assim que acabei de comer, peguei minha mochila e conferi o meu material antes de colocá-la no ombro.
- Espere o seu primo, querida. - minha tia falou ao me ver ir em direção à porta.
Bufei.
- Preciso mesmo? Ele não gosta de ir comigo.
- Não importa se ele gosta ou não, você não vai andar sozinha por ai.
Eu ia responder que já era grande o suficiente para andar na rua sozinha, mas decidi ficar calada e esperar meu primo, pois minha experiência me dizia que aquela discussão já estava perdida antes mesmo de começar.
Felipe e eu andamos em silencio pela rua até encontrarmos os amigos dele, quando ele fingiu que não me conhecia e me deixou para trás, como sempre fazia.
O resto da manhã foi chata e entediante, pois eu estava muito ansiosa pela ultima aula, quando a professora de matemática diria as notas da ultima prova que fizemos.
Assim que a professora chegou eu fiquei mais animada. Talvez eu estivesse dando importância demais para isso, mas eu era assim.
Apertei as mãos uma na outra quando ela se sentou para anunciar as notas.
- Alice, dez. Parabéns. - Ela falou logo de cara.
Não era o meu primeiro dez, mas aquela nota seria importante para a nota final e eu precisava ter boas notas para entrar numa faculdade, mesmo que eu ainda não tivesse decidido qual faculdade fazer.
Nem prestei muita atenção enquanto a professora terminava de dizer as notas dos outros alunos, pois eu estava feliz demais para isso.
Assim que a aula acabou minha amiga Julia veio em minha direção toda saltitante.
- Parabéns gênio. Foi a única a tirar dez!
- Fui?
- É! A professora chamou por ordem de nota, não percebeu?
Eu ia responder, mas então Patrícia passou por nós, me olhando com cara de nojo.
- Só não fique se achando. - ela comentou antes de ir.
Patrícia e eu éramos rivais quando se tratava de notas. Ela era filha única e seus pais eram muito rígidos com os estudos dela, por isso ela sempre queria ser a primeira da classe, enquanto que eu era bastante pressionada pelos meus tios.
- Não liga para isso. - sussurrou Julia para mim - ela está com inveja porque tirou oito.
Ergui os ombros sem me importar.
Guardei minhas coisas na mochila, me despedi de Julia e saí.
Encontrei Mateus me esperando na frente da minha sala. Ele era um menino alto, bonito, de cabelos loiros avermelhados, quase cor de bronze, e olhos azuis, com o qual eu meio que estava namorando.
Na verdade eu o havia conhecido umas duas semanas atrás, no intervalo da escola. Nós dois conversamos bastante e nos demos super bem, então depois de alguns dias começamos um namoro às escondidas, já que nem meus tios, nem Felipe, sabiam sobre ele.
Mateus pegou a minha mochila e a pendurou em seu ombro, então nós dois saímos de mãos dadas, tomando o cuidado de não sermos vistos pelo meu primo.
Fomos andando devagar e paramos no lugar de sempre, uma árvore grande a duas quadras da minha casa.
- Então nos vemos amanhã? - ele perguntou, se aproximando de mim.
- Claro. - eu concordei.
Ele começou a me beijar, me apoiando contra a árvore e segurando meu rosto gentilmente, mas nesse momento eu ouvi alguém pigarrear.
- Felipe?! - perguntei assustada, me afastando de Mateus.
- Então é por isso que você tem demorado para chegar em casa? Quem é esse moleque?
Mateus deu um passo para frente e estava prestes a dar uma resposta, mas eu intervi.
- Não é da sua conta, Felipe. Me espere perto de casa, como você sempre faz, que eu já vou.
- Até parece que eu vou ficar te esperando enquanto você fica se agarrando com esse babaca. Vamos logo.
Ele me puxou pelo pulso, mas dessa vez Mateus reagiu e o empurrou.
- Deixa ela em paz. - ele disse, encarando-o.
- Não, Mateus. - eu pedi, puxando-o de volta - Não vale a pena.
Na verdade, eu não queria admitir, mas Felipe ganharia aquela briga facilmente, pois, apesar de Mateus ser grande e forte, Felipe e eu havíamos feito aulas de luta e esgrima desde pequenos, e Felipe ainda continuava fazendo.
- É melhor eu ir. - concluí, pegando a minha mochila, que ainda estava com Mateus, e dando um selinho nele - Até amanhã.
- Tem certeza? - ele perguntou, parecendo preocupado.
- Tenho. Está tudo bem.
Ele assentiu com a cabeça e então eu fui, seguindo meu primo chato de volta para casa.
- O que deu em você?! - perguntei à Felipe assim que nos afastamos um pouco.
- O que deu em mim? O que deu em você, Alice?! O que estava fazendo com aquele babaca? - ele perguntou - Saiba que meu pai vai ficar sabendo disso. - ameaçou, andando em minha frente e sem olhar para mim.
- Ah é?! Acontece que Matheus não é um babaca, ao contrário de você, ele é um cara legal e cavalheiro e só estava me acompanhando porque VOCÊ não estava! - gritei - O que acha que seu pai vai dizer quando souber disso?
Felipe parou e me encarou mal humorado.
- Ótimo. Então é cavalheirismo que você quer? - ele perguntou.
Surpreendentemente Felipe pegou a minha mochila de mim e a colocou em seu ombro, me olhando com uma expressão enraivecida.
- Pronto. - ele disse - Estou sendo cavalheiro e estou te acompanhando. Mais alguma exigência?
- Por que você não pula de uma ponte e morre?! - falei com raiva, mas logo me arrependi.
Felipe cerrou os dentes e me encarou, mas sua expressão me dizia que ele estava magoado e se segurando para não chorar.
- Me desculpe. - eu pedi - Eu não quis dizer isso...
Felipe não respondeu nada, apenas virou as costas e recomeçou a andar.
- Felipe... - eu chamei, mas ele não me deu ouvidos.
Corri para alcança-lo e então parei em sua frente, o encarando e fazendo com que ele olhasse para mim.
- Me desculpe. - pedi de novo - Eu não quero que você morra, eu só... Gostaria que você não implicasse tanto comigo, só isso.
- Tudo bem. - ele disse, ainda com uma expressão séria.
Soltei um suspiro e ele passou por mim, entrando em nossa casa.
No dia seguinte, para a minha surpresa, Felipe pegou minha mochila mais uma vez e foi andando ao meu lado no caminho para a escola. Achei a atitude dele tão esquisita que nem soube como reagir. - Você não vai se encontrar com seus amigos hoje? - perguntei ao passarmos pela rua onde normalmente os amigos dele apareciam. - Não. - ele respondeu - Eu disse que não precisavam me esperar, então já devem ter ido. - Ah... - resmunguei. Andamos em silêncio por mais um momento. - Soube que você tirou dez na prova de matemática de novo, gênia. - ele comentou de repente. - Não é para tanto... - respondi sem graça. - Ta falando sério? Com as suas notas você consegue uma bolsa na faculdade facinho. - ele elogiou - Já sabe o que vai fazer? - Na verdade não faço ideia. E você? - Acho que quero ser policial igual ao meu pai. Ou talvez me aliste no exército. Afinal, as garotas gostam de homens em uniformes. - ele brincou e eu
Depois que eu apresentei Mateus aos meus tios tudo melhorou e eu estava muito feliz.Nós íamos para a escola juntos, voltávamos juntos e passávamos os fins de semana juntos.Mas eu nunca poderia imaginar o quanto tudo isso ia mudar logo.Um dia, depois da aula, eu convidei Mateus para passar a tarde na minha casa.Meus tios estavam trabalhando, então só seríamos eu, ele e meu primo Felipe - infelizmente.Felipe foi direto para o quarto, com uma cara emburrada, enquanto eu e Mateus ficamos na sala.Liguei a TV e coloquei um filme para nós dois assistirmos, me aconchegado ao lado
Eu fiquei horas no hospital, esperando para poder ver meu primo. Meus tios estavam preocupadíssimos, mas eu sabia que ele ficaria bem. Dois dos homens que haviam invadido a nossa casa também foram levados para o hospital, mas seriam presos assim que se recuperassem e o outro estava morto. Dei meu depoimento aos policiais e tive medo de que eu seria presa também, ou no mínimo julgada, mas Marcelo me garantiu que eu não precisava me preocupar, pois eu havia apenas me defendido e tudo já estava resolvido. Quando os médicos finalmente nos deixaram entrar para vê-lo fiquei surpresa que ele parecesse ainda melhor do que eu esperava. Felipe estava sentado na maca, e apesar de estar com o cabelo todo bagunçado, ele me parecia ótimo, apenas com o ombro enfaixado. Tive vontade de socá-lo por ele ter sido tão descuidado, mas no fundo eu estava grata, afinal ele salvou a minha vida. Meus tios o abraçaram e eu ri da careta de dor que ele fe
Assim que Felipe voltou do hospital nós começamos a nossa viagem.Pegamos um avião para a cidade de Ônix, que ficava em um país quase vizinho do nosso.Felipe se sentou ao meu lado no avião, e meus tios na frente.Eu tinha muitas perguntas a fazer, mas decidi deixa-las para depois da viagem, afinal não poderíamos conversar ali no avião.- Você está bem? - perguntei a Felipe.- Sim. Eu não gosto muito de voar, mas...- Eu estava me referindo ao seu ombro.- Ah... - ele riu.- Você tem medo de avião? - zombei.- Não. Não é medo. Eu só... não gosto de altura.Ri dele e voltei a minha atenção para a janela.Eu nunca havia voado de avião, pelo menos não que eu me lembrasse, mas eu estava tranquila.Assim que começamos a sentir o tremor da deco
Quando consegui pegar no sono já era quase de manhã.Acordei com batidas na minha porta, levantei lentamente para ver quem era e me surpreendi ao ver Felipe parado em frente ao meu quarto.- O que foi? - perguntei ainda meio dormindo.- Nada... Eu só queria ver se você estava bem. Já é tarde e você não saiu do quarto o dia todo.- Eu estou bem. Só fui dormir tarde ontem, só isso.Olhei bem para ele e só então percebi que aquilo parecia estranho. Felipe nunca havia se importado tanto comigo.- Por que está tão preocupado?
Nos próximos dias que se passaram eu evitei Felipe o máximo que consegui, pois não estava pronta para encará-lo depois do que aconteceu e também não tive coragem de falar com Mateus, nem sobre Felipe, nem sobre eu ser a herdeira de Solares. Eram assuntos que eu estava guardando para um momento adequado, assim como o possível término de namoro, afinal eu não achava que poderíamos continuar namorando, não depois de tudo o que eu havia descoberto sobre mim. Mateus tinha a vida dele e eu logo seria uma princesa de um reino distante. Não teria como dar certo, ou teria?Um dia, porém, enquanto eu estava sentada no meu quarto, rabiscando um papel qualquer, sem escrever nada de importante, ouvi meu celular tocando. Era Mateus mais uma vez, a segunda vez naquele dia.
Mais tarde, quando meus tios chegaram das compras que haviam feito, nós nos sentamos para almoçar. Eu não pretendia falar nada sobre Mateus, mas o que eu não esperava era que Felipe fosse me fazer falar. - Pai, você não vai adivinhar quem veio nos fazer uma visita hoje. - disse ele de repente. Eu o encarei numa pergunta silenciosa do por que ele estava dizendo aquilo, enquanto meu tio nos olhava, esperando uma resposta. - Mateus veio me visitar. - respondi com um suspiro - Ele disse que ia se mudar para a cidade. - Você disse à ele o nosso endereço? - É claro que disse, ele é... ele era o meu namorado.
Minha tia estava fazendo o jantar, enquanto Felipe e eu estávamos sentados à mesa, olhando um para o outro.Sorri envergonhada e baixei os olhos para a minha mão, sentindo um misto de euforia, nervosismo, medo e vergonha, tudo misturado.Foi quando meu tio entrou na cozinha sério, fazendo toda a atmosfera do ambiente mudar e me tirando das minhas fantasias irreais.- Precisamos conversar sobre uma coisa. - anunciou.Ele se sentou numa cadeira à minha frente e respirou fundo.- Eu sei que estamos nos adaptando à mudança ainda, mas...- Tio, eu não quero me mudar de novo. - interrompi.- Espera eu terminar. - pediu ele - Você já vai fazer dezoito anos daqui duas semanas, então acho que... já podemos voltar para casa.- Você quer dizer...- Sim, o castelo. - ele confirmou - Eu estava pensando sobre o assunto e acho que não seria